José Luís Montero/ Tribuna Livre
Tenho os dentes serrados de tanta parcimónia. Vem aí o Maio. “Ahi ven o Maio de frores coberto” canta o cantor galego Luís Emílio Batallán. Chega o Maio o longínquo Maio esquecido pelos cantores da atualidade. Os cantores do consenso e das troicas. Pretendem que a pobreza se abrace com a riqueza humilhante. Dizem que a saúde é cara. Estamos no Maio que nos leva ao Chicago de 1886. Os trabalhadores reclamavam a jornada laboral de oito horas. Esse dia estava convocada uma greve geral nos Estados Unidos de América. A repressão foi cruenta nesse dia e nos dias sucessivos. As ideias anarquistas e socialistas revolucionários que impregnavam os grevistas fizeram-nos resistir. A morte cevou-se. O escândalo e capacidade de resistência da sua auto-organização espalhou-se pelo mundo trabalhador e a revindicação das 8 horas tornou-se uma revindicação mundial. O 1º de Maio passou a ser considerado um dia de memória dos Mártires de Chicago e dia das lutas da classe trabalhadora.

Hoje, 1º de Maio de 2014, os trabalhadores em geral estão a perder tudo pelo que lutaram e venceram os seus antepassados. As chamadas organizações sindicais existentes em Portugal, perante o roubo de ordenados e regalias ou bens sociais adquiridos pelos trabalhadores através da História, não se atrevem a convocar uma greve geral exitosa. Os sindicatos atuais são a organização da desorganização existente hoje no mundo dos assalariados. Transformaram-se em escritórios de serviços e negociações em salões barrocos. Chamam-lhe sindicalismo moderno, mas, se a modernidade entendida como evolução é o ponto onde chegaram estes sindicatos, não existe tal modernidade, existe abandono de princípios e aderentes e consequentemente existe retrocesso organizativo de mais de um século. Este sindicalismo não significa modernidade.
Um País como Portugal, metido numa supra – organização político-social, que padece uma crise caótica onde a miséria se multiplica; onde o drama pessoal, familiar e coletivo sobe como a espuma e onde o chamado sindicalismo moderno não consegue realizar (ou não quer) uma ação de solidariedade internacional não é sindicalismo; é uma brincadeira de mau gosto.
Estes senhores têm mais tempo de antena que atos realizam ou trabalhadores representam. Perante esta crise os seus primeiros de maios são atos de traição aos Mártires de Chicago. Não existe palestra que justifique o nada que fazem, nem a atitude abúlica perante ações de calado internacional que deveriam ter começado no mesmo dia em que a Grécia foi invadida pelos troicos. “Nós não somos a Grécia…” dizia algum coturno arvorado em governante. O dono desta frase de muito mau gosto só é um pobre com complexo de rico que se ri do que está mais pobre que el porque padeceu antes a invasão dos troicos. O dono desta frase só pode ser duas coisas: é burro ou é burro.

Os trabalhadores carentes de organizações autónomas dos poderes oficiais ou partidos, de uma forma geral e em diferentes países de Europa, para organizar alguma contestação consistente têm feito tudo à margem do sindicalismo oficial. O caso mais falado aconteceu em Espanha tanto com as ações do 15-M como com a última mobilização-marcha protagonizada, entre outros coletivos, por um sindicato de raiz andaluza, o SAT, e a velha e histórica central anarco-sindicalista CNT-AIT. Os Mídea, talvez como fosse de esperar, silenciaram qualquer movimento dos caminhantes da “Dignidade”, no entanto, o silêncio tornou-se sonoro, entre outras coisas pela intensa atividade nas redes sociais, e Madrid viu como se reuniam em manifestação perto de dois milhões de pessoas chegadas de todos os cantos e recantos de Espanha.
Nada está perdido. Estas batalhas pela recuperação da dignidade individual e social e pela Liberdade podem ser todas ganhas se a cidadania em geral não cai no erro da delegação do voto e vontade nas organizações tradicionais que não são mais que minis-estados. Os Mártires de Chicago, os grevistas espanhóis e catalães da Canadiense ou os trabalhadores portugueses antes do salazarismo auto-organizavam-se e não lutavam pelo Poder; combatiam o Poder. A histórica CGT portuguesa é mais que um exemplo dessa forma de reivindicar e organizar-se. Lamentavelmente, o combate operário levado por este sindicato, varrido do mapa pelo salazarismo, é praticamente desconhecido pelo conjunto da cidadania; no entanto, há literatura suficiente para fazer memória e ainda que copiar o passado é um erro, aprender como este sindicato anarco-sindicalista era capaz de enfrentar-se ao Poder de então pode ajudar muito na recuperação da capacidade de contestação e não permitir que este degredo se perpetue, eternamente, como estão programando os poderosos que fazem as ementas governativas.

Este 1º de Maio terá, pela natureza da comemoração e pela crise generalizada, uma cor bastante mais viva, no entanto, esta atitude viva e as novas formas de contestação não podem, nem devem ficar numa efemeridade. Sente-se no ar que os sindicatos e outro tipo de coletivos devem falar-se para auto-organizar uma grande Greve a nível de Europa. Sem este passo natural de solidariedade será difícil que os desfavorecidos do Sul, mas, também do Norte de Europa recuperem os seus velhos direitos. A questão está em não duvidar da força natural das populações indignadas e não cair na trampa do velho. Hoje, nem políticos, nem sindicalistas oficiais representam, nem encarnam as novas vontades e ideias. O futuro escreve-se com o alfabeto chamado: sonho.
01mai14
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O Maio dos nossos sonhos não cabe na conta bancaria que o maio deles lhes dá
Excelente artigo, caro senhor. Parabéns a si e ao jornal.
MUITO BOM.Gostei de cada palavra , especialmente do “coturno arvorado em governante”…ficou registado.PARABÉNS.