O 34º Festival Internacional de Cinema do Porto acontecerá entre 28 de Fevereiro a 09 de Março, no Rivoli Teatro Municipal. O “Etc e Tal Jornal” entrevistou, em exclusivo, Mário Dorminsky, para dar a conhecer aos nossos leitores o que podem esperar, este ano, deste grande evento internacional, o Fantasporto 2014, que acontece a norte do País e que tem projetado a imagem de Portugal além-fronteiras.
Estamos quase e entrar na 34º edição do Fantasporto, e gostaria que nos desse a conhecer a evolução do próprio festival, o que era, e o que é hoje, o Fantasporto?
“Estamos de facto na 34ª edição, mas a primeira foi algo diferente. No fundo o primeiro foi mais um ciclo do que propriamente um festival. A lógica foi um pouco mostrar aquilo que era um género cinematográfico que não era propriamente querido em Portugal, e se calhar no mundo, mas que estava a emergir de uma forma que eu diria que de grande impacto. E porquê? Porque sensivelmente dois anos antes, em 78 e 79, surgem dois filmes que ainda hoje em dia são ícones daquilo se pode dizer do fantástico que é “Encontros Imediatos de 3º grau” do Steven Spielberg e “A Guerra das Estrelas” do George Lucas. E isso, juntamente com outros filmes que estavam, entretanto, a ser produzidos, lembro-me por exemplo do filme “A Mosca”, do David Cronenberg, isto é, realizadores que na altura não eram propriamente muito conhecidos mas que já estavam, no fundo, a desenvolver projetos na área do cinema fantástico com grande qualidade.
Isso levou-nos precisamente a realizar esse ciclo na sequência de outros que já vínhamos fazendo em torno daquilo que era uma revista de cinema que durou uns 15 anos, que foi a “Cinema Novo”. Que era uma revista de cinema, não era uma cooperativa, e que organizou ciclos durante muitos anos. Essa revista foi criada em 1978 e um dos ciclos foi precisamente o Fantasporto, nesse ano, aquilo foi um êxito fantástico”.
Esses ciclos aconteciam no Teatro Carlos Alberto?
“Exatamente. Esse ciclo teve salas esgotadas em todas as sessões e havia três sessões por dia, não era normal, com filmes diferentes. E o que acontecia é que nós que já conhecíamos e fazíamos já alguns circuitos em termos de festivais internacionais e dissemos: vamos começar a “copiar”, pronto. Vimos o que eles fazem e portanto, “copiar” o que era bom! E então realizamos o que de facto é considerado o primeiro Fantasporto, em 1982, e pronto, a partir daí não se parou mais”.
O Fantasporto tem-se adaptado às novas realidades, foi evoluindo em termos de organização e, consequentemente, da própria programação. Pode falar-nos um pouco sobre isso?
“Sim, o primeiro Fantasporto surge em 1982, mas existem três fases. Há uma primeira fase que corresponde precisamente a esse ano de 1982, em que o festival é claramente só vocacionado para cinema do Imaginário e do Fantástico, só. Mas a partir de 83 nós decidimos englobar o Thriller também. Um filme que no fundo é realista, porque passa-se no quotidiano e se calhar o Thriller é mais o cinema do horror do que propriamente o cinema fantástico”.
“Nunca percebi, o que é cinema comercial e não comercial”
Existe ainda alguma tendência a associar o Fantasporto a filmes de terror?
“Sim, sempre houve uma contradição muito grande na lógica das pessoas que muitas vezes olhavam para o festival, e ainda hoje em dia isso acontece, apelidando o Fantasporto de cinema de terror. E portanto quando nos chamavam o festival de cinema do terror, o terror estava na “realidade” e não propriamente no “imaginário”. A terceira fase é relativamente simples, para quem se lembra dos anos 90, e nós lembramo-nos bem, isto é dos anos 80 ao anos 90, nós demos a conhecer alguns personagens míticos do cinema fantástico dessa altura que era o Sr. Myers do halloween ; era o Freddy Krueger , que era aquele senhor que tinha umas garras, era o Hellraiser, que era um senhor que tinha uns alfinetes espetados na cabeça… pronto existia todo um conjunto, às sextas feiras treze … só que isso depois transformou-se em sagas. Isto é, a determinada altura já estávamos a meio da década e já íamos no Freddy Krueger IV, no Halloween V… e neste caso não iam evoluindo, não havia novidade. Quer dizer, o fantástico em si não tinha de facto nada de novo, não trazia nada de novo e estava em franca queda. E nós eramos sobretudo cinéfilos, pessoas que gostávamos de cinema e não propriamente de…”
…a ideia era trazer cinema não comercial?
