António Pedro Dores, professor universitário no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, há dezasseis anos que dá a cara pela Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED). Em exclusivo, ao nosso jornal, ele revela factos surpreendentes, quiçá escandalosos, quanto a “torturas e violações”, nas prisões portuguesas
Doutorado em Sociologia pelo ISCTE-IUL, com distinção e louvor, António Pedro Dores, de 56 anos, está na luta pela defesa de quem nas prisões sofre atos bárbaros, e que algumas (?!) das vezes os levam, direta ou indiretamente, à morte, isto sem que o Estado português dê resposta cabal aos alertas que são feitos e já têm repercussão internacional.
Uma longa mas interessante entrevista para ler com a atenção.
No passado dia 08 de janeiro, cerca de duas dezenas de familiares de reclusos realizaram uma concentração junto ao Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) para denunciar a prática de torturas e violação dos direitos humanos nas prisões portuguesas. A referida concentração contou com o apoio da ACED e ainda de mais duas associações. Porque é que esta iniciativa foi realizada nesse dia? Era uma data especial?
“O familiar de uma vítima dispôs-se, nesse dia, a dar a cara! O que acontece a maior parte das vezes – e que não aconteceu neste caso -, é que as pessoas são confrontadas com o poder do Estado de uma maneira muito explícita e expressa, e, evidentemente, não sabem porque razão hão-de confrontar-se com tal poder, e portanto remetem-se à descrição e ao silêncio o mais possível, tentando evitar o confronto com alguma coisa que desconhecem, mas que sabem que será até, eventualmente, fatal!
Neste caso concreto, aconteceu que o irmão da pessoa que foi espancada na prisão estava atenta à situação, pois tinha-o visitado na véspera da ocorrência. Depois foi informado do sucedido por alguém e teve a iniciativa, através de outra pessoa, de contactar com organizações de direitos humanos. Como da nossa parte há sempre disponibilidade para fazer, por exemplo, contactos com a comunicação social, foi fácil mobilizarmos pessoas para estarmos à porta do EPL no momento seguinte aos acontecimentos, em que havia visita.
Portanto, o próprio irmão pode fazer a visita no dia que estava programado. Nessa altura, não quiseram deixar ver o familiar detido. Cá fora, já se encontrava a comunicação social. Essa pessoa estava para emigrar nos dias seguintes e, assim, o receio que ela poderia ter do Estado, acabou por se desvanecer. Como tal, e mais tarde, foi de outro país que nos deu mais notícias sobre o que se estava a passar com o irmão”.
“EXISTEM GUARDAS PRISIONAIS ESPECIALIZADOS EM CASTIGOS CORPORAIS”
Estas situações são recorrentes nos estabelecimentos prisionais portugueses?
“Acontecem regularmente. Sabe-se que existem guardas prisionais especializados em castigos corporais. Sabe-se também que os castigos informais são prática normal nos estabelecimentos prisionais, principalmente nos quais os presos estão mais tempo. E estou a falar desses estabelecimentos, porque são os que conhecemos melhor! É desses que nos chegam notícias. Dos outros estabelecimentos, por exemplo, os regionais, raramente temos informações, pois os presos estão de curta de duração e o regime é diferente.
Também não tenho conhecimento do que se passa nas prisões de crianças, onde, supostamente, se passarão também coisas às quais não temos acesso, mas, presumimos, sejam mais ou menos graves.”
Estamos a falar de um mundo à parte?
“São mundos fechados em que o poder do Estado se faz sentir com a força toda que tem, ou que pode ter: um poder fora da Lei. Não há legalidades dentro destes sistemas. Isto é a criação de um espaço privado ao serviço seja do que for, onde ninguém se pode queixar daquilo que lhe acontece lá dentro. Repare que, não são só os presos que não se podem queixar! Os guardas, ou os técnicos, dificilmente, darão notícia do que lá se passa. A esses, é mais fácil demitirem-se do que contarem histórias de coisas a que assistiram.”
“NAS INSPEÇÕES HÁ, EM TERMOS ESTRUTURAIS, UMA FALTA DE RESPEITO PELA LEGALIDADE”
Também é difícil para a ACDE estar a divulgar este tipo de situações? Mesmo divulgando, a quem recorrem para alertar tais factos?
“Geralmente, e por obrigação, o Provedor de Justiça, Inspeção Geral dos Serviços Prisionais têm a obrigação de responder a estas queixas.”
E têm respondido?
“Respondem. No ano passado fizemos cerca de duzentas e cinquenta queixas. Elas são recebidas e são tratadas. Das duzentas e cinquenta queixas há outras que vão diretamente dos presos e dos familiares para essas autoridades, sendo estas obrigadas – faz parte do estatuto que têm – a abrir processos de averiguações que serão, mais ou menos, profundos, conforme eles entenderem.
O problema dessas inspeções é de dupla ordem: uma tem a ver com o facto de nos parecer que há, em termos estruturais, uma falta de respeito pela legalidade. Isto quando deveriam ser tratados enquanto tal, e não apenas por meros episódios que ocorrem aqui e acolá. Ou seja, há situações de queixa relativamente a certos casos que podem repetir-se, quando seria desejável que um dos casos, ou dois dos casos, fosse suficiente para que aqueles acontecimentos pudessem, de alguma maneira, deixar de ocorrer.
Mas isso não acontece?
“Trabalhamos aqui há quinze anos e são muitas as vezes que as mesmas situações voltam a ocorrer. No nosso ponto de vista, porque estas entidades entendem ser essa uma questão relacionada com o âmbito político e imaginam que são outras instituições, como os tribunais ou Governo, que têm a obrigação de tratar esses problemas. Nós pedimos sempre mais alguma atenção e empenhamento, mas, pelos vistos, isso não tem sido possível. Enfim, tudo tem a ver mais com a nossa posição propriamente dita, do que por uma avaliação que se esteja a fazer sobre o trabalho dessas entidades. Estou apenas a colocar-me numa outra posição que não a delas. Em alguns casos, também se nota algum desconforto por parte dos profissionais que representam essas entidades, isto por se sentirem incomodados com as queixas que fazemos.
