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Ser eterna aluna da Vida e do Amor

Maria de Lourdes dos Anjos

 

Antigamente, talvez há mais de duzentos anos, quando a minha carreira ainda ia a meio, os alunos não tinham apoios psicológicos nem pré-primária nem pais que os soubessem ensinar a fazer os trabalhos de casa. Quando tinham dificuldades de aprendizagem, havia a palmatória, as proibições de ir ao recreio, as palavras difíceis vinte vezes cada uma e ainda os sermões paternais que ajudavam a missa  docente. Era assim tudo muito indecente naquele tempo de há quase dois séculos atrás

Quando a canalha não ia, nem assim nem de outra maneira, andava na escola até aos 16 anos e depois ia para  a costura, ia servir, para qualquer profissão de segunda classe como aprendiz e, pronto, o futuro era apenas só presente e triste. Neste rosário de “padres nossos” fiquei com muitos amigos que hoje quase são da minha idade e me ensinaram muitos segredos da pesca do sável, da matança da lampreia, do jogo do pião, da forma de ajudar o parto das porcas e das ovelhas e também como se faziam os temperos dos chouriços e a receitas de muitos bolos tradicionais que os mais pobres inventavam de forma maravilhosa.

 

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Uma dessas meninas, que deve ter hoje cerca de 50 anos, saiu da escola com 15  anos bem avantajados, mal escrevia o seu nome mas fazia contas de cabeça quase tão rapidamente como eu.  Para ganhar “alguma coisita” foi vender fruta pelas portas com a mãe, e zangava-se muito sempre que a velha raposa enganava as freguesas com o peso ou a qualidade das laranjas ou das maçãs. Também não percebia porque raio a mãe teimava em vender muito artigo a quem pagava aos soluços, ainda que lhe explicassem que  se iam metendo pelo meio das parcelas umas “croas” que davam para os juros da divida.

Não concordava, zangava-se, dizia uns quantos palavrões, vinha até junto da sua professora pedir conselho e lá continuava a sua cruz até ao calvário acompanhando a velha mãe. Dizia que gostava de ser “senhora sua“, ter um andar pequenino numa rua onde ninguém a conhecesse, longe de todos os pobres como ela e pronto…ser gente. Muitas vezes a contrariei e muitas outras a ajudei a sonhar.

 

Um dia largou a giga da fruta e foi para a feira. Depois arranjou um companheiro e fez um filho; depois ficou só com esse filho para criar. Depois , se calhar proibiram-na de sonhar e depois

Um dia encontrei-a numa esquina duvidosa de uma rua ruinosa da cidade. Fui ter com ela dei-lhe um abraço grande e ouvi, sem nada perguntar, a minha menina dizer que estava ali porque esperava uma cunhada que trabalhava num armazém das redondezas. Fiz de conta que era verdade. Fiz de conta que não percebi. Fiz de conta que acreditei. Dei-lhe outro abraço agora mais forte e não fui capaz de segurar umas lágrimas atrevidas e azedas que se escaparam da cela dos meus olhos.

 

Muitos dias depois, na minha caixa do correio, tinha uma carta cheia de erros, muitos erros, com letra de imprensa (a única que aprendera a fazer e mal feita) dizendo que não perdoava o pecado de me ter feito sofrer e lhe tinha custado muito ver aquelas lágrimas enchendo o rosto da professora que tanto admirava. A vida sempre lhe tinha dificultado a tarefa de aprender a ler, a escrever na escola mas, muito rapidamente, na rua, tinha -lhe ensinado como se acrescentava ao seu nome, a azeda palavra “Puta!”.

Não sei por onde hoje anda, nada mais consegui saber dos seus pesadelos e das suas raivas, mas tenho a certeza que vou levar comigo o rosto da menina que queria ser séria e caminhar por caminhos largos e sem sombras, de mão dada com a alegria, sem cheiros de ervas ruins nem sombras de vampiros.

Se calhar abril continua a ser um tempo de tempestade  e eu também tenho culpa!

 

professor -01mai13

 

SER PROFESSOR

 

Há um ar serenamente cansado
Nos olhos do professor reformado
Há saudade do não vivido
Há tempo, sem tempo, de ser medido
Há um jovial comportamento
Nas histórias recontadas,
Nos risos incontidos,
Nos gestos repetidos,
Nas frases que o tornam imortal.
Tudo faz nascer lágrimas sem sal
O professor é passado e é futuro
É menino e homem no mesmo rosto
É o nascer do dia na hora do sol posto
Ser professor, saber ser professor
É ser eterno aluno da vida e do amor
Muito, muito mais que ganha pão
É ser pai, mãe, juíz, médico e irmão
E depois há um olhar sereno, cansado,
E lágrimas doces escrevendo o passado
E do professor que mil vezes foi azedo e duro
Fala-se com saudade porque deu rosto ao futuro.

in “Poetas de Sempre”

 

 

Em MAIO vamos andar por aí a semear a Poesia

 

Dia 02Junta de Freguesia de Lordelo do Ouro-15h00

Dia 03Junta de freguesia de S. Nicolau – 21h30

Dia 08Clube das Donas de Casa, (Gondomar) -21h30

Dia 10Igreja das Sete Bicas, (Senhora da Hora)- 21h30

Dia 11Estudos Brasileiros-Edifício Pinto Leite, 6.º piso -16h00

Dia 17Flor de Infesta – 21h30

Dia 18Galeria Vieira Portuense-17h00  e Clube Gondomarense -21h30

Dia 24Associação de Pais da Senhora da Hora -21h30

Dia 25Universidade Sénior de Gondomar -21h30

Dia 30Casa da Beira Alta-21h30

 

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2 Comments

  1. Lourdes dos Anjos

    Olá MARIA PAULA.Cá de riba, bem cá do norte, vai uma abraço NOBRE E LEAL como a minha cidade do PORTO.Vai também um agradecimento enorme pelas suas palavras doces.Num tempo em que parece que todos se escondem atrás de máscaras ridículas e frias pareceu-me ser ocasião de mostrar algumas chagas que se foram curando mas nunca cicatrizaram completamente.Dores de parir alguma incompreensão de outras vidas e descuido perante sinais infantis de alguém que quer voar sem ter asas .Há 3 coisas que me fazem feliz:ter nascido mulher, ter conseguido ser e saber ser professora e ser avó.MUITO OBRIGADA PELO MIMO QUE ME DEU, CICATRIZOU UM BOCADINHO DA MINHA FERIDA.

  2. Maria Paula (Évora)

    Ex.ªa Sr.ª

    Revela neste seu artigo uma experiência de vida que, só e ás vezes, os professores têm “acesso”. Hoje, a proximidade professor-aluno está cada vez mais distante, não por culpa do professor, mas por culpa de um desgoverno que coloca mais alunos nas turmas, impedindo, assim, a tal proximidade, muitas das vezes fundamental para sabermos o que se passa com os meninos e as meninas.
    Gostei muito do seu artigo e também do jornal no seu todo. Há poucos jornais assim e pessoas a escrever como a senhora escreve. Serei sua “seguidora – no sentido de acompanhamento das suas prosas, mas também das suas poesias.
    Ao (corajoso) diretor quero dar os parabéns por ter convidado a senhora para fazer parte desta equipa. A todos, mas a si em especial, um muito obrigado por aquilo que me ofereceu.

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