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Daehan Minguk – Viagem ao País do Sul

Luís Reina

 

Capítulo IV

Luz

 

13 de Setembro

Seul/Suwon/Seul

 

Uma luz brilhante e intensa entrou repentinamente pelo meu quarto, iluminando-o. Seguiu-se um estrondo. Tudo estremeceu.

Dou um salto na cama. Estremunhado e tonto, pergunto a mim mesmo o que se está a passar? Não me digam que se instalou a guerra no país!

Desloco-me até à janela à procura de uma resposta. Fico pasmo com o que se está a passar. Uma tempestade como nunca vi igual. Chuva, trovoada e um vento forte que leva tudo pelo ar. Parece que o hotel está no meio de um anticiclone. Ainda são cinco da manhã. Rezo para que a bonança se instale, senão vai arruinar o primeiro dia de visitas. Volto a estender-me na minha “king size bed” mas já não consigo descansar mais, devido ao ribombar ensurdecedor dos trovões.

Observo atentamente e ao pormenor o meu aposento. Feito à medida do luxo e tamanho americano, porém, no que diz respeito aos detalhes de construção é feito à dimensão chinesa. Uma sucata só. Entretenho-me a ler e a preparar as visitas agendadas para o primeiro dia, para passar o tempo. Quando o telemóvel toca o alarme para despertar já estou pronto para o pequeno-almoço.

Desço. Quando chego à sala vejo que o efeito da trovoada se fez sentir em todos os hóspedes do hotel. À minha volta rodopiam apressadamente, chineses, coreanos e talvez japoneses. Não os consigo distinguir. Para mim são todos iguais. A destoar desta manta de retalhos asiática somente eu e alguns dos restantes participantes nesta aventura pelo extremo oriente.

O pequeno-almoço, buffet, é feito quase todo ele a pensar nos povos asiáticos. Sopa de noodles, carne estufada com montanhas de malagueta, muitos vegetais a boiar em molhos agridoces, yogurte líquido coreano, chá de arroz (com um cheiro intragável que me fez logo desistir de o provar) e pouco mais. Sirvo-me de um sumo de laranja, cheio de conservantes e corantes que me vão desequilibrar a minha dieta, uns pedaços de ananás e algumas líchias, doces e sumarentas por sinal, um ovo cozido e três fatias de pão, tipo forma, com uma compota que não era nada má. À falta de chá verde, optei pelo chá preto.

Encaminho-me para o átrio de entrada.

O grupo de fumadores encontra-se todo reunido. Ouço, sem dar grande importância nem relevância, o relato que Anne e Brigitte fazem. Tiveram problemas na tarde passada quando passeavam pelo parque Yoido. Foram abordadas pela polícia, pois estavam a fumar em público. Só não acompanharam a autoridade coreana por se tratar de turistas desconhecedoras da lei. Contudo ficou-lhes a advertência. Mulher não fuma em espaço público neste país.

Eis que vejo o guia do outro autocarro a aproximar-se.

Acompanha-o um outro homem, bem mais baixo e bem mais forte. Cabelos cor de azeviche e olhos cor de mel que se escondem por detrás de um par de óculos Ray-Ban. Nariz arrebitado. Conversam animadamente. É o nosso guia – Étienne.

A chuva recomeça a cair, desta vez bem mais forte, bem mais pesada.

Começamos o circuito por terras do país do sul – Daehan Minguk.

O mini bus dirige-se para sul, para fora dos limites da capital, mais concretamente para a cidade de Hwaseong, também conhecida por Suwon.

Até lá chegarmos, são 48 quilómetros de conversa sobre a Samsung – cuja tradução quer dizer “Três Estrelas”. Estrelas de luz brilhante e intensa, que abriram as galáxias tecnológicas deste mundo contemporâneo. Mais do que impor uma marca, o seu presidente construiu um país. Apesar do importante papel que representa para a economia da Coreia do Sul, as pessoas aborrecem-se ao fim de pouco tempo.

A primeira paragem é na Aldeia Folk Coreana.