Estou a lembrar-me de uma resposta de um senhor Procurador que dizia que estávamos a fazer perder tempo à Procuradoria, porque recanalizávamos casos em que nada havia de substantivo a tratar. Por outro lado, há um diferente tipo de entendimento: perante a impossibilidade dessas instituições resolveram os problemas estruturais de desrespeito pela Lei, o simples facto de telefonarem a perguntar o que se passa com este ou aquele caso, os resultados práticos positivos o que afasta, ou pode afastar, os agressores das vítimas durante um certo período.”
“O NÚMERO DE MORTES NAS PRISÕES PORTUGUESAS É DOS MAIS ALTOS DA EUROPA”
Mas, as coisas são mesmo graves! Sabe-se, por exemplo, que o número de reclusos aumentou no último ano. Estamos com 13.500 pessoas nas prisões portuguesas…
“…chama-se a isso sobrelotação”.
E eles queixam-se, principalmente quando saem, de violações; falta de tratamento médico; pouca higiene nas cozinhas e etc e tal. Só que os responsáveis, além de não desmentirem estas acusações, parece que nada ou pouco fazem para resolver estes graves problemas.
“Em termos internacionais isto tem enquadramentos específicos. Por exemplo: cada país que entra na União Europeia (EU), tem uma declaração de princípios políticos de respeito pelos Direitos Humanos, a qual tem a ver também com o respeito de recomendações sobre o tratamento penitenciário que, efetivamente, estão longe de ser respeitadas, não só em Portugal como em todos os países.
Portanto, uma mão lava a outra. Olhamos para o parceiro aqui do lado e dizemos “bom, nós estamos melhor do que eles”. Estou a lembrar-me, por exemplo, do facto de poder argumentar-se que Portugal está melhor que a França em número de suicídios, mas quando se fala do número de mortos nas prisões em Portugal, que é dos mais altos da Europa, tendo atingido picos extraordinários – em 1997, por exemplo, altura em que se ultrapassou todas as barreiras conhecida s – os Estados encostam-se uns aos outros dizendo que uns não estão bons num aspeto, mas estão melhor que os outros. No fundo, há uma tendência geral de desrespeito pela legalidade, e de desrespeito também pelas recomendações de melhores práticas no sentido dos direitos humanos.”
Ocultam-se factos?
“Isso é corrente! Ouvindo-se as declarações da Direção Geral dos Serviços Prisionais ao longo dos tempos, é muitíssimo claro que a ocultação e a invenção de factos é uma prática corrente, banalizada, tolerada e, não sei, se recomendada politicamente. Isto é algo que incomoda quem pretenda que o Estado respeite a Lei. Ficamos, naturalmente, assustados com o facto de que a níveis altos da hierarquia estatal isto ainda seja possível.”
“O QUE ACONTECE NAS CADEIAS É TÃO BANAL QUE PASSOU DE SER UM PROBLEMA PARA PASSAR A SER UMA NOTÍCIA NORMAL”
E morrem pessoas nas prisões na sequência de processos de tortura?
“Morrem sempre pessoas nas prisões em Portugal. A explicação para essas mortes, que eu saiba, nem sequer é procurada pelas entidades oficiais, embora a ACED tenha chamado à atenção para esse fenómeno. Pedimos explicações mas nenhuma foi procurada e tão pouco encontrada.”
A Amnistia Internacional tem estado a par de tudo isto?
“Está, pelo menos, a par das nossas queixas. Todos os casos que nos chegam enviamo-los para a Amnistia Internacional em Portugal. Eles têm um tipo de trabalho diferente do nosso. O que eles fazem é verificar os casos mais graves, fazendo investigações, e depois elaboram um relatório anual que tem vindo sempre a chamar à atenção para a grave situação que se vive nas prisões portuguesas. Visto que isso já não é novidade, torna o problema banal, é como que deixar de ser um problema e passar a ser uma notícia normal. No fundo, já não importa se a Lei é violada pelos serviços prisionais, ou que não haja uma preocupação política no sentido de inverter essa situação…”
Há um tipo específico de recluso que seja o principal alvo das agressões? Será o pedófilo, o toxicodependente, o negro ou o cigano?
“Não tenho muitas informações para lhe revelar. A determinada altura, isto por volta do ano 2001, começou a ouvir-se que havia um problema nas prisões com as máfias de Leste. As autoridades queixavam-se, então, que havia homens, treinados na guerra e na luta, que estavam presos e que intimidavam os guardas prisionais. Ora, aí está um tipo de discriminação que, a partir de uma dada altura, deve ter existido, mas não me parece que tenha tido continuidade. Pouco depois, começamos também ouvir a falar em gangues negros dentro das cadeias.
É difícil definir o que é realidade e o que é invenção nestas situações. Sabemos, isso sim, que há afinidades culturais dentro das prisões, e as pessoas organizam-se em grupos de autodefesa e de ataque. Entre os reclusos tal significa algum tipo de segregação, mas isso não tem sido um problema específico ou especial dentro das cadeias.
Também há, por exemplo, bastantes ciganos presos que, por questões culturais, também se associam com muita facilidade, pelo menos no exterior, e não consta que alguma vez isso tenha sido um problema.”
