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Miró, o Governo e o BPN

José Luís Montero/ Tribuna Livre

Sem pensar; sem imaginar, Portugal encontra-se com uma coleção invejável do pintor Joan Miró. O País pagou; melhor: a arraia-miúda pagou as venturas e desventuras do Banco ou do seu presidente. No entanto, a arraia-miúda que está a pagar, esta e todas as crises, estas obras de arte de primeira magnitude e outras obras de magnitude duvidosa nem sequer teve a mínima oportunidade para contemplar, talvez, uma da mais consistente e numerosa coleção do pintor espanhol. O governo e o seu grupo, especialista em vender ouro a preço de latão, decide leiloar. Como é Arte e como a Arte deve ser uma dessas gorduras que o Estado deve emagrecer, segundo estes espertos governantes, o Governo vende, leiloa; emagrece, no entanto, emagrece aspirando Arte, Cultura, Educação, Saúde e capando a capacidade de consumo dos reformados. Este Governo descobriu uma nova Pedra Filosofal que consiste em trabalhar; burilar para alcançar a pobreza espiritual e material.

joan miro - 01fev14

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Possivelmente, se a decência não aflora, a arraia-miúda jamais verá ou tenha a simples oportunidade de contemplar o Miró que passou por Portugal. O Governo não poderá argumentar que carece de fundos para pagar porque o banqueiro da ruína pagou (BPN) e posteriormente o zé-povinho pagou tudo a troco de nada. Reaver entre os 35 milhões de euros e os 80 milhões em que está valorada a coleção não fará que as reformas recuperem poder de compra ou que as escolas estejam melhor servidas. No entanto, essas obras reunidas são não só um valor; são também um gerador de mais-valia económica. O turismo com que muitos enchem a boca não está composto unicamente de gastronomia, praia e noites de Fado. O Estado está cheio de barracões onde se pode acomodar a Obra de Joan Miró. A prova está no todo-poderoso ministro Paulo Portas que após o estado “neurótico” de irrevogável, passou os dias ou as noites à procura de um palacete onde poisar as suas malas e malinhas. Encontrou; instalou-se e produziu menos que nada. Para obedecer às troicas chega com abrir uma caixa de correio.

No entanto, instalar a Obra de Miró, aqui ou além, no Porto, Lisboa, Coimbra ou Faro produz muito mais que um ministro ou um conjunto de ministros que não sabem que a Arte, além de nos enriquecer o conhecimento e a sensibilidade, produz romarias de visitantes. O exemplo próximo chama-se Madrid que conseguiu criar um triângulo que leva, todos os anos, muita gente vinda de diferentes pontos de Espanha e do Estrangeiro para ver “ qualquer coisa” num dos seus Museus. E come-se na zona ou pelo caminho; dorme-se na zona ou pelo caminho e algumas vezes, se os governos o permitem, ainda se compra alguma recordação; algum souvenir; algum chaveiro com ar artesanal. Mas, este Governo só sabe aconselhar o patético. É um Governo tão triste que até se vê metido em imbróglios de leitões e doses a mais ou a menos.

governo dos leiloes

É um Governo que estando próximo da ignorância mais manifesta se empenha em vender aos cidadãos espinhos de silvas como se fossem pétalas de rosas. É a penúria intelectual e política. No outro dia, adentrei-me numa cidade de uma grande beleza: Aveiro. Era hora de enganar o estômago e penetrei num bar que tinha algum prato-do-dia sugestivo. Pedi arroz de cabidela; meio jarro de vinho e pão. As mesas estão próximas umas das outras como é natural nos bares de grande batalha à hora das refeições. Perto de mim, estava sentado um homem que disse ter, mais de uma vez, sessenta e sete anos. Falava; conversava com os vizinhos de mesa. Contava as suas penas; a sua vida; o que fora o seu trabalho. Exercera desde a mais tenra idade de canteiro. Estava reformado e dentro do seu lamento não existia a indignação; existia raiva e melancolia.

Não dizia muito; mostrava as suas mãos e dizia que a sua reforma fora visitada pela tesoura governativa. Passara de receber setecentos e tal euros para seiscentos e tal. Perdera oitenta e cinco euros. Ouvi e vi a cara daquele vizinho de mesa instalado numa sensação estranha. Imaginei-o uma vida inteira a picar a pedra; pensei, pelo seu aspeto e jeito comunicativo, que trabalhara duro. Imaginei que quando se viu reformado pensaria: “ agora poderei comer alguns almocitos sem olhar para o relógio e conversar com quem entre ou saia…” No entanto, chegou o Governo dos leilões e aplicou-lhe a dose. Num raspão fez-lhe uma raspadinha de mais de dez almoços ao mês. O meu companheiro de almoço talvez não saiba que existe um tal Miró, nem que a sua raspadinha governamental foi parar aos buracos das ações dos banqueiros do BPN. Nem talvez saiba que o Governo quer vender obras-de-arte; no entanto, sabe que se fartou de trabalhar; que tem uma reforma pírrica e que sendo pírrica ou não o Governo arrecada o seu suor acumulado.

numeros

Vivemos uma época bem triste. Uma época carente. Vivemos cheios de números que nos contam mentiras; de verdades que nos perguntam que fazemos ou porque não fazemos. Temos BPNs e comemos BPNs. Temos EDPs e metem-na numa albarda e toca a vender a correr porque se utilizamos a pausa podemos meditar. Há tanta coisa por aí que enumerar seria aborrecer. Seria pensar na Companhia de Seguros. Seria pensar no estrondo alabardeiro que estamos a viver. É uma pena. É triste.

Temos o Nuno Crato que não estava pensado para ser ministro e é ministro – alguém me disse que também era Poeta – e corta e desinveste; remenda e aprofunda o buraco. Mas, está aí no pedestal ministerial sendo Poeta e sabe, imagino, o valor que um País ganha acumulando Arte e mais ainda se é um Pintor de referencia do século XX como Miró, mas, não abre a boca; não alinha um verso; um poema pela Arte.

É realmente alarmante ver, vislumbrar até onde chegam os ministros de Portugal. Provoca respingos de pele. Deprime. Faz-nos ausentar e inconscientemente passamos os dias a opinar sobre quem deve estar no Panteão. É triste, mas, Portugal transformou-se num enorme Panteão.

 

  01-fev-14

  

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2 Comments

  1. José Manuel Rebelo

    É bom que não nos tomem por parvos. É bom denunciar o desprezo pela cultura deste bando que nos desgoverna. Quem é que se interessa verdadeiramente pelo interesse público, por Portugal e pelos portugueses? Serão estes? Huum…
    Gostei deste texto de José Montero

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