“Não. Não é questão de ser comercial, aliás isso nunca percebi, o que é cinema comercial e não comercial. Há bom cinema e mau cinema”.
Mas, geralmente, os filmes que vão a festivais não passam nas salas de cinema, não é?
“Sim, mas nessa altura não. Nessa altura essa lógica não era, digamos, muito clara. Hoje é, claramente, claramente. Mas, nessa altura, o que acontece objetivamente é que nós sentimos que havia necessidade, precisamente, de entrar um bocado nessa linha, isto é, fugir um bocado àquilo que no fundo entrava nas salas e fazia algum sucesso para os amantes do cinema fantástico e de terror e criar espaço para esses mesmos realizadores, que era um espaço aberto à descoberta sobretudo de primeiras obras, de novos realizadores e foi isso que de alguma forma deu a grande volta ao festival”.
“Além da parte cultural um festival de cinema tem que ter também uma parte ligada à indústria…”
A semana dos realizadores ainda hoje acontece, e foi sempre assim ou foi só a partir desta ultima fase?
“Não. A semana dos realizadores, curiosamente, vai na vigésima quarta edição, surge 10 anos depois, digamos, do arranque do Fantasporto. O que no fundo leva a que existam dois festivais paralelos. Existe um festival do fantástico que tem as suas retrospetivas e existe um festival generalista que tem também as suas retrospetivas. E nesse aspeto o que acontece também é que chegamos para aí cinco ou seis anos depois e há cinematografias que emergem pelas mais diversas razões, sociológicas, politicas, no mercado internacional, que são cinematografias asiáticas, particularmente, a coreana e a japonesa. E se olharmos para o programa, começamos a olhar para as seleções de cada ano e vemos que um terço a quase cinquenta por cento, quer do cinema fantástico quer da semana dos realizadores, era produzido no oriente. E vimos que não pode ser.
O festival sempre teve uma tendência de apoiar o cinema português, divulgando o mais possível e também o cinema europeu, por isso não estava dentro daquilo que nós de facto pretendíamos. Então, optamos por uma situação que é assim: vamos escolher dois ou três filmes que são mesmo do melhor que há, para manter na secção de cinema fantástico, outros dois ou três para manter na semana dos realizadores e a partir daí fazer uma outra secção, que engloba também esses filmes, que se chama “Orient Express”.
A partir daí a lógica do festival manteve-se, porque há uma coisa que é fundamental, quando se faz um evento que evoluiu até que chegou ao modelo que, de alguma forma, abrange o cinema todo que se faz a nível mundial, só lhe faltava um detalhe, importante do nosso ponto de vista, é que para além da parte cultural um festival de cinema tem que ter também uma parte ligada à indústria. E essa parte ligada à indústria em Portugal, seria quase impensável fazer o que quer que fosse, a esse nível, porque somos um micropaís, não temos hipóteses de fazer mercados de filmes.
Não há interesse da parte dos estrangeiros em virem para Portugal para comprarem filmes, para ver filmes. E isso aí, não é que fosse uma limitação, mas quando se fala dos grandes festivais internacionais essa é uma valência muito importante porque todos os festivais, Cannes, Berlim, Veneza, Toronto, têm os seus mercados. E grandes mercados do filme, no caso de Cannes, por exemplo, provavelmente o mercado do filme é mais importante que o festival. Em Berlim já é o contrário, o festival é mais importante que o mercado do filme”.
“Trinta e quatro anos obrigam a criar bom relacionamento com os produtores internacionais e com os agentes de vendas, isso é muito importante…”
O Fantasporto tem marcado a sua presença em Cannes. Que importância assume essa participação para o nosso país e para a indústria cinematográfica?
“Temos marcado a presença. Sempre, sempre, sempre. Isso é fundamental. É fundamental porquê? Cannes, consegue ser o evento de cinema que mais jornalistas têm em cada edição. Tem mais jornalistas que qualquer olimpíada. Tem mais jornalistas do que qualquer campeonato mundial de futebol. São 5000 jornalistas, no mínimo, que vão ao festival de Cannes. E ao serem 5000 jornalistas o impacto mundial que tem um evento que é divulgado por 5000 jornalistas e que se multiplicam depois através, sobretudo das agências de comunicação, e sobretudo nos últimos anos com os “on line”, quer dizer, a situação chega a um ponto de haver uma macro divulgação em relação ao evento. Por isso a nossa presença lá, em termos físicos, com “stand” no mercado, com uma participação visível também a nível de publicidade naquilo que eles chamam os diários do festival, sempre foi fundamental. E isso criou uma relação muito forte, que já vinha de trás.