“HÁ PRESSÕES SOBRE PESSOAS QUE TÊM ALGUM TIPO DE FRAGILIDADE EMOCIONAL”
Já quanto aos pedófilos…
“Já quanto aos abusadores homossexuais, há uma diferença importante. Por um lado, a discriminação para com os homossexuais existirá de certeza, como aliás, acontece no exterior, mas também não consta que esse seja um problema. Estou a lembrar-me de um caso, há uns anos, do suicídio de um jovem homossexual, que se pensou ter sido por via da discriminação que ele teria sofrido. O que terá acontecido, de acordo com informações, é que esse homem ter-se-á recusado a servir de testemunha em Tribunal sobre o uso de drogas na cadeia, isto ao contrário do que queria a chefia de guardas, ou de alguém que o estaria a pressionar. E foi em função dessa pressão que ele avisou que se iria matar e matou-se.”
Mas houve, segundo o relato, uma pressão notória sobre o homem…
“Esta pressão junto de pessoas que têm algum tipo de fragilidade emocional, de relacionamento com os familiares, ou que tenha algum problema com a disciplina – entenda-se por obediência cega às ordens – leva a que possam ocorrer reações contra si próprio, como poderá ter sido este caso.”
“O CÓDIGO MORAL DOS PRESOS PUNE DIRETAMENTE OS ACUSADOS DE ABUSO SEXUAL”
Quanto aos abusadores sexuais…
“Tradicionalmente – não só em Portugal, mas em todas as prisões do mundo, pelo menos do ocidental -, existe um código moral dos presos que os leva a punir diretamente os acusados de abuso sexual.”
Essa punição passa por agressões?
“Sim. Passa por agressões de diverso tipo. Os serviços prisionais têm mais que obrigação de proteger essas pessoas a todo o tipo de punições… e fazem-no regularmente. Mas, também tenho tido notícias de casos onde, por “descuido” ou por “distração”, os tais serviços tenham deixado esses indivíduos isolados para receberem os seus castigos.
A partir do momento em que começaram a aparecer muitas condenações deste âmbito, os serviços prisionais tiveram que organizar, centralmente, a segregação de pessoas. Essa segurança tem sido garantida e não tem havido problemas que eu conheça.
Mas, é natural que essas pessoas não se sintam à vontade para fazer queixas. Imagina alguém a dizer que é abusador sexual e que está a ser vítima de perseguição… pedindo ajuda?!”
“QUEM SAI DA PRISÃO FICA NORMALMENTE EM SITUAÇÃO DE GRANDE DEBILIDADE”
Tem sido difícil o trabalho da ACED, na qual se encontra há, praticamente, 16 anos?
“É difícil porque vivemos numa sociedade em que toda ação cívica não é bem vista, tanto pelo Estado como pela sociedade em geral. Depois geram-se muitas mistificações a propósito da atividade cívica. Imagina-se que as pessoas querem protagonismo, poder, e estão a fazer, de forma interesseira, um determinado tipo de atuações. Por outro lado, não se compreende porque é que as pessoas defendem que o Direito deve ser respeitado?! Estranha-se, assim, que a Lei (Direito) seja uma referência da moral pessoal… de alguém!
A nossa associação foi criada por presos que, a determinada altura, entenderam que podiam e deviam usar o seu tempo e os seus conhecimentos para divulgarem a vida que se passava nas prisões. E isto porque entendiam, e bem, que aquilo que se passava nas cadeias não era inteiramente do conhecimento das pessoas que vivem em liberdade. E pensavam, como eu pensei na altura, que ao dar a conhecer esses factos alguma coisa poderia mudar.
De facto, o que acontece é que quem sai da prisão, independentemente da atividade cívica que tenha tido intramuros, está numa situação de grande debilidade social e pessoal, porque não tem acesso a recursos para a sua sobrevivência, e fica ainda sujeito a todo o tipo de exploração…”
…a família também desaparece um pouco…
“A família desaparece bastante! Mas, além disso, não é só a família. Imagine que tem uma família ótima e não tem recursos?! Estamos a falar de homens, normalmente, com alguma idade – trinta, quarenta anos ou mais – que saem em liberdade. Em princípio, seriam, tradicionalmente, o sustento da família, como o foram antes de entrar na cadeia, mas, sem recursos o que poderão eles fazer? Frequentemente, quando encontram as famílias, encontram-nas derrotadas, com filhos em situação de pobreza…”
“O ESTADO SOCIAL NÃO EXISTE!”
O Estado social não atua nestes casos?!
“Não! Não funciona! O Estado Social neste aspeto não existe, o apoio é praticamente inexistente, não vale a pena estarmos a inventar…
…há o estigma?
“Há o estigma, exatamente! Vir alguém dizer que fez parte da ACED, que “acabei a minha pena” e que “agora é que tenho condições para cumprir o meu trabalho e inserir-me na sociedade”, é uma coisa que não tem aceitação social; não tem aceitação nos empregos, e o que acontece é que aquele grupo de gente que criou a ACED, e que saiu da prisão, desapareceu para poder refazer a sua vida. Assim, a ACED esvaziou-se de recursos de ativismo social. Fazíamos um jornal, o jornal acabou e agora estamos na internet…”
…que é mais abrangente.
“Mas que não atinge os grupos sociais sem acesso à internet.
O acesso à “net” é complicado para os prisioneiros?
“Sim. É muito complicado. Poderá haver um ou outro preso que tenha acesso à internet, nomeadamente, aqueles que são destacados para as bibliotecas e isso só quando o diretor entende, mas isso é muito raro.”.
“A COMUNICAÇÃO TEM DE SER LIVRE POR RAZÕES BÁSICAS DE MORAL”
Sendo professor universitário, por que razão abraçou esta causa?
“Abracei esta causa, porque não tive coragem para dizer que não a alguém que me pedia uma coisa tão simples como ajudar a comunicar para o exterior aquilo que tivesse para comunicar. Lembro-me, ainda antes do 25 de abril -embora não tenha sido um grande ativista-, que a comunicação tem de ser livre por razões básicas de moral. Não me parece que pudesse proceder de outra maneira.
