Luís Reina
Capítulo III
Renascidas
12 de Setembro
Abu-Dhabi / Seul
(continuação)
Transponho a porta de entrada do hotel Yoido.
Não fosse o facto do vidro da porta ser burilado, sentir-me-ia como Neo, a personagem de Keanu Reeves no filme Matrix, a atravessar a porta, tão transparente, como se não existisse.
A recepção do hotel é grande. No centro, à esquerda, um amplo balcão feito de madeira envernizada. As paredes são forradas da mesma matéria-prima. A decoração é minimalista. Com excepção de alguns apontamentos em tons rubros de paixão, tudo é inspirado na cor terra da mãe natureza.
Ligo o telemóvel e tento enviar uma mensagem para a minha irmã conforme prometido, dizendo que cheguei ao outro lado do mundo são e salvo. Continuo inexplicavelmente sem rede, como anteriormente no aeroporto. Não compreendo o que se passa…
É feita a distribuição dos quartos rapidamente.
Subo e entro naquele que será o meu aposento durante os próximos dias. Entro numa outra dimensão. Tudo é branco. Tudo é luz. Diria que demasiado branco e com demasiada luz. Somente a cama, king size, tem um couvre-pieds castanho-escuro, Tão escuro como o negro do escasso mobiliário lacado. A casa de banho em tons bege parece um cubículo quando comparada ao quarto. A sanita desperta-me a atenção e faz-me recordar uma determinada anedota que correu nas redes sociais. Parece um pequeno computador cheio de botões do lado direito que nem tento experimentar, não vá ficar sem nada… Sorrio.
Preparo a minha mochila. Além da máquina fotográfica e respectivos rolos (porque ainda não aterrei na era digital), do guia de viagem, dos documentos identificativos da minha pessoa e do dinheiro, sempre necessário, levo comigo um cartão com a identificação do hotel em coreano, não vá o diabo tecê-las.
Saio apressadamente e parto à descoberta de Seul.
Pela primeira vez na minha vida de “Viajante do Mundo”, deambulo mochila às costas numa metrópole asiática.
Sigo rumo ao meu destino, conforme as indicações recebidas na recepção do hotel num inglês quase que incompreensível e rebuscado.
A minha primeira sensação é a de desconforto, devido à ausência de placas com os topónimos da cidade. Sinto-me desorientado e nervoso. Paro e penso friamente. De que me serviria tal sinalética se a mesma estivesse escrita em coreano?! Tento, assim, captar visualmente pontos de referência importantes para a minha orientação. Caminho por intermináveis avenidas desertificadas, ladeadas por paralelepípedos monocromáticos de betão e vidro, sedes do mundo financeiro e serviços públicos do país.
Poucas são as pessoas que se cruzam comigo, contudo cruciais para mim, pois são o meu único meio de ajuda. Essencialmente, são jovens, com um maior ou menor grau de excentricidade. Vestem de uma maneira alegre, colorida e despreocupadamente informal. A sua ligação com a beleza é realçada, em ambos os sexos, por um uso quase que imperceptível de maquilhagem. Ao contrário, as pessoas de meia-idade sejam homens ou mulheres, vestem de uma maneira formal. Fatos pretos ou azuis marinhos com camisas brancas e gravatas coloridas para eles e tailleurs claros para elas. O sexo feminino utiliza maquilhagem excessivamente. Usa e abusa na pintura dos olhos e lábios, apanágio de uma faixa etária, que assim ofusca alguma da beleza que possam ter. Contudo os coreanos têm algumas características em comum. São alegres, ávidos no consumismo das mais recentes tecnologias de comunicação e informação e simpáticos. Rotulei-os, como é hábito latino de “Os Latinos Asiáticos”.
Chego a um cruzamento de três avenidas que tenho que atravessar. Só tenho uns curtos dois minutos. Corro.
