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Ovar: Do CANTAR DOS REIS ao CARNAVAL…

As diferenças culturais entre o tradicional Cantar dos Reis e o Carnaval de Ovar são bem evidentes desde logo nos ritmos que caraterizam cada um destes eventos que marcam quase em simultâneo o início de cada ano. Mas ambas são o resultado de um grande empenho e envolvimento das gentes de Ovar que são os principais protagonistas destes momentos marcantes, que vão sendo consolidados de geração em geração, organizados em troupes de reis ou no caso da folia, em grupos carnavalescos, grupos passarela ou escolas de samba.

De longe vem a tradição vareira das Troupes de Reis que começaram a ganhar forma muito característica em Ovar nos finais do século XIX através dos reiseiros António Dias Simões e João Alves Cerqueira pioneiros num modo muito próprio do Cantar dos Reis e nas primeiras troupes que marcaram a diferença com a tradição das “Janeiras” noutros lugares.

A espontaneidade e originalidade do Cantar dos Reis que começou pelo cantar as boas festas com o espirito solidário em favor de obras sociais, evoluiu mais tarde para uma estrutura composta por três trechos que aprofundaram ainda mais as especificidades locais desta tradição secular. Uma novidade introduzida pela reiseira Amélia Dias Simões que deu continuidade ao caminho que tinha sido desbravado pelo seu pai, enriquecendo a tradição que passou a ter o número da Saudação, da Mensagem e do Agradecimento, com letras alusivas à época e melodias harmoniosas em que predominavam os instrumentos de cordas, que durante muitos anos foram igualmente elementos fundamentais para caraterizar as Troupes de Reis seguidoras da verdadeira tradição.

Manter esta tradição viva, continua a ser o desafio da comunidade ovarense que já alguns anos a promove junto dos alunos do Pré-escolar e 1º ciclo, que através de troupes de reis infantis que este ano atuaram no dia 5 de janeiro, no Centro de Artes de Ovar, vêm dando garantias de serem promissores continuadores do antigo Cantar dos Reis em Ovar, sendo já possível verificar que muitos dos jovens alunos vão acabando por se transferirem para as troupes de adultos, absorvendo com entusiasmo a paixão pela típica tradição e todo o calor humano que se partilha no seio das muitas troupes que se multiplicaram em vários locais do concelho, embora, muitas vezes sem obedecerem a regras fundamentais que caraterizam o tradicional Cantar dos Reis mesmo no século XXI.

Noite de Reis com vários palcos

Troupe de Reis da ADO
Troupe de Reis da ADO
Troupe de Reis dos Antigos Alunos Irmãos Oliveira Lopes
Troupe de Reis dos Antigos Alunos Irmãos Oliveira Lopes
Troupe de Reis dos Bombeiros Voluntário de Ovar
Troupe de Reis dos Bombeiros Voluntário de Ovar

Este ano a nova gestão autárquica quis também implementar algumas alterações neste evento cultural em nome da defesa da própria tradição. Uma certa intromissão dos autarcas que há muito se vem sentindo, perdendo-se mesmo, a espontaneidade que a caraterizava bem como o espirito solidário original, dando lugar a um evento muito dependente das lógicas culturais da Câmara Municipal, que este ano, quis promover três momentos altos no dia de Reis (6 de janeiro), dividindo a atuação das dezasseis troupes de reis por novos palcos. Como foram as atuações nos edifícios municipais recentemente reconstruídos para darem lugar ao “Espaço Empreendedor” e à “Escola de Artes e Ofícios”.

Para o habitual palco por onde passam todas as troupes, como o culminar de uma semana de noitadas que reforçam os laços de amizade e confraternização entre reiseiros e apaixonados por esta tradição, foi escolhido o Salão Nobre da Câmara Municipal de Ovar. Recorde-se que durante várias décadas o Cantar dos Reis acontecia ao ar livre nas escadarias do edifício municipal.