Em determinado momento, a ACDE decidiu cancelar as suas atividades, precisamente quando precisava de apoio, principalmente, após ter sido atacada direta e publicamente pelo Governo. Isto foi em 2001, altura em que houve uma grande luta dentro das prisões com várias greves de fome organizadas em vários pontos do país. O Governo entendeu, então, que éramos nós que estávamos a organizar esse protesto e resolveu retaliar pessoalmente…
Quais foram as consequências?
“As consequências não param! Começaram e ainda não pararam! Mas isso é pouco importante. As pessoas habituam-se a viver nas circunstâncias que têm para viver. No meu caso, não tem tido muita importância. Antes pelo contrário: abriu-me os olhos para realidades que desconhecia.
Isso está registado em livro?
“Estou para publicar um livro há um ano e meio, vou ver se, em breve, consigo fazer um sobre os segredos das prisões em Portugal.”
“A ABERTURA DE ALAS DE SEGURANÇA ERA ILEGAL, MAS FOI POLITICAMENTE ACEITE E INSTRUÍDA PARA CASTIGOS”
Que tipo de tortura é feita nas cadeias portuguesas?
“A tortura é um caso complicado porque, do ponto de vista legal, não tem uma configuração muito clara, e há muitas interpretações do que seja a tortura. Depois, do ponto de vista dos julgamentos, a coisa torna-se pior porque há grandes obstáculos para que esses casos cheguem aos tribunais.
A tortura, de que posso falar, refere-se a meios coercivos, abusivos e extralegais que o sistema prisional pode usar… e usam-no sistematicamente! Estou a lembrar-me, por exemplo, quando, a partir de 2001, o regime de segurança foi usado de forma ilegal. Era previsto um regime de segurança, mas para casos excecionais e por um período muito limitado, passando o mesmo por imposições políticas para fazer castigos extrajudiciais regulares e arbitrários. A abertura de alas de segurança erailegal, mas foi politicamente e instruída para castigos.”
Essas “alas” foram, e ainda são, “oficiais”?
“Sim. Foi o Governo que mandou fazer alas de segurança em 2001. A partir de 1994 começou a haver uma contestação muito forte nas prisões, devido às amnistias para as FP25. Havia quem achasse que também tinha direito a tais mordomias. Depois a coisa foi andando de várias maneiras e aos trambolhões.
Regressando a 2001, recorde-se que houve um grande movimento de contestação nas prisões, o qual foi acompanhado pelo Bastonário que fez inquéritos na prisão de Lisboa e descobriu que havia um terço dos presos preventivos que nem conheciam advogado. Foi aí que as prisões começaram a entrar no discurso político ainda que de uma forma hipócrita e eleitoralista. Como de costume!
Houve, então, um rutura de tal maneira, que o diretor-geral foi demitido, ainda que o mesmo dissesse que o tinha feito por razões pessoais, sendo que ele estava acusado num processo por ter desviado verbas ou coisa assim do género. Uma complicação política qualquer!…”
“O SENHOR ANTÓNIO COSTA, ENTÃO MINISTRO DA JUSTIÇA, DISSE NA TELEVISÃO QUE EU IA SER PRESO E QUE A POLÍCIA JUDICIÁRIA ANDAVA ATRÁS DE MIM”
“Uma complicação política qualquer”, disse?!
“Sim. Nessa altura – porque, raramente, os políticos intervêm no sistema prisional, ou seja, deixam a coisa correr fora do seu controle, lavando as mãos como Pilatos – foi impossível passar por cima disso e, ao apanharem um susto por razões diversas, acabaram por chegar à conclusão que seríamos nós (ACED) que estaríamos a fomentar a “rebelião” nas prisões.
Eles tropeçam nas próprias mentiras. Quando as coisas rebentam, e não têm qualquer explicação lógica, inventam fantasmas. Foi o caso”.
E depois de rebentar a coisa?
“E depois, decidiram, ao nível do Ministério da Justiça – o ministro era o António Costa – acrescentar aos regimes prisionais, um regime prisional mais duro para – pensavam eles – controlar a situação nas prisões.
Foram, então, buscar umas ideias aos americanos daquelas visitas com vidro ao meio que instalaram, por exemplo, em Vale de Judeus. Depois, inventaram ainda umas histórias de perseguição aos traficantes dentro das prisões “.
O ministro da Justiça era, na altura, o atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa… confirma?
“Sim. Foi ele que na televisão disse que eu ia ser preso; que a Polícia Judiciária andava atrás de mim, reafirmando-o também no Parlamento frente aos deputados. Os deputados acharam normal uma barbaridade dessas.
Foi uma coisa, verdadeiramente, surrealista. Foi uma daquelas lições que dão para perceber o estado de coisas em que a gente está!
Precisamente, nessa altura, a política punitiva tinha entraves legais, mas eles ultrapassaram tudo e mais alguma coisa! Nada os parou! Nem as nossas contestações. Tudo foi completamente ignorado!
A Lei, entretanto, foi mudada em 2007. Não sei até que ponto as alas de segurança ficaram legitimadas?! Se são legais ou ilegais, a verdade é que elas estão lá, praticam-se!”
“AS PRISÕES AO FUNCIONAREM MAL, FUNCIONAM BEM! AS PRISÕES SÃO MESMO PARA FUNCIONAREM MAL”
Mas há, ou não, quem vá denunciado este estado de coisas? Quem chegue ao cerne da questão, ou das questões?
“Tem de ver qual é o cerne da questão…”
O cerne da questão é todo este processo que está a dar a conhecer e que ninguém sabe qual é?! È uma alegada rede que se instalou, ou que agora está instalada, e que não dá a conhecer a realidade do que acontece nas prisões portuguesas. Será?
“A minha ideia pessoal é que as prisões ao funcionarem mal, funcionam bem! Quer dizer, as prisões são mesmo para funcionar em mal! É para funcionarem à margem da Lei!