Lá está, 34 anos obrigam a isso, criar bom relacionamento com os produtores internacionais e com os agentes de vendas, isso é muito importante. Não houve nunca uma única vez que tivéssemos uma resposta negativa a qualquer convite que fosse feito. E tem outra particularidade, o Fantasporto, que é uma coisa que não acontece em mais nenhum festival, que eu conheça, exceto os grandes festivais: nunca pagamos um cêntimo que fosse por ter um filme cá. Isto é, nunca pagamos um aluguer, que fosse.
Em todos os festivais, pode fazer-se festivais em tudo o que é canto e sítio pagando alugueres, só que esses alugueres vão desde os 500 euros ou 1000 dólares aos 2000 dólares, ou coisa do género.
Nós definimos regras muito simples, convidamos o realizador, um ator ou uma atriz, ou o produtor e o filme, ponto final. E é isso que nos parece que é a nossa forma de atuar. E, mesmo assim, as pessoas aceitam. Aceitam esse racionamento tendo em conta uma logica que passa precisamente por aquilo que eles consideram também uma vertente indústria. Porque o Fantasporto, através da “Cinema Novo”, porque o Fantasporto é uma iniciativa da Cinema Novo, o Fantasporto por si próprio não é nada, não é? Pronto é um evento, e a Cinema Novo montou uma distribuidora, começou também a adquirir filmes e, por isso, tem um relacionamento com os promotores que é também uma valência comercial, o que ajuda, logicamente o Fantasporto”.
Neste momento a Cinema Novo ainda faz a distribuição de filmes?
“Continuamos a comprar filmes, mas neste momento compramos só para canais cabo. Por exemplo a ZON vai agora fazer um ciclo de filmes nossos de apoio ao Fantasporto, no ano passado também fez. Aliás tem feito nos últimos anos e temos tido uma relação mais forte com a ZON do que com as outras empresas”.
Novidades
O Festival divide-se em várias secções. Existem algumas novidades para este ano? As secções e os prémios são os mesmos?
“Este ano, nós decidimos alargar um bocadinho o leque com duas secções novas. Relativamente aos prémios há um projeto que já avançou há uns cinco ou seis anos, que foi o premio do cinema português, só filmes inéditos. Além do das escolas. No prémio das escolas este ano batemos o record, são 11 escolas que estão a participar. No cinema português temos belíssimos filmes. No primeiro ano nós não fizemos praticamente seleção relativamente ao cinema português e nós depois criamos regras rigorosas relativas à seleção, por um lado, e com uma segunda situação que é complicada, o filme tem de ser absolutamente inédito em Portugal. Isto quer dizer que nunca pode ter sido mostrado. Temos centenas de propostas, não temos é centenas de filmes a ser exibidos.
A seleção deste ano terá dez filmes a nível de cinema português que consideramos todos eles de bastante qualidade, inclusivamente dois deles, vão participar na secção oficial de cinema fantástico para concurso. Alem de dois filmes, duas longas-metragens, que alias é primeiro ano que isso acontece, no Fantasporto, que há filmes portugueses em todas as secções oficiais, quer nas longas-metragens do fantástico quer nas longas-metragens da semana dos realizadores, quer nas curtas-metragens do fantástico, quer depois, obviamente, no premio de cinema português”.
E ainda há a secção dos clássicos…
“Exatamente. Isso foi uma ideia que surgiu há uns três anos ou quatro. A ideia é o destaque, os clássicos mostram em retrospetiva só, não é? Agora a questão é que chegamos a um momento em que dissemos assim: vamos fazer uma homenagem específica, por exemplo pegamos num filme ou dois, mas tem de ter alguma lógica, e chegamos à conclusão que há dois filmes, que foram realizados há 75 anos, e que foram aliás os dois candidatos a praticamente os Óscares todos da academia: “E Tudo o Vento Levou” e “O Feiticeiro de Oz”, ambos do Victor Fleming. A logica é mostrar esses filmes em versões em digital, readaptação digital, dos filmes feitos antigamente em analógico. O que quer dizer que isso dá um brilho completamente diferente aos filmes além de que a maior parte das pessoas nunca viram estes filmes e muito menos em grande ecrã. Vale a pena fazer isto, porque no ano passado tivemos lotação esgotada numa sala de 800 lugares os sapatos vermelhos do Michael Powell, por exemplo.
