Maria de Lourdes dos Anjos
“Até dois mil chegarás, de dois mil não passarás”, dizia um velho ditado popular. E chegámos a 2000 e passámos mas, será que ainda estamos vivos? Se ainda respiramos então se calhar, estamos vivos… ou vegetamos apenas?!
Pensando bem se calhar apenas vegetamos. Por maldição ou por magia, se calhar fomos transformados assim numas coisas sem alma, sem valores, sem sentimentos, sem rebeldia para dar um grito, sem capacidade de sair deste túnel escuro e mal cheiroso onde nos foram enfiando e onde, brutalmente, continuamos olhando o poder que se passeia, pavoneia, pula e avança!
Em redor da multidão, precocemente envelhecida, apenas cresce a loucura e a violência enquanto o poder podre continua a sua caminhada, rindo, zurrando, enriquecendo e divertindo-se. Os mais afoitos partem para novas e velhas paragens onde ainda mora o sonho de ser gente. Os acorrentados à bola de ferro da idade dos cinquenta, aos muros da sua rua e aos laços dos sorrisos familiares, vão murchando como flor barbaramente decepada e vão vendo a malga da sopa cada vez mais vazia.
Os que trabalharam uma vida inteira e construíram as suas paredes olham hoje para o telhado que os protege e reparam que a ruína se aproxima já no próximo mês e virão depois as chuvas e os ventos e o abrigo ficará escancarado para dar lugar à miséria absoluta.
Os que acreditaram que havia um país chamado Portugal, caminham embrulhados em pastilhas que enganam a sua demência, os amarfanham e silenciam.
E ficam as loucuras e as violências crescendo e multiplicando-se tão rapidamente que nem damos conta que realmente ainda respirámos. Uma mãe atira o seu filho e atira-se do 6º andar e são notícia. Um homem esfaqueia a companheira até à morte e escreve-se o seu nome na primeira página do jornal diário.
O bicho homem de falas mansas abusa da criança que mora ali ao lado e continua por aí á procura de um advogado daqueles de cartola e de um senhor doutor de medicina que lhe faça um relatório para atirar às bentas da justiça e, claro, sair sorrindo da cadeia onde dormiu apenas algumas horas
A menina jeitosinha amanda-se para os braços da prostituição de alta roda, satisfaz os gostos do imperador e depois passeia-se bem ornamentada pelas ruas centrais da cidade e a sua amada família cala e consente… é a vida!
O empresário bajula uns quantos instalados no seu partidinho e segue viagem num avião fretado pelo senhor Silva, pelo senhor Passos ou pela menina Paulinha e vão rumo ao oriente… o Estado paga tudo e nem bufa. E como eles fizeram investimentos e como se divertiram, carago!
Há mais uns tantos estabelecimentos que hoje e amanhã e depois de amanhã e para o ano vão ficar fechados a cadeado…paciência, pelo menos há subsídio de desemprego para mais dois ou três sortudos empregados nos quatro ou cinco meses seguintes porque o ordenado há tempos que … já era!
Os estudantes vão fazer praxes para a beira mar e morrem, olha paciência, é da maneira que não aumentam a lista dos desempregados daqui a dois anitos. Mais um cota que se enforcou. Que bom…mais uma reformita que vai deixar de ser paga no mês que vem. Sigam este exemplo, oh velhada!
Os meninos querem “Ipodes” e “Aipedes” e coitadinhos eles merecem por isso toca a fazer mais uma prestação na Worten Sempre que o ti Belmiro é boa pessoa e agradece.
Outro aluno que se mata porque a escola e a família e os amigos e o mundo foram de férias…era o destino dele, coitadinho! E Portugal pula e avança como bola desbotada nas mãos da corrupção e da alta finança…
Já lá vai o ano dois mil. Já chegamos a dois mil e catorze e afinal não se cumpriu o ditado popular. Será que não se cumpriu ou, somos apenas vegetais que ainda respiram já que se perdeu a alma e a voz e o caminho da esperança e até já nem sabemos se o sonho existe?
Amigos, este é o ar irrespirável do túnel onde nos encarceraram e de onde ninguém vai sair mentalmente são. É urgente derrubar as paredes que nos esmagam, é urgente dizer não!
PORTO SILENCIADO
Há gritos silenciosos
Nos olhos parados
Nos lábios cerrados
Nas mãos vazias
Nos braços abertos
Nos passos incertos.
No silêncio,
Há gritos surdos
Há sons absurdos
Há revolta.
E a caminhada continua… silenciosamente
Entre gritos silenciosos
E um silêncio que é grito de gente.
E há uma janela fechada
Sem vaso, sem gato, sem nada
E há ainda outra porta
Onde vive gente morta.
E há um Porto silenciado
Envelhecido, amargurado
E há Gente
Amando o Porto… silenciosamente
In “Nobre Povo”, Maria de Lourdes dos Anjos
EM FEVEREIRO A SEMENTEIRA DA POESIA SERÁ POR AÍ:
Dia 01– Casa da Cultura de Paranhos -16h00
Dia 01– Centro Recreativo de Mafamude -22h00
Dia 04 – Escola Artística “Árvore” – Porto – 14h00
Dia 05 – Centro de Dia da Arrábida (Lordelo do Ouro) -15h00
Dia 08 – Estudos Brasileiros (Praça D. João I/Edifício Pinto Leite, 6.º andar – Porto) -16h00
Dia 14 – ACAPO (Rua do Bonfim) – 21h30
Dia 15 – Galeria Vieira Portuense (Largo dos Lóios) -16h00
Dia 15 – Auditório de Paranhos – 21h30
Dia 18 – Universidade Sénior de Matosinhos-16h00
Dia 21 – Flor de Infesta – 21h30
Dia 25 – Universidade Sénior de Gondomar-21h30
Dia 28 – Associação de Pais da Senhora da Hora– 21h30
01fev14
Excelente “Porto Silenciado”