Lúcio Garcia
Abril foi o mês em que a verdade, como o azeite, começou a vir ao de cimo, e se torna cada vez mais evidente. Pelo menos, para todos que não sofram de fanatismo ideológico.
A austeridade não funciona! Sempre o disse e o tempo tem-me dado razão. O governo e a troika não sabem como vão desatar o nó com que apertaram a economia portuguesa. O estrangulamento foi tal, que até os mais céticos já não acreditam que a receita da austeridade funcione. A troika e o governo português, não têm já ideia nenhuma do caminho a prosseguir e a fuga para a frente está a começar por atrair o PS para o seu enredo, de forma a arranjarem um bode expiatório para a incompetência com que têm gerido o País.
A culpa nunca é deles. Nem dos partidos que formam o governo, nem da gestão que têm imprimido à política em Portugal. A culpa foi do Sócrates. Depois foi da crise internacional, que, para eles, só surgiu depois de Sócrates ter ido embora. No seu tempo diziam eles, o problema era interno, não havia crise, embora ela tenha começado em 2007/2008…vá-se lá entender isto.
Depois foi das PPP. Parece que só existiram com Sócrates. No entanto, ele só é responsável por oito das vinte e tal existentes, desde que Cavaco Silva as introduziu com a Ponte sobre o Tejo.
Num estudo recente encomendado pelo governo à “Ernst&Young”, que custou 210 mil euros, constata-se que não houve nenhum “beneficio-sombra” nos contratos estabelecidos a 36 PPP rodoviárias e ferroviárias e que apenas melhores práticas poderiam ter existido, baseadas em melhores estudos. Mas se assim foi, e se algum problema há com as PPP, será que em dois anos de governo não conseguiram ainda resolver o assunto?
Concordo que deve haver margem de renegociação nas rendas, não só das PPP mas também na Energia. O facto é que, até agora, não se viu um cêntimo de poupança. O que existiu até hoje foi simplesmente um acordo para acabar com obras ou suspendê-las, com consequências para a economia.
Agora a culpa é do Tribunal Constitucional e desses Juízes que fazem cumprir a Constituição, a mãe de todas as nossas Leis. A reação do Governo à decisão do Tribunal foi absolutamente caricata e demonstrativa da falta de espirito democrático.
Pode-se discordar da decisão de um Tribunal, mas o primeiro-ministro não se pode referir á decisão do mesmo nos termos em que o fez. Sucessivamente, o PSD invoca os males da Constituição para justificar a sua incapacidade para governar. No entanto, e em toda a Europa democrática, é o nosso governo que mais longe vai no ataque aos trabalhadores e ao povo em geral.
Não ouso adivinhar o que fariam se pudessem moldá-la à sua vontade. Como exemplo sério do que pensam, temos o porta-voz do PSD-Madeira, Coito Pita, a dizer que a “Constituição é lixo”, e em tom ameaçador dizer que a região deve voltar ao processo de Independência. Não compreendo como é que o Presidente da Republica deixa passar incólumes estas atitudes de ameaça à Constituição, á unidade nacional e à democracia.
O governo e seus apoiantes, continuam a afirmar que a solução para a divida passa pela austeridade. O certo é que os números e a realidade contradizem-na todos os dias. A cada dia que passa a divida aumenta 1.9 milhões de euros. Este governo é já responsável por um aumento da divida de 45 mil milhões de euros. O défice está sempre a derrapar. Gaspar não acerta uma!
O desemprego sobe de forma galopante, os números reais apontam para cerca de 1,5 milhões de desempregados. A recessão instalou-se de forma perigosa e sem indícios de recuperação. A economia, praticamente, não existe. Não há políticas económicas.
Constantemente a direita diz que quem chamou a troika, foi o governo anterior. De facto foi, mas apenas porque era o único que de forma oficial o podia fazer.