Passa por mim uma jovem de auriculares nos ouvidos a trautear uma música. Talvez PSY. Faço-lhe um sinal para que me ajude. Assusta-se tamanha a concentração em que seguia. Mostro-lhe o plano da cidade com o local da estação de metro assinalado. Gesticula a direcção que devo seguir. Continuo e dou por mim num arruamento arborizado que termina num dos canais do rio Han, atravessado por uma ponte de arquitectura contemporânea, que me relembra Calatrava. Estou completamente perdido. Aproxima-se uma senhora dos seus cinquenta anos, pele alva e lábios carmim. Usa umas luvas que se confundem com a cor da pele. Andar corcovado, não sei se por má postura, ou se pelos inúmeros sacos que transporta. Pára e tenta adivinhar o que faço ali e para onde quero ir. Mostro-lhe o mapa. Tenta explicar-me o caminho a seguir. Não compreendo. Sorri para mim. Passa os sacos todos para uma mão. Com a outra, livre de qualquer peso, toca-me suavemente como um delicado contacto alienígena e puxa-me em sinal de que a siga. Caminhamos durante cinco minutos quando me deixa à porta do meu destino. Volta sorridente para trás, talvez com a sensação de ter feito a sua boa acção do dia.
A muito custo e com a simpatia de algumas pessoas, consigo fazer a compra automática do bilhete de metro, e seguir para o cais de embarque na correcta direcção. As pessoas entram e saem como autómatos, atentas somente ao equipamento electrónico que transportam. A viagem dura pouco tempo. Procuro a placa de fundo amarelo com o número 2 a preto, pois é esta a porta de saída segundo o meu guia. Fácil.
A ansiedade é tanta que subo instintivamente as escadas que rolam devagar e sem pressas. Um barulho ensurdecedor de música e de vozes ecoam nos meus ouvidos.
Sou recebido por centenas de homens e mulheres fardados, de capacete, bastões de borracha e escudos protectores transparentes.
Quase desmaio de susto.
É a polícia municipal que se encontra espalhada por todo o quarteirão. Sinto um ligeiro desconforto, pois não sei o motivo da presença massiva das forças da ordem coreanas. Contudo, sigo a direcção da música que voa livremente pelo ar. Para meu entusiasmo consigo assistir à cerimónia colorida do render da guarda em frente a uma das portas monumentais do Palácio Imperial que pretendia visitar. Algumas dezenas de pessoas a assistir, mas poucas as que prestavam atenção ao que se estava a desenrolar. Depois de terminada a cerimónia, compro o bilhete de entrada que custa a módica quantia de € 1,00.
Entro e dou por mim num grande espaço arborizado e de jardins floridos, extremamente bem cuidados e limpos. O Palácio Deoksugung cuja tradução quer dizer o Palácio da Longevidade Virtuosa. Um nome bem poético e habitual nos países do extremo oriente e do sudeste asiático. É um local muito importante na história da Coreia, Aqui foram coroados dois imperadores, aqui eram recebidas as embaixadas estrangeiras e foi aqui que mantiveram prisioneiro o último dos imperadores coreanos. Construído não só em estilo tradicional Coreano mas também em estilo neoclássico ocidental é constituído por diversos pavilhões dispostos segundo a tradição Feng-Shui. Muito pouco tem para ver, já que foi incendiado e pilhado pelos japoneses nas suas diversas incursões neste país. Extramuros ouço pessoas a gritarem palavras de ordem. Parece uma grande manifestação.
Prossigo com as minhas visitas com a ida ao Museu de Arte de Seul. Aproximo-me cada vez mais das vozes. Rio, a bom rir quando reparo, para meu espanto que não são mais de uma dezena de homens, quase todos com idade para não se meterem em confusões. Todos de megafone e punho fechado. Gritavam palavras de ordem indecifráveis que vim a saber tratar-se de um protesto por causa do aumento da taxa municipal das águas. Sigo alameda fora junto ao muro em pedra cinzenta.