Não sei se recorda de um episódio ocorrido com o ministro Fernando Gomes, ex-presidente da Câmara Municipal do Porto, então com a pasta da Administração Interna, que foi “apanhado” com o caso de um assalto a um carro, não sei aonde, e como ele não foi suficientemente expedito para resolver o caso, embrulhou-se em explicações sem nexo que acabou por se demitir por causa dos ataques da oposição.”
“A POLÍCIA TEM SEMPRE RAZÃO PORQUE É A GUARDA PRETORIANA DO PODER”
“Os ministros da Administração Interna ficam muito vulneráveis a ataques da oposição quando são obrigados a tratar de crimes tratados na praça pública. Um exemplo é também o do atual ministro da Administração Interna a propósito do ataque que a Polícia fez, em dia de Greve Geral, às pessoas que se manifestavam em frente da Assembleia da República.
Ele veio de imediato dizer que fizeram todos muito bem, e no dia a seguir todos concordaram com o ministro, mesmo sem se saber se foi ele, ou não, quem mandou a polícia atuar.
A verdade, é que as forças da ordem – às vezes da “desordem” – têm sempre razão! E têm sempre razão porque são a guarda pretoriana do Poder…”
Independentemente, de nessa altura, se ter alegado a presença de polícias à paisana infiltrados na referida manifestação por forma a atiçarem os contestatários…
“Falou-se nisso, mas onde eu quero chegar é que existe uma fragilidade muito grande do poder em certas circunstâncias, nomeadamente, a propósito de abusos de poder e injustiças, e essa fragilidade significa que, de um momento para o outro, aqueles que parecem muito poderosos, podem cair do pedestal com uma facilidade muito grande.
Isto não começou agora! Começou desde que há gente que é importante e que manda! Criou-se, então, um mecanismo nas sociedades modernas que permite dispersar a atenção dos populares para quem é responsável pelos problemas de insegurança.
Repare que, quando se fala de “Segurança” estamos a falar sempre no ir bater no desgraçadinho que aparece na esquina. Mas, a insegurança que está criada em Portugal, desde há muitos anos, é o problema dos políticos serem indivíduos sujeitos a uma corrupção tremenda.
Quer eles queiram quer não, a realidade dos factos está aí a prova-lo! Não sendo eles capazes de dar conta da sua própria responsabilidade perante a sociedade, têm de arranjar formas de dispersar essa responsabilidade que os levaria a demitir-se, nomeadamente, de mudar de ramo. Mas, quem falha só se vai embora quando é um subordinado! Quando é mandante pode falhar por todos os lados e só muda de lugar, e, às vezes nem isso, porque ficam, tranquilamente no mesmo lugar.”
“ A GUERRA CONTRA A DROGA É UM BOM PRETEXTO PARA LEVAR A POPULAÇÃO A APOIAR O PODER”
“Eles precisam sempre de arranjar um mecanismo político que permita que esta situação se possa manter, e a maneira mais prática de o fazer – temos visto nos últimos anos – é arranjar um bode expiatório qualquer, como o foi na política contra a droga.
Isso foi uma coisa inventada nos anos sessenta, a partir da experiência americana da “lei seca”. Essa lei acabou com a denúncia de uma corrupção generalizada, que Chicago ficou famosa, sendo que na rede estava inserida a polícia e políticos. Isso foi transplantado – falo do modelo “polícia proibicionista”, que é o de atacar uma prática comercial para a tornar ilegal, com o objetivo de se criar um mercado negro.
Temos hoje um mundo que está sujeito a este esquema da guerra contra a droga. Isso é um bom pretexto para levar a população ao apoio do seu poder. Em vez de declararem guerra a um exterior qualquer – que una a população em torno dos seus militares-. Não! Declara-se guerra à droga e aos imigrantes, para que as pessoas se unam em torno dos valores morais contra os traficantes e contra os drogados e contra os imigrantes, de forma a capitalizarem uma política que falha pelos meios normais.
É essa a ideia com que fico da função das prisões, porque não se justifica que Portugal, que é dos países que tem menos criminalidade no contexto europeu, tenha tanta gente nas prisões!”
“O QUE A PRISÃO TRATA NÃO É DE PESSOAS QUE COMETERAM UM DELITO, É DE PESSOAS QUE NUNCA ESTIVERAM INTEGRADAS E QUE SÃO USADAS PARA MEROS EFEITOS POLÍTICOS”
Mais de 13.500, como atrás se relevou.
“A gente vai ver a população prisional e o que ela é? São bagatelas criminais, bagatelas jurídicas, das quais as pessoas são presas, às vezes presas preventivamente, outras vezes condenadas de uma forma que não se percebe bem.
Mas, chegando ao resultado final, de serem pessoas pobres e isoladas as que estão na cadeia, ao nível de se poder dizer, em termos de números mais ou menos estimados e mais ou menos reais daquilo que se passa: 50 por cento das pessoas que estão nas cadeias, são filhos de pessoas que já lá estiveram; 60 por cento das pessoas que lá se encontram já estiveram mais do que uma vez na cadeia, e 80 por cento das pessoas que estão na cadeia, quando eram jovens ou crianças abandonados pela família e estiveram em instituições de acolhimento.
Portanto, isto dá uma ideia de que o que a prisão trata não é de pessoas que cometeram um delito, é de pessoas que nunca estiveram integradas e que são usadas para meros efeitos políticos.
E isto porquê? Porque, embora a Lei diga que as prisões servem para integrar os criminosos, de facto, a única coisa que por lá existe é o sistema punitivo, muita das vezes fora da Lei. Embora a Lei pouco se preocupe com o que lá se passa!
A Legislação fez, ultimamente, alguns avanços nesse sentido, mas, na prática, isso não tem sido eficaz! E, além disso, são sempre os mesmos que por lá se encontram. Há como que uma porta giratória, em que vão saindo e entrando sempre os mesmos… é um mecanismo caríssimo que serve para alimentar uma história sobre os crimes e sobre a miséria dos povos, porque parece que é isso que afeta o destino dos portugueses, quando não é essa a realidade”.