Estas aldeias, construídas ou reconstruídas, multiplicam-se por todo o país, algumas delas merecendo mesmo o título de património mundial da humanidade. São lugares idílicos, onde a arquitectura e arte milenares deste povo oriental se transformam numa universidade aberta de aprendizagem dos costumes e tradições coreanos. Miúdos e graúdos acorrem a estas atracções públicas com grande afluência.

A de Suwon encontra-se nas margens de um riacho de águas barrentas no meio de uma floresta verdejante e tropical. São edifícios construídos meticulosamente e ao máximo pormenor. São representativos de todo o país, de diferentes épocas e de diferentes séculos.

Começamos pela casa do farmacêutico, onde aprendemos um pouco sobre a medicina tradicional, de certa forma igual ou parecida a tantas outras que se praticam nesta zona do planeta. Prossegue com a casa de uma família rural onde é explicado o papel da mulher no seio familiar e social. Um papel deveras restritivo. A visita decorre a uma velocidade de tal maneira alucinante, que quase nem dá tempo para respirar o ar húmido e quente que nos rodeia.

Ouvem-se sons ao longe. Trovoada! Não, são sons de percussão! É uma correria até à praça principal da aldeia para podermos assistir a um fabuloso espectáculo tipicamente coreano. Um espectáculo de percussão, o qual já tinha tido a feliz oportunidade de assistir numa qualquer exposição universal visitada. Sem dúvida o ponto alto desta visita.

O tempo voa e, embora muito fique por ver, aceleramos o passo pois rapidamente chegamos à hora do almoço, que será num dos restaurantes que se encontram à entrada da Aldeia Folk. Altura para degustar pela primeira vez a gastronomia coreana, por sinal excelente.

Vários pratinhos com diversas qualidades de vegetais, cozidos ao vapor, ou envoltos em molhos agridoces e picantes, melhor dizendo extremamente picantes, ou ainda as tempuras introduzidas pela mão dos japoneses, mas que são bem portuguesas. Apesar de hoje em dia conhecermos melhor as comidas fast food, decerto se lembram dos “peixinhos da horta”, a verdadeira tempura portuguesa. Também um elemento preponderante na cozinha coreana e que é um verdadeiro pitéu gourmet – medusas. O prato principal é, nem mais nem menos, do que o prato nacional – Bibimbap. Vegetariano, mas muito bom. Dele consta arroz branco (a base de toda a comida asiática), cinco diferentes géneros de vegetais, cada um com a sua cor, encimado por um ovo escalfado na fumegante caçarola de terracota, que lhe dá um sabor especial. Mistura-se tudo e cá está um prato gostoso e simples para se comer com pauzinhos. É que talheres na Coreia, mesmo nos melhores restaurantes é praticamente impossível de se ver. Sobremesas é outra parte da refeição que coreano desconhece, pois não perdem muito tempo à mesa. Para quem quer, gratuitamente, pode regar a refeição com um café bem quente de máquina. Esta é uma das surpresas, pois este deve ser o único povo da Ásia que não bebe chá. O hábito do café foi introduzido pelos americanos. Saímos com a sensação de que nada comemos, pois as porções são tão pequenas que nem bebé engorda.

A chuva recomeça a cair do céu coberto por nuvens negras. Fortemente.

Dirigimo-nos para as Muralhas da Fortaleza de Suwon, uma miniatura da grandiosa muralha da China, mandada construir no século XVIII. Hoje é património mundial da humanidade. A rodearem-na extensos relvados e imensos jardins muito bem cuidados. Uma breve explicação, tempo para uma meia dúzia de fotos e só temos tempo para correr escadas acima da porta sul, também ela torre de observação de seu nome “Paldalmun”. Com algumas escorregadelas e pequenas quedas pelo meio, pois a chuva cai torrencialmente.

Apesar do tempo intempestivo, a luz que desce dos céus é extraordinária, a vista lá do alto é “magnifique”, palavra que nos cansamos de ouvir, pois era o único vocábulo que o nosso guia sabia…tudo para ele era magnífico, nem que deixasse muito a desejar… Presos na torre à espera que viesse a bonança, que não veio, tivemos direito a um show de cânticos em coreano e francês pelo nosso guia, pois até já cantou para muitos milhares de pessoas. Certamente nunca ouviram uma boa voz…os risos de escárnio dos restantes membros do grupo diziam por si só tudo o que se passava nas suas mentes. Eu, muito sinceramente, entretive-me a fotografar as pinturas de dragões e de fénix dos tectos da torre.

