Maria de Lourdes dos Anjos
Corria o ano de 1968 e lembro-me que a minha avó pediu aos meus pais para a levarem a Fátima. Apesar de não ser nada de religiões nem santidades, resolveu o meu pai combinar um passeio até ao santuário para cumprir o desejo da minha avó. Numa madrugada de maio, lá partimos rumo a Vila Nova de Ourém.
Chegados ao destino, fomos até à capela das Aparições onde a minha avó disse que tinha uma promessa para cumprir mas precisava da minha companhia. Ajoelhou-se, benzeu-se e começaram, simultaneamente, a sua Via Sacra e uma guerra quase santa. O meu pai pedia-lhe, encarecidamente, que não continuasse com tal sacrifício e perguntava que Deus era esse que permitia negócios de escravatura que faziam dos seus “filhos” seres rastejantes. Depois queria saber se não seria também um sacrifício aceitável, tentar ser melhor no futuro ou ajudar, de qualquer forma, alguém que de nós precisasse.
A tudo a minha avó dizia que não podia ser assim ;nada podia ser alterado porque promessa era promessa e como Nossa Senhora lhe tinha feito a vontade tinha mesmo que dar três voltas de joelhos á capelinha das Aparições, entregar uma vela da minha altura e dar um litro de azeite para a santinha.
Aí foi realmente o fim dos argumentos e das negociatas. O meu pai procurou um sacerdote, explicou-lhe o seu ponto de vista e acrescentou que a sogra tinha quase 85 anos e não acreditava que houvesse santo ou anjo que aceitasse tal martírio ali, num local que diziam sagrado.
Lembro-me que o sacerdote era italiano e pediu que parassem com aqueles pagamentos comerciais que em nada dignificavam a igreja católica ou o ser humano. Conversou durante longos minutos com alguns dos peregrinos, perguntou-lhes qual deles ficaria feliz se os seus filhos rastejassem no chão do seus lares, apenas para lhes pedir uma ajuda, uma cura ou uma melhoria de vida. “Nem uma madrasta, que fará uma Mãe Santíssima, pode permitir tal comportamento”.
Chorando copiosamente, apenas ouvi a minha avó dizer ao padre que a sua menina estava boa, tinha passado de ano e queria cumprir o que prometera antes de morrer. Então, o sacerdote levantou-a, limpou-lhe as lágrimas e disse-lhe que estar ali, pedindo por todos os que sofriam, acarinhada por uma neta tão jovem e tão cheia de sonhos, levada por um familiar que vivia divorciado da religião mas que respeitava aquele lugar mesmo não acreditando em santinhos nem milagres, era já uma grande vitória sua, se calhar uma milagre conseguido.
Minha avó olhou-o nos olhos, perguntou-lhe se achava, então, que o meu pai estava certo e a resposta veio, talvez do céu, através daquele homem tão sábio quanto humilde:
– “Irmã, santidade é olhar os outros com amor e ser tão pequeno como a mais pequena criatura criada pelo Pai. Ser bom não é dizer Ámen no final de cada reza, nem é trazer para a igreja o azeite que faz falta no prato dos nossos pais ou dos nossos filhos. Levanta-te, amiga, abraça este homem, teu familiar que te ama, beija a tua neta para quem pediste saúde e podes ficar certa que a Mãe em quem acreditas ficará muito mais feliz do que vendo-te rastejar para gáudio de gente sem paz, sem amor e sem fé.”
Reparei então que agora era o meu pai que chorava abraçando o padre. A minha avó, agarrada ao meu braço, dizia que se calhar era mesmo como o velho homem de fé dizia e ela estaria enganada e eu, quase nada percebendo de tais contratos sagrados, lá fui “tomar o senhor” com ela e a minha mãe, enquanto, no recinto, muitas freirinhas, parecendo um bando de pinguins, iam recolhendo em cestos forrados a cetim e rendas, as esmolas que os pobres peregrinos davam em troca de um milagresito.
A 23 de junho desse mesmo ano, a minha doce avó partia e lembro-me do meu pai dizer que a lembrasse sempre como uma Santa porque tinha conseguido levá-lo a Fátima e lá tinham conversado com um ser diferente…se calhar, esse velho padre italiano, era… o tal Jesus!
Não sei, ninguém sabe ao certo o dia ou o ano do nascimento de Jesus. Não sei , ninguém sabe para onde vão morar os santos ou os pecadores. Eu, quase posso afirmar que, quando me sento à mesa, em qualquer dia de festa, há lugares que estarão sempre ocupados, por aqueles que continuo a amar, para lá do tempo e da distância a que se encontram.
Feliz Ano Novo para todos
MEMÓRIA
Como quando era menina
Penteia-me, devagarinho, com a tua mão
Para eu adormecer, ensina-me uma oração
Fala-me de gente com feitiço que corria fado
Dos tempos frios e difíceis do teu passado
Dos filhos que carregaste no regaço
Do caminho percorrido passo a passo
Do pão azedo que o diabo amassou
E das lágrimas que o teu rosto enrugado secou
Enquanto falas, espreito para dentro dos teus olhos clarinhos
E, desfaço-te a longa e grossa trança de cabelos branquinhos
Dizes então, só para me experimentar,
Que não queres que te volte a abraçar
Porque cheiras a velhice e a bafio!…
E eu beijo-te muito enquanto tu ris e eu rio
Então, chamas-me baixinho, à tua maneira,
Cachopa mimalha, netinha tripeira.
Ai como sabe bem recordar,
A tua voz, o teu sorriso, o teu olhar.
Tão curto foi o meu tempo de criança,
Tão cedo carreguei a pesada herança
Da saudade que a minha avó me deixou…
O meu tempo d)envelhecer chegou veloz
E, nos lábios dos meus netos, oiço agora a minha própria voz
EM JANEIRO VAMOS ANDAR, POR AÍ, SEMEANDO POESIA
Dia 4 – Casa da Cultura de Paranhos -16h00
Dia 4 – Centro recreativo de Mafamude -22h00
Dia 8 – Centro de dia da Arrábida, Lordelo do Ouro -15h00
Dia 10 – ACAPO-Rua do Bonfim-21h30
Dia 11 – Estudos Brasileiros edifício “Pinto Leite”, 6º andar-16h00
Dia 17 – Flor de Infesta-21h30
Dia 18 – Galeria Vieira Portuense, Largo dos Loios (Porto) -17h00
Dia 18 – Igreja da Senhora da Hora-22h00
Dia 25 – Universidade Sénior de Gondomar – 21h30
Dia 31 – Associação de Pais da Senhora da Hora – 21h30
01-jan-14
Fátima é grande. Grandiosa pelo espírito transmitido pelos milhares e milhares que lá vão. Esses milhares e milhares têm de ser respeitados pela sua Fé.