O bom relacionamento que existe a nível internacional levou-nos a pensar numa coisa que não tem significado nenhum a nível internacional mas que não deixa de ser uma curiosidade que será olhada de uma maneira diferente, pelo menos pelas pessoas ligadas à indústria, olharão para o Fantasporto de uma maneira diferente que é criar o minimercado do filme. Em português chamamos as projeções de indústria, e temos três empresas, duas inglesas e uma americana, que vão estar presentes, onde vão ser exibidos certa de 10 filmes, inéditos também, nunca vistos em Portugal. São eles que escolhem os filmes, eles fazem a promoção dos filmes, convidam quem querem. O que vai acontecer, vem distribuidores de vários países da europa, e eles têm material de promoção que nos é enviado, têm também cá representantes, têm os seus stands também, quer dizer que é mesmo o mini mercado do filme. Enquanto experiência acho que é interessante”.
Em termos de programação, também há a homenagem à personalidade do cinema português, não é? Este ano é o Henrique Espirito Santo.
“O Henrique é uma pessoa esquecida completamente, e é uma personalidade fantástica, do cinema em Portugal e é alguém que, de facto, nós não nos quisemos esquecer, porque de facto é um dos grandes produtores portugueses, que muito lutou, durante muitos anos, para conseguir fazer o seu trabalho e está esquecido de facto. É uma pessoa que nós estamos a tentar que ele não fique esquecido e a promove-lo… Aliás basta ver pela seleção de filmes que se apresenta com quem é que ele trabalha, não é, por isso ele tem à partida um leque de realizadores com quem trabalhou que, pronto, do melhor que existe em Portugal”.
“Já achamos, há muito tempo, que temos pouco dinheiro e que nos apoiam muito pouco…”
O Fantasporto deste ano vai ter um peso considerável de ante estreias. Quer falar um pouco sobre isso?
“Este ano vamos ter mais de 20 ante estreias mundiais e europeias e isso é uma coisa que para um festival em Portugal é inédito. Temos mais de 50 pedidos já de jornalistas estrangeiros que querem vir cá. Porquê? Querem ver os filmes em primeira mão. Nesta caso eles vêm cá porque sabem que vão ter um núcleo amplo de filmes que nunca viram na vida e que vão ver. E tem outra vantagem, aquilo que são os grandes jornais mundiais, vão fazer as críticas aos filmes aqui, e sai depois la sempre a referencia ”visto no festival Fantasporto”, porque é onde o filme é exibido pela primeira vez. O que é sempre algo importante no sentido que é a imagem de Portugal, e volto a dizer, a Imagem de Portugal. E aí torno claro uma coisa, nós não estamos a fazer isto por nós, dá-nos gozo obviamente, agora: achamos que somos maltratados? Achamos que somos maltratados. Achamos que temos pouco dinheiro? Já achamos há muito tempo que temos pouco dinheiro e que nos apoiam muito pouco; achamos que estamos no norte que tem um milhão e meio de pessoas contra os quatro milhões que existem em Lisboa? Também é uma realidade que leva a que, teoricamente, a nível do norte tivéssemos menos espectadores que em Lisboa, não é verdade, temos mais espectadores do que os eventos em Lisboa. a massa crítica que se vai buscar à população do porto é completamente diferente da massa critica que se vai buscar a população de Lisboa e particularmente na ligação com o espetáculo. Nós vemos a quantidade de concertos por exemplo que existe no Porto e em Lisboa. Nós vemos que há concertos no Porto que são anulados”.
Quem é o público do Fantasporto?
“Basicamente estudantes. Antigamente não era, era um público muito diversificado, agora é basicamente público universitário em geral. Mas tem também tradicionais do festival, tem cinéfilos, obviamente, tem muita gente da Galiza, muita gente do Algarve, muita gente que vem de fora. Sentimos é que há cada vez mais estrangeiros e, não é que haja cada vez menos portugueses, mas pronto, a capacidade financeira dos portugueses já não é a mesma que era antigamente.