Chego à praceta onde se encontra o Museu de Arte da cidade. As boas-vindas são dadas através de um colorido e gigantesco ramo de flores. Escultura contemporânea colocada no meio do espaço ajardinado dianteiro ao museu. Num ápice retorno à Europa. O edifício que tenho diante de mim é todo construído em tijolo burro vermelho ao estilo da arquitectura industrial norte-europeia (Alemanha, Polónia e Reino Unido). Faixas coloridas cobrem parcialmente a fachada anunciando uma exposição temporária dedicada a Gauguin.
Entro. Verifico que o austero rubro do exterior não corresponde à leveza e luminosidade com que reconstruiram o seu interior.
Sou atendido sorridentemente por três jovens que me dizem que a visita é gratuita, à excepção da exposição temporária dedicada ao mestre francês. Sou de imediato invadido por papéis distribuídos pelos três pares de alvas mãos. Plano do museu, brochuras sobre os artistas e sobre as exposições de arte moderna visitáveis e muitos, mesmo muitos panfletos policromados sobre os diversos eventos em curso na capital coreana,
Pensava que me poderia surpreender a arte contemporânea coreana, mas é igual a toda que se faz por esse mundo fora. Desconcertante e sem interesse. Saio contudo com a sensação de dever cumprido.
Passeio-me na praça de Seul – Seoul Plaza, local onde se realizam diversos eventos culturais e onde se encontram os dois belíssimos edifícios da Camara Municipal, um em estilo nitidamente de influências ocidentais, mais concretamente inglesas victorianas e outro feito em aço e vidro que faz lembrar uma onda gigante. Parece um tsunami que vai engolir o anterior. A polícia já se desmobilizou na quase totalidade.
Acendem-se as primeiras luzes sinal de que a noite não tarda.
Apresso-me para que a escuridão, não me desoriente e consiga chegar ao hotel. Isto depois de comer um ligeiro hambúrguer num enorme centro comercial bem pertinho do hotel.
Já com a noite instalada neste canto do mundo, verifico para minha surpresa que o movimento de pessoas que se passeia no pequeno jardim Yoido ou que caminha em direcção às margens do rio Han, ponto de encontro para diversas festas populares que pululam ao longo de vários quilómetros de passadiço de cimento, é enorme!
Subo as escadas do hotel, entro no quarto e preparo-me para uma noite em vale de lençóis e no meio de um edredão de penas.
A minha primeira noite de repouso.
Amanhã será um outro dia nesta cidade renascida das cinzas da guerra.
Obs: Podem ver as imagens referentes a este capítulo do “Diário de Bordo”, em http://photoluisreina.blogspot.pt/.
PS: A pedido do autor, e ao abrigo do 5.º ponto do Estatuto Editorial do “Etc e Tal Jornal”, este artigo foi escrito de acordo com a antiga ortografia.
01-mai-14
Obrigado Carla…vamos tentando fazer alguma coisa e fico contente que tenhas gostado das fotos.
Bjs
Luizinho,
E mais uma vez eu me senti percorrendo essas rua, apanhar o metro e quase sento esse abraçar do braço…
com que magia nos fazes tua viajar… quase senti o cheiro das ruas e o aconchego do teu quarto na hora do descanso…
Obrigada por mais este pedacinho de viage..
Adorei as fotos
Bjnhs
Olá Elvira.
Já falta pouco já estou com o de Julho quase pronto. Fico contente que além do texto tenhas gostado das fotografias.
Bj grande.
Olá Luís!
As fotografias estão fantásticas!…Eu, como sempre, viajei contigo em pensamento. Senti todos os pormenores do teu belo dia de viagem. Parabéns pela leitura e fotografia.
Fica bem,
Fico á espera do próximo.
BJS
Obrigado Aurora…até ao final desta epopeia vou continuar, depois vamos ver. Bjs
podes continuar!! 🙂 muitos parabéns!Q
bjnh