O público teve assim três espaços possíveis para apreciarem o sempre agradável Cantar dos Reis por troupes mais seguidoras da tradição, tanto no instrumental como na composição, ou por várias outras que à sua maneira, dão também alma e calor humano a noites frias e chuvosas, como as que se fizeram sentir de forma intensa este ano, dificultando a mobilidade das várias troupes para cumprirem os seus programas de saída pelas coletividades, instituições, e as poucas famílias que ainda abrem a porta aos reiseiros, assim como os cafés que em muitos casos, a que não deixa de ser estranha a crise, também deixaram de constar nas visitas das troupes de reis, que ao contrários do licor, do chouriço ou até do pão-de-ló, esperam sobretudo pela gorjeta.

Uma realidade que a Autarquia assume querer contribuir para alterar e incentivar os cafés a voltarem a disponibilizarem-se a receber esta tradição.

Mensagens sociais e políticas

Troupe de Reis de Valdágua
Troupe de Reis de Valdágua
Troupe de Reis da JOC
Troupe de Reis da JOC

Durante muitos anos foram vários os nomes de autores de letras e músicas que influenciaram e caraterizavam cada uma das Troupes de Reis. Era o caso da Troupe JOC-LOC que se manteve fiel às obras reiseiras escritas por Zé da Vesga mesmo quando estava emigrado no Canadá ou a relação de Edwiges Helena (neta de António Dias Simões e filha de Amélia Dias Simões) que entre outras colaborações reiseiras, deu alma à reativação da Troupe de Reis dos B.V. de Ovar até ao seu falecimento. Entretanto outros autores reiseiros se vão afirmando enquanto a tradição ainda pode contar com nomes que ao longo dos últimos anos têm ajudado no enriquecimento da particularidade que representam muitas das letras que não se divorciam da realidade social dos tempos que correm.

A Troupe de Reis JOC-LOC, a mais antiga e que mais tem primado pela preservação das características mais aproximadas desta tradição reiseira. Teve este ano como novidade, as três letras escritas pelo Padre Manuel Pires Bastos que, mesmo antes de ser pároco em Ovar, já se tinha apaixonado por esta forma do Cantar dos Reis ao ser convidado para ensaiar a Troupe. “Ao Sabor das Marés” foi a Saudação dedicada a um povo ligado ao mar e á faina da pesca a que dedicou estes versos…

Dançando, brincando

No mar, ao sabor das marés,

As ondas redondas

De manso vêm beijar-lhe os pés.

A renda de espuma

É sal que a bruma desfaz,

Deixando nas águas

As dores e as mágoas

Que Ovar na sua alma traz.

(…)

O pescador

Em desalento

Pragueja e implora

O seu sustento

Já no número da Mensagem o autor continua a surpreender com “Um tempo novo”…

Na noite escura

Uma criança

Em palha dura

Sonha e descansa

É negro ou branco?

Não conta a pele.

Só vale a Luz

Que brilha nele.

(…)

Num bairro triste

– Destino ingrato! -,

Nasce um menino

No tempo exato.

Mas é na Despedida com “letras e notas com fartura” que a JOC-LOC cumpriu uma componente bem característica da tradição reiseira, deixando por onde andou a cantar, mensagens que não podiam deixar ninguém indiferente.

(…)

A crise é longa e dura,

Remédio é a poupança.

Há “letras” com fartura

Para engordar a Finança:

É p’rá renda da casa,

P’rá água, gás e luz…

P’ra um grãozinho na asa

Que alivie a nossa cruz.

Com estranhas leis,

Com truques e enredos,

Lá vão os anéis

Só ficam os dedos.

(…)

Troupe de Reis "Os Fogueteiros de Arada"
Troupe de Reis “Os Fogueteiros de Arada”
Troupe de Reis "Tradição e Juventude"
Troupe de Reis “Tradição e Juventude”

Marcante foi também a irreverência da Troupe de Reis Tradição e Juventude que continua a ter letras de Theresa Jorge como a que foi cantada em refrão na despedida ao ritmo que esta jovem troupe vem habituando o público, conquistando um lugar muito próprio entre as principais Troupes de Reis.

(…)

Cantar não paga imposto

por enquanto (Para já!)

Não venha a Troika exigir (Paguem lá!)

Só mais uma taxa

Só mais um esforço (ainda dá)

Mas não hão-de ver no nosso rosto… Mágoa!

E Brindai connosco

A um novo dia A esperança

Que nos alumia!