Enquanto antigamente havia pessoas que viam 20 filmes no Fantasporto, ou que viam 10, depois passaram a ver 5, depois passaram a ver 3 e agora vão ver um e depois dizem: eu fui ao Fantasporto este ano. Então nós tivemos umas ideias, que foi criar zonas com preços diferentes para o Rivoli para a tarde e para a noite. Chegamos a ter bilhetes a um euro, para este ano. No facebook, nas condições de acesso, tem mais informação. Só que depois há um esquema de bilhetes que são comprados como era antigamente, antes de termos a venda através da net, com 24 horas de antecedência.
Agora essas pessoas podem comprar um número máximo de bilhetes por cada zona, que uns custam 1 euro, outros 2, outros 3 e os outros 5 euros. Os de 5 euros podem ser comprados a qualquer altura, os outros têm de ser comprados 24 horas antes. Quem dera que não houvesse nunca bilhetes a um euro, que quereria dizer que havia muita gente que podia ir ao festival. Agora isto tem dois objetivos, por um lado é permitir de fato as pessoas que têm menos capacidade financeira de poder ir ao festival, ver filmes de grande qualidade, e isso apanha sábados, domingo e apanha tudo, aliás este ano apanha o carnaval, que embora para nós não seja período de férias é período de férias para os estudantes”.
“Este ano o financiamento foi inferior ao dos anos anteriores”
Esperam mais público este ano?
“Admito que este ano haja um aumento significativo de público, não só pelo programa em si, não só pela vinda de muitos estrangeiros cá, como também pelo interesse das pessoas em ver filmes, mesmo em primeira mão”.
O Fantasporto vai além de um festival de cinema, tem-nos habituado a outros eventos culturais e artísticos inseridos no próprio festival. O que podemos esperar a esse nível, este ano?
“O Fantasporto sempre teve essa vertente cultural. Este ano há uma opção diferente que é, só temos gente a trabalhar connosco que sejam sócios da cooperativa. Quer dizer que todos os artistas plásticos que vão estar presentes nas exposições durante o festival são sócios da cooperativa também. Por motivos vários decidimos optar e porque achamos ser significativo mostrar que as pessoas que estão ligadas à cooperativa são pessoas ligadas às mais diversas artes e não especificamente, ou exclusivamente, ligadas ao cinema”.
Que apoios existiram este ano para o Fantasporto? O financiamento foi inferior aos anos anteriores?
“Foi inferior, foi inferior. O instituto do Turismo não contribuiu, mas já não dá desde que entrou o governo do Passos Coelho, o apoio a eventos deixaram de existir exceto a um, pelo que eu sei, a dois, que são o Festival de Musica da Povoa do Varzim, de música clássica, e o Festival de Cinema do Estoril lisboa, por causa dos casinos”.
“O Fantasporto sempre disse que quereria ficar com o Cinema Batalha”
Quem são os principais financiadores do Fantasporto?
“No nosso caso é o ICA e a Câmara Municipal do Porto. Eu li nos jornais que a Câmara do Porto baixou o apoio ao Fantasporto, e eu digo que baixou 50 euros. Foi apenas um acerto que tem de ser feito. O apoio que está a ser dado é exatamente igual ao dos outros anos, não há diferença nenhuma.
Se a Câmara do Porto tivesse hoje outro presidente o Fantasporto, este ano, estaria no Cinema Batalha ou não?
“Não. O Fantasporto sempre disse que quereria ficar com o cinema Batalha e sempre lutou por ter o Cinema Batalha. Já tivemos dois momentos, em 2009 e 2012 que chegamos, em 2012, a ter o contrato praticamente pronto e não chegou a ser assinado. Mas isso era sala complementar, sempre! Nós consideramos que a sala que tem dignidade para receber um evento como o Fantasporto e como outros eventos de impacto internacional, é, independentemente de todos os problemas técnicos, que tem e que são enormes, inclusivamente a própria estrutura arquitetónica da sala e tudo o mais, é o Rivoli. E como tal, sempre defendemos o Rivoli, contra tudo e contra todos e as nossas guerras na altura que existiram, com a Câmara, passaram muito por situações muito complicadas, por exemplo, quando foi com a história do Lá Féria ter de parar os espetáculos e depois entra o Fantasporto e depois retorna os espetáculos… e foi assim. Mas, a única coisa que nós defendemos sempre é que o Rivoli é o espaço principal da cidade, para todos os eventos internacionais, que devem ser, do meu ponto de vista, realizados no Rivoli!”