“A PRISÃO ALTERNATIVA ACONTECE, EM PORTUGAL, DE FORMA MUITO TÉNUE”
Hoje, já há a prisão domiciliária, há as tais pulseiras, e outras coisas do género, mas, pelos vistos não há o exigível apoio para a reinserção social dos prisioneiros, tanto nas prisões como quando delas saem? E as prisões continuam sobrelotadas!
“Há já algumas pessoas em regime de condenação alternativa à prisão. Isso acontece de uma maneira muito ténue comparada com outros países. Essas alternativas à prisão, em Portugal, não foram capazes de cumprir a sua principal missão, que seria a de evitar a sobrelotação, ou seja: reduzir o número de presos, ou substituir as penas de prisão por outro tipo de penas para que houvesse menos prisioneiros. De facto, o que se tem verificado em Portugal, como de resto em outros países, é que há o aumento de pessoas condenadas. Em todo o caso, o Conselho da Europa está a tratar dessa questão. E uma das maneiras que preveem para que o número de prisioneiros venha a baixar é a ideia de passar a haver não só penas de prisão – essas para casos excecionais – mas que sejam aplicadas, em alternativa, penas à prisão para que as pessoas compreendam que alguém possa ser condenado a uma pulseira eletrónica ou a uma retenção em casa, ou ir só dormir à cadeia…
Mas isso por cá já acontece…
“Sim, mas o Conselho de Europa quer que isso seja entendido como uma punição e não apenas como uma substituição da pena de prisão, porque – pensam algumas pessoas do Conselho da Europa – do ponto de vista cultural,pode estar a interferir e a obrigar os abusivos das prisões que se está a verificar na Europa, onde se encontram presas cerca de 600 mil pessoas.”
“AS PRISÕES SÃO, EM TERMOS DE DISCRIMINAÇÃO DE GÉNERO, DAS COISAS MAIS RADICAIS QUE A SOCIEDADE CONHECE”
Trocaria o seu doutorado em Sociologia pelo de Direito?
“Não. Eu acho que é mais ou menos a mesma coisa. Os sociólogos têm menos prestígio e muito menos a recursos do que as pessoas de Direito”
Há, no fundo, ima interdisciplinaridade?!
“Chamar-lhe-ia sabedoria! A Sabedoria se for suficientemente cultivada, pode tocar a todos. Agora, não pode toca da mesma maneira: como sociólogo tenho uma sensibilidade diferente da de um jurista, o que é natural! Mas, também há sociólogos que não estão preocupados com as coisas que me preocupam.”
A ACED tem, por certo, contactos com outras instituições, além das que já referimos ao longo desta longa mas muito interessante entrevista.
“Temos contactos com diversas instituições, dos mais variados estilos, no sentido de nos apercebermos das várias realidades. Por exemplo, mulheres abusadas é uma coisa que tem muita a ver com as prisões. A violência doméstica, ainda que não seja a nossa especialidade, é algo que toca muito às cadeias, basta ver o facto de os presos serem muito sensíveis aos abusadores sexuais. Há uma relação qualquer que está latente e que nos remete para uma compreensão de um facto extraordinário que é o das prisões serem, em termos de discriminação de género, das coisas mais radicais que a sociedade conhece. Quem vai preso são, tipicamente, os homens. Cinco por cento de mulheres …”
…e depois há as crianças.
“E as crianças atreladas às mulheres. Mas, também há crianças presas, por si só.”
“SÃO 300 AS CRIANÇAS QUE ESTÃO NUMA SITUAÇÃO DE PRISÃO”
Crianças “presas por si só”?!
“Sim crianças que estão condenadas a estar sob tutela do Estado. Chamam-lhes centros educativos em Portugal. São 300 crianças, se o número estão atualizados, que estão numa situação de prisão… pior que prisão!”
E não têm acompanhamento?
“Têm! Até têm excesso de acompanhamento! Mas, há crianças isoladas! O Álvaro Cunhal tem um livro de obras escolhidas, e numa das partes desse livro fala na sua experiência de prisão. Começa ele por contar a história de torturas físicas que lhe fizeram durante quatro ou cinco dias. Ele relata uma coisa terrível! E depois ele diz: comparado com isto, “o isolamento é muito pior!” A verdade, é que as pessoas não têm essa noção. Agora, imagine o que é isolarem crianças?! Essas crianças cometeram crimes, mas continuam a ser crianças, e isolam-nas para as controlar, ou para se verem livre delas… não percebo muito bem!
Isso é feito e elas não se queixam porque as crianças não têm meios para comunicar.”
Contudo, consegue a ACED obter certas informações através dos familiares, ou não?
“Através de investigações que são feitas. Através de testemunhos que nos chegam, dos quais muitos são anónimos. No sentido de que as pessoas são concretas, simplesmente não querem testemunhar e têm receio que as crianças, na dificuldade que têm de compreender as situações, não sejam suficientemente ágeis para resistir às pressões que sobre elas possam ser feitas.”
Há chantagens?
“Há! Com certeza que há! No caso dos presos adultos, certamente. Estou a lembrar-me de um caso que até tem alguma graça: estava em conversa com um preso que, a dada altura, me dizia estar a ouvir alguém estar a ser espancado na cela XPTO. Escrevi isso no papel e enviei para as autoridades. Passado um dia – coisa raríssima! – recebo a resposta de uma entidade de inspeção a dizer que, por acaso, havia alguém no local e aproveitamos para saber quem lá estava. Então, a pessoa foi ter com o preso em causa, falou com ele e verificou que nada tinha acontecido.”
