José Lopes (*) / Tibuna Livre
As violentas investidas do mar que se fizeram sentir em todo o litoral português nos primeiros dias do ano, deixaram também no Furadouro um cenário de destruição ao longo da Marginal desta praia de Ovar, em que as defesas de pedra frontais cederam como baralhos de cartas, provocando autênticas crateras que facilitaram o derrube do murete ao longo da parte Sul. A subida das ondas gigantes que arrastavam pedras, acabaram ainda por embater nas montras das casas comerciais localizadas na Marginal e rapidamente desceram e inundaram as ruas, caves e garagens.
Ainda que a mais recente agitação marítima que se repetiu em vários dias, se tenha ficado a dever à formação de vários sistemas frontais ao largo do Canadá, como informou o Instituto Hidrográfico, que originam ventos fortes e consequentemente a formação de ondas gigantes que ameaçam o litoral, particularmente as zonas mais vulneráveis da orla costeira a exemplo da do concelho de Ovar, que mais uma vez foi bastante fustigada. A verdade é que a repetição destes fenómenos está a tornar-se habitual, chegando a não dar tempo sequer para a reposição das defesas entretanto destruídas ou mesmo para o início de obras e dos milhões de euros em mais pedra, sempre prometidas pelos governantes sob a pressão das consequências da inquietante erosão costeira.
Como curiosamente abordamos na edição de janeiro do Etc eTal Jornal, o Furadouro tinha acabado de beneficiar do reforço de uma muralha de pedra no âmbito de projetos de investimentos na orla costeira realizados em diferentes fases. Mas, pouco dias depois, a violência do mar mostrou mais uma vez a pouca eficiência destas obras para travar o seu avanço.
No entanto, desta vez os efeitos da designada tempestade Hercules não só abalaram a fortaleza de pedra que protege muitos dos erros legalizados pelos autarcas, como fez o mar contornar a barreira de pedra e urbanística, parecendo desenhar uma futura paisagem lagunar. Tal foi o resultado da facilitada entrada das águas do mar nas zonas mais vulneráveis, em que, como aconteceu ao Sul do Furadouro, escancarou literalmente as portas por entre a área dunar entretanto desaparecida, para a água se estender para zonas baixas, criando autênticos lagos próximos das habitações sociais que não deixam de ser uma nova frente de preocupação.
Minimizar prejuízos
Perante um tal cenário de destruição a disponibilidade do Governo pela voz do ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, que visitou algumas das praias mais afetadas, foi assumida com recurso a fundos comunitários, propondo-se investir cerca de 300 milhões de euros para toda a costa portuguesa. Já relativamente às praias de Ovar as obras para minimizarem os prejuízos, são no valor de 3 milhões, ainda que o ministro tenha adiantado que tais intervenções já estavam pensadas e previstas no âmbito do PAVPL – Plano de Ação e valorização e Proteção do Litoral. Não reconhecendo por isso, que tenha sido o temporal que fez o Governo avançar com as medidas mais urgentes que incluem a proteção e estabilização dunar da praia de Cortegaça, assim como a reabilitação de troços das defesas aderentes de Esmoriz, Cortegaça e Furadouro, e ainda, como uma grande preocupação ambiental, o estudo e projeto da defesa na frente do Aterro Sanitário a Sul da Praia de Maceda.
Um cenário inquietante que a acelerada erosão que ali se fez sentir nestes dias em que o mar fustigou com maior intensidade a costa, fez realçar as preocupações ambientais com a antiga lixeira selada desde 1998, que corre o risco de ficar a descoberto, com todas as consequências que daí podem advir na poluição desta região e zona costeira.
Mas a declaração do ministro reforça a ideia de que, a problemática da defesa costeira e das sucessivas obras e investimentos anunciados, ao contrário de uma verdadeira e consistente estratégia de intervenção na orla costeira, o que existe é um amontoado de projetos de reforço e consolidação das defesas costeiras, que se sobrepõem uns aos outros e anúncios de verbas para continuar a enterrar pedra na areia, cujo ponto de situação da aplicação dos milhões, a fúria do mar que cada vez se faz sentir em ciclos mais curtos, acaba por dificultar a consolidação das obras sempre em função de SOS das populações e autarcas.
Mar põe a nu a evolução experimental da construção de esporões
Enquanto os diferentes especialistas vão esgrimindo as suas teses sobre que tipo de solução para reduzir os efeitos destrutivos da erosão costeira, as soluções dos sucessivos governos limitam-se a investir em obras pesadas, mesmo sendo em muitos casos, a causa de maiores e graves problemas na erosão costeira em zonas com núcleos habitacionais como são os casos das praias de Esmoriz, Cortegaça e Furadouro.
Durante as últimas décadas a praia do Furadouro tem sido uma espécie de laboratório para ensaiar estratégias de construção de esporões, umas vezes mais a norte outras mais a sul. O resultado dessas experiencias, que testemunham os milhões investidos em pedra ali enterrada no areal, torna-se visível sempre que as correntes marítimas movimentam as areias, trazendo à superfície muita pedra que ao longo dos anos tem sido despejada com duvidoso planeamento.