“Em termos globais o Festival custa mais de um milhão e quinhentos mil euros…
Qual foi o maior desafio com a organização do Fantasporto 2014? A equipa da “Cinema Novo” está mais reduzida, isso foi um desafio?
“Não está. Está igual, foi é readaptada aquilo que é a necessidade de facto da estrutura tendo em conta que a estrutura que existia estava montada, e foi montada, numa altura em que nós tínhamos um esquema de distribuição de cinema como qualquer distribuidora de cinema em Portugal. Nós colocávamos filmes nas salas de cinema, tínhamos edições em DVD, vendíamos filmes às televisões. Neste momento quem tem acesso a esse mercado são só as multinacionais. Há quem diga: ah o vosso orçamento, vocês tinham orçamentos de milhões agora têm orçamentos de tostões. E eu digo assim: não, não é verdade, nós temos exatamente o orçamento compatível para poder fazer o festival. Por razões muito simples, eu gastava cerca de quarenta mil euros por ano, ou 45 mil euros por ano em transportes de filmes, pronto, e não interessava nada a ninguém, porquê? Estamos a falar de bobines de filmes, de filmes de 35 milímetros, cada caixa pesava certa de oitenta quilos, e aquilo vinha de todos os países do mundo.
Os valores eram elevadíssimos. A transição do analógico com aquilo que é atualmente o digital, nós recebemos discos iguais aos DVD. Vem dentro de um envelope, o que quer dizer que os custos aí passaram para quase um décimo do preço. Agora, também sabem disso, as gráficas baixaram enormemente de preço, os hotéis têm preços muito, muito em conta. Nós temos neste momento, se calhar, mais hotéis do que os que necessitamos no Porto. Vamos precisar deles e temos de lutar para que cada vez haja mais turismo, agora, temos preços muito competitivos e muito mais baixos do que o que pagávamos antigamente. Os custos do que são os serviços básicos do festival baixaram consideravelmente.
Eu tenho uma senha que já existe há seis anos que tem o valor de oito euros, que é uma senha de alimentação que eu agora estive a tentar negociar, essa senha de alimentação, para o que chamam os menus Fantasporto, isto é ridículo dizer mas agora os menus custam 5 euros e eu tenho uma senha de 8 euros, quando antes esses 8 euros eram para complementar a refeição. Em si, tudo isto permite fazer o festival de uma forma perfeitamente normal. Já para não falar das viagens de avião que são muito mais baratas.
Além disso, que é dinheiro que não se gasta, há outra coisa que são as parcerias que não envolvem dinheiro. Essas parcerias passam por todas as áreas, desde os descontos que são feitos pela hotelaria, na restauração, em serviços, por exemplo: nós temos o digital mas o Rivoli não tem projeção digital, se está lá tem de ter todo o material de projeção digital. Agora, as campanhas, só as campanhas de televisão, as campanhas de radio, falo da televisão porque temos outra vez a RTP, temos as ZON, e em vários canais, etc., quanto é que custa isso?
Eu posso dizer que o festival deste ano, se eu quiser, custa xis dinheiro, que não vou dizer por uma razão extremamente simples, acho que é mau para … dizer um valor para depois as pessoas dizerem “Eh pá… mas gasta-se esse valor num festival de cinema, para quê? Nós temos é fome, por isso eu não falo em valores, em dinheiro, já não falo há dois anos nos valores do festival. Agora digo que em termos globais, em termos globais, o festival custa mais de um milhão e quinhentos mil euros”.
Em tempos de crise a cultura é sempre o parente mais pobre não é?
“Sempre foi, agora há uma diferença muito grande entre o que são eventos, isto é trabalho coletivo, são companhias de bailado, são grupos de teatro, são companhias de ópera, são se calhar bandas, inclusivamente, não é? E aquilo que é o escritor, o artista plástico, o escultor que trabalha para si próprio, quer dizer, pode controlar financeiramente digamos aquilo que é a sua própria atividade. No caso daquilo que são eventos tem que pensar de forma muito simples: O que é que é a música? Eu compro um bilhete para um festival de rock ou vou a um concerto de rock entre 30 até 60 euros, se for ao rock in rio já vou pagar 80 euros por dia, mas se quiser um bilhete para 3 dias para o “Optimus Alive” já me custa 110 euros, por exemplo.