Como o tempo persistia invernoso, a visita foi mesmo cancelada. Frustrante. Com as pessoas decididamente decepcionadas, amenizaram a decisão fazendo umas paragens, diria obrigatórias, nos pontos mais emblemáticos da muralha. Com isto o programa do dia foi alterado e seguimos de novo em direcção à capital para vermos o excelente Museu Nacional da Coreia.

Até chegarmos às escadarias de acesso ao interior do museu, caminhamos por veredas que contornam jardins verdes de esperança numa paz que queremos eterna, pontuados por arco-íris floridos. E sempre a água presente, muita água. Pequenas cascatas que desaguam em lagos transparentes que refletem a imponência de um edifício contemporâneo, todo ele feito em vidro e mármore branco. Tão branco que reflete intensamente os raios de sol dourados que rompem as nuvens negras de um tempo que parece teimar em estragar-nos este início de viagem. Entramos entusiasmados.

O interior, todo ele, é feito de luz. Luz natural proveniente das gigantescas claraboias de vidro, que iluminam o interior branco. Aqui se guardam tesouros, de valores incalculáveis, que escaparam à fúria sanguinária dos invasores que periodicamente invadiram este pedaço de terra que diziam ser sua. Artefactos arqueológicos, estatuária, joalharia, mobiliário e porcelana. A belíssima porcelana branca característica deste país, de seu nome “celadon”. Grande é o acervo deste museu que gostaria de explorar por mim próprio, ao meu ritmo. Mas na Coreia, sê Coreano. Tudo tem que ser feito rápido, tudo tem que ser “pili-pili”…

Ao bater das 17h30 dá-se por terminada esta visita. Quando saímos quase me apetece gritar a plenos pulmões o refrão da canção do Sérgio Godinho, “Hoje soube-me a pouco…”.

Para final de tarde, já sem chuva, um breve passeio pela rua comercial mais importante de Seul. Não sei porquê, mas veio-me à ideia a minha cidade, o meu Porto. Lembra-me a Rua de Santa Catarina. Uma rua pedonal com um movimento excessivo de pessoas, que se acotovelam para poderem passar. Aqui neste sombrio dia de inverno, as poças de água acumuladas no chão, reflectem os néons que se começam a iluminar. Muitas são as lojas de calçado e de roupa, algumas de objectos decorativos, com especial destaque para as tradicionais porcelanas. Essencialmente muitas lojas de chineses. Uma chinesada geral. É, aqui nesta rua, que às 19 horas nos vemos sentados num restaurante fast food coreano, todo ele pintado a cor de laranja, com vista para a rua, que jantamos. Da ementa, os sempre apreciados “raviólis asiáticos”. Uma comida, uma vez mais, vegetariana e bem picante. Muita fome para combater já que a quantidade deixa mesmo muito a desejar. Realmente nem é preciso fazer muita dieta neste país onde tão pouco se come.

Regressamos ao hotel antes da última saída do programa. Uma saída nocturna para ver um espectáculo musical. Ficamos a saber que Seul é a terceira cidade mundial, a seguir a Nova Iorque e Paris com mais espectáculos musicais em cena.

Antes de pedir a chave do quarto, sou informado pelo guia que tiveram de fazer uma pequena mudança, mas que todos os meus pertences já se encontram no novo compartimento, pelo que teria que verificar que nada me faltava. Assim, o meu ninho de sonhos, estaria localizado no último andar do hotel e desta feita com vista para a zona norte de Seul e para o rio que a atravessa. Fico contente, mas quando abro a porta do meu novo alojamento fico estupefactamente surpreendido. Nada mais, nada menos, dou por mim numa das suítes do hotel. Isto sim é luxo! Veio-me à memória uma troca semelhante no Algarve, no Hotel Vilalara, só que nessa altura por motivos diferentes. Sorri com a lembrança. Preparo-me e saio de seguida sem tempo para respirar o ar do novo local de descanso.