“…O GUARDA QUE ESPANCOU O PRESO NEGOCIOU COM ELE UMA SAÍDA PRECÁRIA EM TROCA DO SILÊNCIO E ELE… CALOU-SE…”
“Passados uns dias tive a oportunidade de falar com o meu informante e contar-lhe o que me contaram. E ele, então, explicou o que tinha acontecido: o homem perante a pergunta da pessoa que lá estava, o guarda que o espancou negociou com ele uma saída precária em troca do silêncio dele e ele… calou-se!
Isso causou um problema entre a ACED e essa entidade inspetora, porque tentaram saber se eu andaria a pregar partidas à inspeção, quando de facto o que aconteceu é que o tipo de investigações que fazem são tão preconceituosas que, a pessoa que fez a dita inspeção, fez as perguntas, obteve as respostas, e presumiu que era tudo mentira, com uma facilidade extraordinária, em vez de tentar identificar alguma coisa mais. A pessoa nem conseguiu identificar o nome da vítima, devolvendo-me o nome errado.”
Isto é muito estranho!
“Era preciso analisar o problema. As pessoas em vez de fazer como o CSI, que vai sempre à procura da verdade e consegue os seus objetivos (risos)… não! Estes, por cá, são muito crentes na veracidade. São muito ingénuos!”
“A PRISÃO PREVENTIVA NO PORTUGAL DEMOCRÁTICO PODE CHEGAR A TRÊS ANOS E NO PORTUGAL FASCISTA SÓ ERAM POSSÍVEIS SEIS MESES!”
Mas, os factos que relata são muito graves no Portugal democrático!
“Acho que sim. Um Portugal democrático não pode ser pior do que um Portugal fascista em relação às prisões. Lembro-me do Mário Soares chamar à atenção de que nós temos três anos de possibilidade para prisão preventiva, podendo mesmo ir aos quatro, e no tempo do fascismo só eram possíveis seis meses. A prisão preventiva nem sequer é uma punição… é uma coisa terrível que destrói as pessoas.
Num dos livros que escrevi, conto uma história de uma senhora romena que quis montar uma empresa para imigração legal entre a Roménia e Portugal. Esteve seis meses a trabalhar nos documentos com muitas resistências. Ela nem percebia porque é que havia tanta resistência por parte das autoridades portuguesas. Manda um primeiro contingente de clientes para trabalhar em Portugal, mas, ao fim do mês não lhes pagaram os salários.
Ela veio a Portugal para saber o que se passava e ficou presa! Fica um ano e meio presa! Isto à conta de um processo que acabou por a ilibar, mas que lhe destruiu por completo a vida. A ela e ao filho.
Ela tinha um filho na Roménia, que ficou sozinho, depois foi para um asilo. Ela perdeu, entretanto, o negócio porque a desproporção entre valor da moeda em Portugal e na Roménia era uma coisa completamente absurda; entretanto, assaltaram-lhe a sede da empresa de negócios que tinha em Bucareste, e ela viu-se completamente isolada à saída da cadeia.”
Ficou abandonada.
“Pois, ficou abandonada e o Estado não assumiu as suas responsabilidades. O filho ficou perturbado para o resto da vida, uma vez que ele teve de esperar três anos para que a mãe os resgatasse. Isto foi um abandono radical! Ela de empresária passou a mulher-a-dias, e sei que, agora, trabalha algures em Portugal, mas a situação de lhe terem destruído a vida dela e a do filho é intolerável.”
“ELES (DIREÇÃO-GERAL DOS SERVIÇOS PRISIONAIS) ENTENDEM-ME, E ENTEDEM A ACED,COMO UM INIMIGO”
A ACED tem sido ouvida no Ministério de Justiça, ou no da Administração Interna?
“Nós temos, desde que existimos, uma relação muito conflituosa, principalmente com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais, isto depois da tentativa que eles fizeram de encobrimento de tudo o que se passava nas prisões; depois com o controle obsessivo que querem ter sobre tudo quanto seja informação.
Ainda há uns meses atrás, numa intervenção que fiz numa rádio enquanto académico, a resposta deles foi que me iam por um processo-crime, isto em vez de responder às questões que estavam levantadas.
Este tipo de atitude torna difícil qualquer contacto. Eles entendem-me e entendem a ACED como um inimigo! Só não fazem guerra porque não têm autoridade para isso.
Quanto ao Ministério da Justiça, as relações são através da Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça que, há uns anos para cá, começou a receber as nossas queixas e a trata-las da melhor maneira. Houve uma ou duas vezes que fomos recebidos. Nada mais do que isso”.
“OS POLÍTICOS TÊM USADO AS PRISÕES PARA ENCOBRIR OS ERROS DAS POLÍTICAS QUE TÊM ESTADO A SER IMPLEMENTADAS”
E qual é a posição dos partidos políticos no meio desta trapalhada toda?
“Há problemas ideológicos! Os políticos e a Política, entende-se como uma coisa da Economia e das Finanças – até mais das Finanças porque a Economia parece que desapareceu. A Moral e o Direito são coisas que não lhes diz muito respeito. Veja-se a corrupção! Todos os dias a comunicação social denuncia casos de corrupção, cada um mais escandaloso que o outro, e nada acontece!
O que acontece é que existe uma ideologia deste estado de coisas, que pretende, estupidamente, fazer crer que o Direito não é Política. Que os Tribunais não fazem Política! Isso é um crime grave contra a democracia, porque o Estado de Direito, evidentemente, é algo integrante da democracia e quando falha o Estado de Direito – que é o caso atualmente – falha… tudo!
Da mesma maneira que os políticos têrm feito uso das prisões para encobrir os erros das políticas que têm estado a ser implementadas – repare que no tempo do fascismo o número de prisioneiros era mais baixo que agora! – esse tipo de encobrimento, passa também, por impedir o funcionamento da Justiça. Suponho, porém, que ela tenha sido bastante eficaz no ponto de vista da investigação criminal, nomeadamente dos crimes de “colarinho branco”, como também do ponto de vista do controle dos tribunais, das decisões judiciais muito pressionadas politicamente…
“NO CASO DA CASA PIA FALAVA-SE DE TRÊS REDES DE PEDOFILIA. ONDE É QUE ESTÃO AS TRÊS REDES? AGORA, CARLOS CRUZ VAI PARA A PRISÃO. É UMA VITÓRIA? ACHO QUE NÃO!”