Agora, o que é que acontece em relação ao cinema? Cada bilhete custa 5 euros. Nas salas comerciais custam 5 ou 6 euros os bilhetes, dos quais tenho de pagar 13 por cento de IVA. Qual é a rentabilidade que existe para fazer um festival de cinema mesmo que todas as sessões estivessem esgotadas? Não há hipótese nenhuma de rentabilizar os custos do evento, tem que haver apoios, tem que haver apoios.
Do nosso lado, os privados sempre nos deram mais apoio que os oficiais. Agora, o que acontece atualmente, é que está a ser um bocadinho ao contrário, quer o ano passado quer este ano, os oficiais estão um bocado superiores aos privados, os privados foram-se baixando, baixando, baixando. Mantêm-se, mas baixam. A lista de apoios é a mesma, até tem mais, só que acordos que eu faço, por exemplo, com uma empresa que me vai fazer trabalhos laboratoriais, é um crédito de xis mil euros. Não tenho dinheiro do lado de cá. Eu necessito é desse trabalho. Tenho um crédito de xis mil euros em contrapartida a um patrocínio ou a um apoio xis. E é esse tipo de acordos que nos tem permitido continuar e fazer o Fantasporto”.
“Há possibilidade de fazer tanta coisa nas salas que estão fechadas neste país. E não se faz nada. Estão fechadas.”
Sabemos que é um defensor da existência de um circuito de cinema paralelo. Nada tem sido feito a esse nível, porquê?
“Acho que é uma estupidez não se fazer, por uma razão muito simples. As câmaras têm as salas fechadas. Estão com equipamento. Não são dois ou três funcionários, então numa altura deste género, que eles não sabem o que fazer aos funcionários, que vão prejudicar ou não a estrutura camarária.
De certeza que há sempre um núcleo qualquer neste país que gosta de cinema e que gosta de fazer uma programação de cinema e que, pronto, não serão agora chamados cineclubes como eram no meu tempo mas poderão ser chamados, sei lá… grupo cinematográfico de qualquer coisa. E cada vez mais se fazem eventos relacionados com curtas-metragens porque é muito mais fácil atualmente fazer cinema porque as pessoas têm acesso a câmaras digitais. Há possibilidade de fazer tanta coisa nas salas que estão fechadas neste país. E não se faz nada. Estão fechadas. De qualquer forma é um alerta no sentido não de se fazer exatamente o mesmo, porque o outro foi pensado em grande, mas o mesmo tipo de circuito que se fez com o Teatro em Portugal no tempo do Santana Lopes, se não me engano. Criou o circuito dos teatros municipais que até havia uma espécie de catálogo de programação diversificada, que tinha bailado, música e por ai fora, que gestores desses teatros depois poderiam fazer a programação com base nesse catálogo, chamemos-lhe assim.
O mesmo poderia acontecer aqui, aliás chegou a falar-se, a determinada altura, mas foi para as escolas, na existência de um núcleo de filmes, que, pessoalmente, estou completamente em desacordo com a escolha que na altura tinha sido apresentada, porque aí sim era claramente mostrar cinema comercial, para mostrar nas escolas e fazer um circuito, para serem exibidos em vídeo, ou para serem vistos em computadores e não é a mesma coisa, não é a mesma coisa. Não tem nada a ver. Aliás a ida ao cinema é um ato de cultura. E a entrada nessa sala escura é, de facto isso, um ato de cultura.
As pessoas acham que o cinema é algo comercial, e é algo comercial porque tem de dar rentabilidade para que as salas possam funcionar, ter empregados, etc. Depois, a reação das pessoas, sejam entidades públicas ou privadas, acham que tudo deve ser gratuito. Eu acho que deve ser mais barato, haver o chamado preço social se é que se pode dizer assim. Mas, eu acho que é fundamental pagar nem que seja um euro porque isso leva a uma obrigação por parte da pessoa, porque para pagar a pessoa quer ir ver. Pagar simbolicamente.
Nós, aliás, até criamos um cartão, era um passaporte cultural que tinham 50 por cento de desconto em todos os espetáculos, tinha entrada gratuita nos museus e por aí fora e esse esquema pode ser perfeitamente utilizado neste país todo porque é possível fazer as coisas desde que haja o mínimo de gestão e de criatividade. É possível!”
Uma mensagem, para terminar.
“Repito o que disse: Entrar na sala escura do cinema é um ato de cultura!”
Texto: Ana Cláudia Albergaria
Fotos: António Amen
01fev14