Seguimos para o teatro.

Entramos pelas traseiras do edifício onde o mesmo fica localizado. Uma travessa sem luz, cheia de lixo e um cheiro nauseabundo. Subimos umas escadas de cimento. Pareciam que tinham sido bombardeadas minutos antes e entramos no primeiro andar onde se encontrava um centro comercial atafulhado de bancas de madeira e caixotes onde se encontrava a mercadoria. Autenticamente terceiro mundista. Subimos no elevador, forrado a contraplacado até ao quinto andar, onde se situa o teatro. Um pequeno teatro onde tempos idos se localizavam escritórios.

Estava completamente abismado. Para completar a estupefacção, a peça musical não era a mesma que estava prevista, nunca nos tendo sido dada uma explicação da alteração. Um musical jovem sobre a vida. Vida feita de amores e ódios, de encontros e desencontros. Muita luz, muito movimento e muito ritmo, com um grupo de novas vedetas da canção pop deste país, onde penso fazerem furor, tendo em conta as reacções de um público extremamente jovem que se encontrava a assistir ao espectáculo. Tudo acaba com uma luz branca a inundar o teatro, seguido de um estrondo de vários fogos-de-artifício brancos que caíam em chuva de estrelas sobre os actores.

O dia acabou surpreendentemente como começou. Com luz.

 

Para verem as fotografias relativas a este capitulo é favor consultarem o meu blog http://photoluisreina.blogspot.pt/

 

Obs:A pedido do autor, e ao abrigo do 5.º ponto do Estatuto Editorial do “Etc e Tal Jornal”, este artigo foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

 

 

01-jun-14

 

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11 Comments

  1. Anónimo

    Obrigado Bi. Uma das minhas leitoras fiéis desde o primeiro dia.
    Espero mesmo que não te tenha assustado muito pois o próximo vai ser mais aterrador.

    Bj grande

  2. Elvira

    Olá Luís!

    Chuva, trovoada e muito vento. Um dia negro… Por breves momentos, até eu me assustei um pouco. Contudo, senti-me a viajar a teu lado…

    As fotografias estão lindas!
    Obrigada Luís, por partilhares mais um dia maravilhoso.
    Fica bem. BJS

  3. Anónimo

    Obrigado Carla e Teresa. Viajar é bom, seja efectivamente uma viagem presencial, infelizmente tem a possibilidade de a fazer, seja através das palavras, da fotografia ou outra qualquer arte. Para mim esta é a mais importante pois só aí podemos ver o quanto conseguimos transmitir e despertar os sentidos dos que não conhecem.
    E vocês com a vossa sensibilidade conseguem ouvir a música, imaginar e sentir os gostos e odores que vos transmito através da escrita.
    O próximo vai ser em género de triller. com um pouco de suspense à mistura. Esperem. Bjs.

  4. Anónimo

    Pois é Teresa e Carla…A chuva vai continuar, aflições, outros sabores e muita luz nesta viagem à Coreia.
    Esperem pelo próximo em genero de triller. com um terminus em suspense ao estilo de Alfred…..

  5. Carla Ribeiro

    Luis como sempre fui na tua viagem, senti.me repousar nessa king size bed, chegueia ter medo da tempestade e tapei a luz com a almofada…
    quase senti o cheiro do pequeno almoço e me ri da figura do guia…
    senti-me dançar entre as cores as melodia… seguindo o teu caminhar…
    Obrigada por mais uma maravilhosa viagem.
    Bjnhs

  6. Maria Teresa Baptista Fernandes

    Hoje tive tempo para atentamente ler tudo até ao fim. Gostei…viajei e no fim sorri porque tinha luz. Depois da tempestade vem a bonança, diz o ditado muito sabiamente e depois de um dia tempestuoso a luz venceu. Obgda Luís pela viagem.

  7. Anónimo

    Obrigado aos dois Pereira Lopes e Clara. O intuito destes diários de bordo é precisamente fazer viajar as pessoas.
    E também informar acerca de outras culturas e outros povos.
    Os costumes e tradições de outros países é importante para percebermos o que temos de bom e o que há a melhorar. E isto depende tão somente de nós.

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