Demoram é muito tempo a ser resolvidos…
“Não são resolvidos! Ponto final.
No caso da Casa Pia falava-se de três redes de pedofilia… onde é que estão as três redes? Desde o princípio que ficaram completamente esquecidas. O problema passou a ser o senhor Carlos Cruz, e agora o senhor Carlos Cruz vai para a prisão. É uma vitória? Acho que não! Acho que é uma derrota enorme! Acho que é, mais uma vez, um ato de ilusionismo que tem a ver com os tempos que vivemos. O que quero dizer é que o sistema judicial se deixou enredar numa teia política de anulação a si próprio.”
Resumindo e concluindo, há torturas, violações e humilhações nas prisões portuguesas?
“Sim é um facto! O problema é o uso das palavras. Aqui ao lado, em Espanha, eles têm um problema com o Relator Especial dos Direitos Humanos da ONU, a propósito de uma lei que eles têm, que é a “Lei da Incomunicação” , e que permite à Polícia prender pessoas durante vários dias – mais que uma semana – podendo dizer a Polícia que desconhece o paradeiro das mesmas .
Segundo alguns ativistas espanhóis, mais de metade dessas pessoas são torturadas. A ONU veio, então, chamar à atenção de Espanha para acabar com esse tipo de práticas, o que ainda não foi possível. Estamos a falar de uma recomendação da ONU de 2003 e que continua por tratar de uma forma satisfatória.
Isto para dizer o quê? Para dizer que o discurso da ONU a esse respeito, não fala de tortura sistemática, diz que existe tortura com alguma regularidade.”
HÁ GUARDAS PRISIONAIS PREPARADOS PARA HUMILHAR AS PESSOAS QUE VÃO ÀS VISITAS NAS PRISÕES
Para clarificar isto: não há prisão nenhuma que não haja condições para tortura, de outra maneira, não fazia sentido haver uma Convenção Internacional Contra a Tortura. Todos os Estados reconhecem que têm dificuldades em controlar as suas prisões e reconhecem que a haver uma entidade internacional – a ONU e também o Conselho da Europa – que faz intervenções preventivas de forma a tentar criar condições para evitar a tortura, isto significa que há tortura nas prisões.
A ONU aprovou, entretanto, um protocolo adicional, a dizer que “agora” vamos passar a uma segunda fase. Assim, sendo, Portugal, como outros países, ainda no decorrer deste ano, terá de criar uma entidade nacional de prevenção da tortura com um conjunto de atribuições, que o Estado, a seu tempo, definirá melhor.”
Depois há as humilhações e as violações…
“A pessoa que vai visitar um preso está ser humilhada. Não sendo os guardas muito cuidadosos, aquilo lá dentro é uma situação assustadora… terrível! A verdade, é que, muitas das vezes, os guardas prisionais estão preparados para humilhar certas pessoas. E há queixas de abusos! Como acontece com os prisioneiros, muita das vezes, essas pessoas calam-se, porque têm medo de, ao se queixarem, que os seus amigos, ou parentes que se encontram dentro das cadeias, possam ser pressionados e perseguidos. Isso é o quotidiano!
Agora, o que eu acho também, é que este tratamento desumano, é tomado pelas pessoas e, nomeadamente, pelos políticos, como uma coisa normal! ”
“UM DOS ERROS DO 25 DE ABRIL FOI PASSAR POR CIMA DA QUESTÃO DA JUSTIÇA, COMO SE ELA NÃO FOSSE UM DOS PILARES DO SISTEMA POLÍTICO E SOCIAL”
Como é que se pode acabar com este estado de coisas?
“Passa por duas revoluções. Uma revolução política e uma revolução cultural. A revolução política está mais próxima do que pensamos, visto que esta situação não aguentará por muito tempo. Vá o que vá acontecer, era muito importante, do meu ponto de vista, que a questão das Prisões, da Justiça e do Direito Criminal fossem tratados e não fossem tabus. Aliás, um dos erros graves do 25 de abril foi passar por cima da Justiça, como se ela não fosse discutível; como se ela não fosse um dos pilares importantes do sistema político e do sistema social.
Era preciso fazer uma revolução cultural, para que as pessoas pudessem tratar estes assuntos com a mesma legitimidade com que tratam, por exemplo, os da Economia, ou de uma maneira mais séria, do que tratam da Economia!”
Texto: José Gonçalves
Fotos: Pesquisa Google /
Arquivo cedido pelo entrevistado
Como é que o que o senhor professor relata é possível acontecer neste Portugal dito de democrático. Fiquei estupefacta, porque raros são os órgãos de comunicação que divulgam estas situações.
Assim sendo, parabéns à iniciativa deste jornal (dos poucos que conheço QUE ÉINDENPENDENTE, E a sia, senhor porfessor, por ter aceite a entrevista e ter tido a ciragem de dar a conhecer o que deu a conhecer.
Estou para a minha vida!
Senhor professor, é preciso ter coragem para denunciar o que denunciou. Sei do que fala, e seio-o devido ao que aconteceu com um amigo. Esse amigo já não está entre nós. O senhor tem de dar a conhecer mais o seu trabalho. Ben-haja o “Etc e Tal jornal” por o ter entrevistado e ter dado o “tempo de antena” que lhe deu.
É verdade tudo que esse senhor diz! Eu sei que é, mas não posso dizer mais nada. Parabéns pela entrevista e a coragem não só a quem a concedeu, mas a quem a conduziu.