A Juventude diz Basta à melancolia!!

Terminavam com um “Sorriam! Batam palmas! Ao que, com natural satisfação o público reagia aderindo a esta imaginativa forma de criar interatividade com as pessoas que tiveram o privilégio de partilhar tal momento reiseiro, proporcionado por esta troupe de jovens que à sua maneira vem mantendo fidelidade à tradição.

Troupes de Reis que saíram à rua…

Infantil: ATL da Ribeira; EB dos Combatentes; EB da Stª Casa da Misericórdia; Ponte Nova; EB da Habitovar; EB da Oliveirinha; Cercivar; Grupo Infantil e Juvenil de Maceda.

E ainda (mais adultos): Troupe de Reis da Associação Fraterna de Prevenção e Ajuda (AFPA); Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ovar; Grupo Folclórico “Os Fogueteiros de Arada”; Associação dos Antigos Alunos da Escola Oliveira Lopes; Casa da Amizade; Associação Cultural e Recreativa de Valdágua; Associação Desportiva Ovarense (Futebol); JOC/LOC; Grupo Folclórico “Os Moliceiros de Ovar”; Associação Cultural e Recreativa de Sande, Salgueiral e Cimo de Vila; Música Nova; Casa do Povo de Válega; Associação Cultural e Atlética de Guilhovai; Associação Cultural e Recreativa da Ribeira e Orfeão de Ovar

Tomada de “posse” dos reis carnavalescos

Mudado o ritmo musical reiseiro para o da folia carnavalesca, dias depois de terminar o Cantar dos Reis, o Carnaval de Ovar dava o pontapé de saída com a cerimónia de abertura que decorreu numa tenda montada em frente ao edifico do Município na Praça da República no dia 11 janeiro.

O arranque do Carnaval de Ovar era assim inaugurado com um espetáculo que contou com a participação das bandas do concelho, Sociedade Musical Boa União e Banda Filarmónica Ovarense que lembraram épocas em que as bandas musicais faziam parte desta grande festa da cidade. Foram ainda entregues os prémios aos vencedores do Carnaval de Ovar 2013.

Alcino Andrade - Rei do Carnaval de Ovar
Alcino Andrade – Rei do Carnaval de Ovar
Solange Duarte - Rainha do Carnaval de Ovar
Solange Duarte – Rainha do Carnaval de Ovar

Para além do cartaz e do programa, foram apresentados os Reis do Carnaval de Ovar 2014. Este ano mereceu as “chaves” do trono carnavalesco vareiro, Alcino Andrade, um animado folião que integra o grupo AXU-MAL e entre a sua dedicação a várias outras atividades culturais e recreativas, é tocador de violino na Troupe de reis JOC/LOC e é presidente da direção da Banda Filarmónica Ovarense. Uma instituição que já ultrapassou os 200 anos. Neste reinado, o veterano folião Alcino Andrade é acompanhado pela jovem Solange Duarte, Miss Earth Portugal 2013.

PROGRAMA “CARNAVAL DE OVAR 2014”

16 fevereiro – 15h00 – Chegada do Rei – Centro da Cidade

20 fevereiro – 14h30 – Carnaval Sénior – Parque Sra. da Graça

23 fevereiro – 15h00 – Carnaval das Crianças – Centro da Cidade

27 fevereiro – 22h00 – Noite Dominó com Quim Barreiros – Praça da República

28 fevereiro – 22h00 – Grande Noite de Reis – Axu Mal – Praça da República

01 de março – 22h00 – Desfile das Escolas de Samba – Av. Sá Carneiro

02 março – 14h30 – Desfile do Grande Corso Carnavalesco – Av. Sá Carneiro

03 março – 15h00 – Matiné Infantil – Parque Sra. da Graça

03 março – 22h00 – “Noite Mágica” – Animação no Parque Sra. da Graça, Praça das Galinhas, Parque Marquês do Pombal, Mercado Municipal de Ovar, Jardim do Cáster e Praça da República.

04 março – 14h30 – Desfile do Grande Corso Carnavalesco – Av. Sá Carneiro

Texto e fotos: José Lopes

(correspondente “Etc e Tal Jornal, em Ovar)

01fev14

 

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