Espero que, tirando os fanáticos, já toda a gente tenha percebido que se alguém se bateu contra a vinda da troika foi o PS e nomeadamente o primeiro-ministro do governo cessante. Em recente entrevista à RTP, Francisco Louçã foi interpelado acerca do seu livro “Isto É Um Assalto”. Perguntou-lhe o jornalista se não considerava que um assalto é quando alguém entra em casa à força e nos vem roubar, mas que a troika entrou a pedido do governo?! Louça respondeu que há assaltos em que é o mordomo que lhes abre a porta.
Concordo com Louçã, apenas divirjo num aspeto, é que não foi um só mordomo, foram cinco, o CDS, o PSD, o PC, os Verdes e o Bloco, quando chumbaram o PECIV, está é a realidade histórica.
A Espanha, com um governo de direita, ainda não tem a troika porque nem a quer ver por perto e tem resistido por todas as formas. A diferença é que tem um governo que está ao serviço da Espanha e não um governo que está ao serviço da troika contra os interesse dos portugueses, como o nosso.
Veja-se as declarações que Gaspar fez recentemente na Irlanda que deu aso a que comentadores da televisão irlandesa o dessem mais como um ministro da troika, como lhe chamaram, do que o ministro das finanças de Portugal. Uma vergonha.
Não compreendo como há pessoas que trabalham todos os dias no duro para dar de comer à sua família, que ainda apoiam o PSD e o CDS?! Enfim, apoiam este governo que lhes está a trazer a miséria, não só para eles, mas para o futuro dos seus filhos.
A situação do PS para ajudar o país a sair da crise é sempre muito difícil caso não tenha uma maioria absoluta. Com dois partidos à direita e dois à esquerda que lhe fazem a vida negra, a situação não é fácil. Estes sabem que só podem ganhar votos ao centro e todos o atacam na tentativa de reforçarem uma posição negocial mais forte com o PS.
A esquerda já deveria ter aprendido que isto não funciona e que só beneficiam a direita. Era tempo de pararem para pensar e serem mais funcionais e comedidos num esforço de consenso possível de uma solução à esquerda. Uma solução a favor do País e não no interesse meramente partidário. Se isto não acontecer, o que esperam?
Hoje o momento é crucial no que diz respeito a alianças. O PS não pode ceder às últimas pressões do PSD/CDS, que não têm nada de consensual mas apenas de uma tentativa para minar o terreno ao PS. Uma cedência do PS, nesta altura, seria um suicídio político e até perigoso para a democracia. Não acredito mesmo que isto possa vir a acontecer.
Sócrates voltou, pelo menos ao comentário politico. Tem todo o direito como qualquer outro de manifestar a sua opinião. A propaganda que se ergueu contra ele de imediato, foi no mínimo confrangedora e reveladora do que muitos responsáveis da política pensam que é a democracia.
Sócrates viria para assombrar o PS, pelos vistos está a assombrar a direita com as revelações claras que tem feito. Ainda não ouvi contestação fundamentada ao que tem dito. A que existe é de ódio e fanática sem qualquer fundamentação.
O Sr. Relvas, finalmente foi embora. Não era sem tempo. Ficou-me do seu discurso de despedida uma frase quando disse que trabalhou nos últimos cinco anos para o governo. Como no Governo só esteve dois presumo que os outros três tenham sido passados a preparar a subida de Passos ao poder, pelo poder.
Deve ter trabalhado imenso em todos os boatos e manobras contra o Governo de Sócrates, incluindo a propaganda das PPP conforme foi referido, ultimamente, na comissão de inquérito às mesmas.
Um dos seus substitutos chama-se Miguel Poiares Maduro. Um grande académico mas sem qualquer experiência política. Tem ainda uma particularidade, está nos antípodas do pensamento europeu de Passos, até acredita nos eurobonds. Como se vão conciliar estes personagens vai ser interessante ver.