Ao mesmo tempo que tardam a ser implementadas soluções que vão para além das repetidas intervenções na defesa da costa, quando é consensual que simultaneamente são necessárias medidas que atrasem a destruição de património das pessoas como as habitações. Há vozes do povo conhecedor das “manhas” do mar, que se atrevem a dar opiniões sobre a sua visão para contrariar a atual paisagem, neste caso do Furadouro. E dizem sem papas na língua, que quando se coloca pedrinha para encher o vão entre as pedras colocadas nas laterais dos esporões e defesas frontais, o resultado, com o constante bater do mar, é o inevitável abatimento que se verificou. Mas as opiniões vão mais longe, quando defendem que o esporão central deveria ser retirado e apenas prolongado o esporão localizado ao Sul com curva para Norte, estranhamente ao contrário do que acontece em Espinho. A esta dúvida respondem que “as correntes nesta zona são diferentes…”.
As soluções dos populares que todos os dias olham o mar, podem não ser comprovadas técnica e cientificamente, mas são pelo menos corajosas ao contrário da falta de coragem política de autarcas e governantes, que vão adiando assumirem soluções diferentes e alternativas ao negócio da pedra que descaraterizou o litoral e no caso da costa vareira, só mesmo o risco de o mar chegar ao Aterro Sanitário em Maceda com consequências para os lençóis freáticos, vem obrigando a pensar em medidas inovadoras como as defesas debaixo do mar tipo recifes artificiais que a Universidade de Aveiro tem estado a investigar.
Arma de arremesso político
A gravidade dos efeitos para as populações, que resultam do reconhecido avanço do nível das águas do mar, não deixam dúvidas, mesmo nos ambientalistas, da necessidade de medidas que atrasem tal realidade.
As catástrofes na orla costeira não podem continuar a servir de arma de arremesso político como vem acontecendo entre os principais partidos do arco da governação.
Sempre que o mar faz estragos, quem ontem foi poder local ou central rapidamente esquece as suas responsabilidades no prolongamento da falta de coragem politica para encarar os problemas da orla costeira de forma verdadeiramente integrada e com abertura a novas soluções. Bem pelo contrário, quem está na oposição ao poder local ou central prossegue a caminhada tradicional, limitando-se a reclamar mais e mais pedra para satisfazer o senso comum sobre o tipo de defesa da costa cada vez mais fragilizada.
Esquecidas vão ficando as conclusões de vários seminários e colóquios com especialistas, ambientalistas e responsáveis políticos, mesmo de âmbito internacional sobre a erosão costeira, que cada vez mais, vem deixando de ser um problema local, mas cada vez mais de âmbito nacional e de tantos outros países no caso da Europa.
Fotos: José Lopes
(*)Correspondente do “Etc e Tal Jornal” em Ovar
01fev14
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Sinceramente não queremos antecipar cenários de destruição no Furadouro. Mas pela 2º vez a edição do Etc e Tal aborda a temática da erosão costeira no concelho de Ovar logo seguida de doloroso ataque da natureza. Desta feita o cenário confirmado neste domingo de manhã é desolador. Ondas gigantes por volta das 4horas da madrugada arrasam literalmenbte muretes da parte frontal da Marginal do Furadouro, entrando mesmo violentamente tanto pelos establecimentos que têm permanecido fechados com tapumes, como pelos que vão resistindo às últimas investidas do mar. Desta vez o café Amadeu não escapou e viu ser arrasado parte do seu equipamento.
Eventualmente só comparavel a um avanço do mar ocorrido há cerca de 50 anos, em que o mar destruiu ao sul casas dos pescadores. Nesta madrugada a ofensiva do mar agitado, que já alguns dias rasgou zona dunar ao norte destruindo passadiços, concentrou-se agora na Av. Central em que se amontoaram pedaços de madeira e mesmo troncos de árvores vindas de Maceda que está igualmente a ser desvastada. O cenário era dantesco no Furadouro aos olhos de centenas de curiosos que aproveitaram e vão continuar à tarde a visitarem esta praia de Ovar para observarem os estragos, os muitos estragos. Já que vários equipamentos públicos foram arrancados e estenderam-se por várias ruas tal foi a força do mar a galgar fácilmente a “fortaleza” de pedra que ainda algum tempo foi reforçada.
A manhã de domingo foi assim de grande agitação, com os bombeiros voluntários de Ovar mobilizados para limparem a Marginal e as ruas. As estruturas urbanisticas da Marginal que resultaram de uma obra de valorização realizada à cerca de 20 anos, tem sido anualmente destruida. E desta vez a destruição representou mais um duro golpe neste projeto ao desintegrar-se como um baralho de cartas. Nem mesmo a tese do autor do projeto, de que o tipo de material era desmontável perante o perigo do mar funcionou, já que as peças ficaram irrecuperáveis porque naturalmente ninguém as ia retirar do lugar préviamente para depois de passar o mau voltar a colocalas.
A verdade é que defensores de que a pedra não resolve, viram mais uma vez confirmada as suas teses. Enquanto os autarcas limitam-se a pedir mais e mais (pedra naturalmente) medidas concretas, que no imediato passam sempre pela pedra. A ironia de tudo isto, é que o mar parecia arrependido de tanto estrago que fez durante a madrugada, e enquanto em terra o cenário era de pesadelo, ele mantinha distante e tão sereno, ainda que as previsões sejam de mais alguma agitação marítima lá para a tarde por volta das 17horas. Certamente que pior não não deverá acontecer. Assim o esperamos, porque não queremos passar por antecipar desgraças, mesmo quando o homem contribuiu muito para tais cenários dantescos na costa portuguesa e concretamente na de Ovar.