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Recordando Manuel de Oliveira Guerra

Manuel de Oliveira Guerra nasceu em Oliveira de Azeméis, a 24 de Agosto de 1905. O pai, Augusto de Oliveira Guerra, natural da Marinha Grande, um especialista nas artes do vidro, há-de ficar para sempre ligado à história da indústria vidreira em Oliveira de Azeméis. Após haver frequentado a Escola do Conde de Ferreira, e quando, aos 11 anos, se embrenhava já na indústria do vidro, atingiu-o o chamado “mal de Pott“, uma das várias manifestações da tuberculose óssea que o levou ao Sanatório Marítimo do Norte, em Francelos, onde permaneceu durante nove anos. Neste estabelecimento, criado pelo sábio Dr. Ferreira Alves, Oliveira Guerra entregou-se à leitura e ao estudo, aproveitando as lições de uma professora que lhe procurava minorar o sofrimento, completando então, no Liceu de Aveiro, o 1.º ciclo, única habilitação académica oficial. Iniciando-se na escrita, colabora no “Girassol” – boletim do sanatório – e quando, em 5 de Outubro de 1922, o “Correio de Azeméis” sai dos prelos pela mão de Bento Landureza, aparece entre os seus primeiros colaboradores, contando apenas 17 anos.

Dado como curado, em 1925, regressa ao fabrico do vidro, dando à estampa, em 1932, a sua primeira obra – “Padre Nosso” – que originou grande polémica, mas que se esgotou em escassos dias. O pai chama-o ao gabinete e aplica-lhe grave raspanete, o que levou o autor a suspender a publicação de “Avé Maria” e a abandonar a carreira literária. Após um intervalo de quase trinta anos, Manuel Guerra reedita “Padre Nosso“, publica, finalmente, “Avé Maria“, mais tarde “Caminho Longo“, “Algemas” e “Coisas Desta Negra Vida“.

Entrega-se apaixonadamente no estreitamento das relações do Norte com a Galiza, fazendo publicar os “Cadernos de Estudos Galaico – Portugueses“, trabalho interrompido pela morte precoce, em Miragaia (Porto), aos 58 anos de idade, a 4 de Junho de 1964. O referido incidente familiar terá feito com que repouse em Espinho, e não em Oliveira de Azeméis, junto dos seus maiores.

 

DOMINGO

Porto, domingo. Morre de cansada

a tarde ruiva de olhos azulinos,

isto apesar de não ter feito nada

pois que guardou os ócios citadinos.

 

Foi para a Foz, levou a pequenada

para os folguedos próprios dos meninos,

e a certa altura estava tão corada

como quem bebe largos vinhos finos.

 

Agora esvai-se e mancha de vermelho

os vidros altos deste Porto velho

que muito preza as tardes domingueiras.

 

É que amanhã começa uma semana

de luta imensa e inveja e luta insana,

uma infernal semana de canseiras.

 

In “Caminho Longo”
“Olha, mulher, eu já nem sei se sinto
a caridade, que Jesus um dia
pregou por este mundo… (o vinho tinto
que me deste hoje, é muito bom, Maria)”

“O senhor padre chega sorridente
acompanhado pelo sacristão
que traz a cruz de Deus solenemente
e a dá a beijar com muita devoção”…

e enquanto fala, sério, compungido

“E o senhor Padre fica comovido
A libra que há na salva – o seu folar
enquanto lhes falava (dando um jeito)
à cruz de pedraria que em seu jeito
Fulgia com rebrilho nunca visto”

“e; vai muitas vezes, findo o seu serão
forjando absorto, um cândido sermão
vai, sem pensar, pró quarto de Maria”

“Que desde há muito estava amancebado
de casa e pucarinho, cum … coirão.
e àquele que pratica tal pecado
a Santa Igreja nega a absolvição”

Fala na sua poesia das vocações forçadas. Na época a miséria era tanta que os pais induziam os filhos a tornar-se padres.

“ – Senhor Abade: “Peço-lhe a fineza
de me dizer se faço bem mandando
o meu rapaz para padre … A vida pesa
e no futuro dele vou pensando”

“Por compaixão dizei-me o que farei
para salvar! Por compaixão dizei!…
– E quantas missas podes pagar?

Dos operários diz:

Gastaram toda a féria na merenda
– um farnel farto de galinha assada
e vinho do melhor, do da Bairrada
ainda ficaram a dever na venda”

Critica na sua obra atitudes da burguesia e seus criados!

“E um servo de libré lustrosa e fina
pra gáudio do menino e de menina
enxota a pontapé e bofetão
um garotete que “malandro ousara”
para espreitar aquela vida cara
meter o nariz sujo no portão”

“E toda a gente, triste retirou
pensando que quem tanto cá deixou
está no céu, por certo, descansado”

“Quando tu passas de olhos repisados
pelo passeio longo do Rossio
olham-te muito os dândis perfumados
que andam à espera que lhes morra um tio”

“E os indigentes levam, pressurosos
as dádivas dos ricos generosos
que compram deste modo a salvação”

Manuel de Oliveira Guerra

1905 – 1964

 

 

Coordenação: Maria de Lourdes dos Anjos

Fotos: Pesquisa Google

 

01-jan-14

 

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