Morreu Margaret Thatcher, a tal Dama de Ferro, fizeram-lhe um funeral que custou 11, 5 milhões de euros, verdade seja dita contra sua vontade. Mas a direita europeia quis glorificar a Dama que nos trouxe a política que nos arrasta hoje para a miséria. Foi ela a principal responsável pela economia de casino, pela desregulamentação financeira. Foi a única chefe de Estado na Europa que não apoiou as sanções à Africa do Sul contra o apartheid.
Foi a chefe de Estado inglesa que chegou ao poder com 10 por cento de pobres em Inglaterra e que saiu deixando mais de 20%. Durante os seus mandatos, os muito ricos ficaram fabulosamente ricos. Atacou fortemente o sistema de saúde público que era o melhor do mundo, embora não tenha conseguido levar em frente o seu propósito, porque os ingleses não o permitiram.
Os transportes públicos estiveram perto do colapso e no final saíram muito mais caros ao erário público. Levou à miséria milhares de mineiros e trabalhadores em geral. Esta é a política que querem glorificar… muito do que estamos a sofrer hoje é o legado de Thatcher.
Aproxima-se o 25 de Abril no momento em que escrevo, espero que esse dia se transforme numa jornada de luta de todos os portugueses contra esta política, e que se encete o caminho de volta ao espírito de Abril.
Não tenhamos dúvidas de que o caminho é o do desenvolvimento. Se queremos pagar as nossas dívidas só há um caminho: o rigor orçamental e o crescimento. Não há outra via! A que temos seguido só nos leva à destruição, o que está mais do que demonstrado.
Numa caricatura diria, que se este governo tivesse apenas dois ministros competentes, um na economia para gerir bem os milhões do empréstimo concedido a Portugal e outro a fazer cumprir de forma rigorosa os dinheiros do Estado, sem mexer em mais nada, provavelmente, estaríamos, incomensuravelmente, melhor.
Muitos setores da sociedade, e até atores políticos da direita, começam a perceber que este é o caminho errado. Ainda assim, subsistem muitos comentadores e economistas, a dizer que este ainda é o caminho. Vão ver…não vai tardar muito que vão começar, aliás, já começaram, a inverter o discurso. Ele é tão ridículo que não vão querer ficar para trás, o que seria uma desgraça para o seu currículo futuro, mas …fanáticos haverá sempre.
Qualquer dia vamos começar a ouvir, se é que já não começamos, que eles já há muito falavam que teria que ser assim… lata não lhes falta.
Aos portugueses de memória curta deixo-lhes um link para consultarem e daí fazerem seu juízo.
Esperemos que rapidamente se possa inverter esta política para o bem de Portugal.
António José Seguro parece estar melhor no seu discurso e determinação. Não sei se a vinda de Sócrates poderá ter influenciado essa determinação, nem me importa, o que importa é a vontade de criar uma solução que passe pela defesa e interesse de Portugal e dos portugueses.
O caminho passa por aqui, e os partidos à esquerda do PS, têm aqui um importante papel a desempenhar. Não é com promessas impossíveis de realizar, que se constrói o futuro, é urgente contribuir para um projeto exequível e determinado.
Fotos: Pesquisa Google
Caro Sr. Paulo Catarino.
Muito obrigado pelo seu comentário.
O Jornal é mensal e a minha actualidade enfrenta o facto de ter que entregar a minha crónica ao ETCETAL pelo dia 20. Assim concordo que alguma coisa do que digo fique desatualizada face à rápida alteração da politica nos ultimos tempos.
Quanto a desactualização de hà anos, desculpe mas não compreendo onde quer chegar, pois baseio os meus escritos em factos históricos para explicar algumas ideias. Factos são factos… de certa forma são sempre actuais.
Cumprimentos
Lúcio Garcia
Tenho lido atentamente os seus escritos, as suas prosas… ou melhor a suas “narrativas”. Estou de acordo com parte delas, ainda que em certos factos eles percam atualidade, e não falo já na atualidade do jornal (mensal), falo em atualidade de há anos. mesmo assim, gosto da sua prosa.