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Daehan Minguk – Viagem ao País do Sul

Luís Reina

 

Capítulo VI

 

Rumo ao Sul

15 de Setembro

Jeonju / Gwangju / Boseong

 

Sete e meia da manhã.

Acordo com o som do alarme do telemóvel. Som irritante para quem se encontrava a dormir profundamente. Estremunhado quase o derrubo ao chão. Desligo-o o mais rápido que me é possível pois pretendo reservar-me para mais uns breves minutos de preguiça.

Começo a minha rotina diária dirigindo-me à janela para ver o estado do tempo. Para minha grata surpresa a chuva e a trovoada dos dois últimos dias tinham desaparecido. Um denso nevoeiro matinal sobre o rio, não deixa vislumbrar a zona norte de Seul. Esta é uma das condições atmosféricas que pode dar uma boa imagem fotográfica. Penso que será uma boa maneira de dizer um “até breve” a esta metrópole asiática.

Preparo-me rapidamente.

Desço para o pequeno-almoço e fico surpreendido por ser a única pessoa na sala. Sirvo-me. O mesmo menu dos últimos dias e pela última vez. Eu, simplesmente degluto-o rapidamente, tal é a necessidade de sair para fotografar. Penso ainda conseguir ter as mesmas condições atmosféricas observadas anteriormente da janela do meu quarto.

Saio para o exterior.

Sinto uma brisa fresca e húmida a percorrer-me o corpo. Acabo por despertar definitivamente.

Caminho em passo ligeiro, pela rua estreita situada ao lado do hotel, em direcção à margem do rio. Rua, ladeada de árvores verdes, cujos ramos frondosos se fundem, formando assim um túnel natural. Aprazível.

Até chegar ao passadiço pedonal, tenho que atravessar a avenida circundante da zona sul de Seul, mas o tempo é escasso. Atravessar uma avenida nesta cidade, seja qual for a hora do dia, e sem ser nos locais devidos, é sempre uma aventura, já que é grande a circulação de viaturas.

Consigo a muito custo. Nem sei como não sou atropelado.

Entro nos jardins Youido, espaço verde situado junto à margem sul do rio Han.

Este espaço foi construído como área de lazer e prática desportiva. Ainda o dia começou e já se podem ver diversos casais, num abraço cheio de uma vida de privações caminhando juntos até ao fim da linha de uma vida agora tão igual. Gente solitária que devora um livro de uma história que não é a sua. Ciclistas que pedalam rumo a um título que não é o seu. Enamorados que se unem num beijo húmido de uma noite que o nascer do dia findou.

O tempo passou rapidamente. São horas de voltar ao hotel para me juntar aos restantes membros do grupo e darmos assim início a este circuito, partindo rumo ao sul. Contudo, antes da partida, temos a ingrata tarefa de colocar todas as bagagens dentro do mini bus. Assim, é construído um muro colorido, sem amarras nem arames farpados, que cobre no entanto toda a visão dianteira do veículo e consequentemente da paisagem. Mais parecemos saltimbancos do que turistas.

O autocarro circula moderadamente por entre avenidas e becos, por entre ruas e vielas, com mestria. Este motorista experiente, é a garantia de viajarmos em segurança.

Não ouço as explicações do guia. Estou concentrado a observar e a sentir toda a essência que emana desta cidade. O que mais me surpreende é a existência de inúmeras igrejas cristãs. Crescem por todo o lado como cogumelos. Testemunho disto, é a proliferação daquele que é o símbolo máximo do Cristianismo – a cruz. Vejo cruzes de néon em andares residenciais, outras em ferro forjado em armazéns de tijolo burro, outras ainda, em residências outrora habitadas. Todos os locais servem para o culto religioso.

Saímos da capital.

A Coreia do Sul é um país muito montanhoso.

Esta, é a razão pela qual a nossa viagem no “País do Sul”, será feita na totalidade por auto-estrada. Isto, implica à partida, que todos sem excepção, tenhamos de viajar amarrados às cadeiras aveludadas do mini-bus. Esta notícia acaba por não ser do agrado da maioria dos participantes, contudo, verificamos posteriormente e com o desenrolar da viagem, ser esta efectivamente a maneira mais confortável e rápida de deslocação.

Depois de dois dias a ouvir incessantemente elogios sobre as grandes marcas coreanas – Hyundai e Samsung, particularmente esta última, a narrativa muda consideravelmente. Posso dizer que muda para pior, já que somos forçados a ouvir a empolgada vida feita de aventuras e desventuras, amorosas e não só, de um coreano em França de nome Étienne, o nosso adorado guia.

Se estes contos são o delírio para alguns, a maioria sente um grande desconforto. Fico sem paciência para este atentado à cultura que nos dispusemos conhecer. Entretenho-me a ler o meu guia de viagem para que as horas custem menos a passar.

Parámos.

Que bom poder caminhar um pouco e desentorpecer as pernas. Pelo menos por uns breves vinte minutos, deixo de ouvir a tagarelice narcisista do guia. Segundo as suas próprias palavras, é considerado o melhor guia coreano de língua francesa do país. Como bom português, dou por mim a citar aquele provérbio bem conhecido de que “presunção e água benta, cada um toma a que quer”.

A área de serviço é enorme.

È a loja de música que me chama a atenção.

Por um momento, pareço que estou num estádio de futebol a assistir a um concerto daquele que é considerado o cantor mediático do país – PSY. Música em alta voltagem saída dos inúmeros plasmas voltados para o parque de estacionamento e seguidos atentamente por dezenas de jovens completamente viciados, dependentes do seu ídolo.

Um pequeno mercado enche-se repentinamente.

As pessoas falam alto. Quase que posso dizer que gritam. Gargalhadas estridentes soltam-se das bocas de novos e velhos todos eles apressados por saírem do local o mais rápido possível. Desisto de comprar uma garrafa de água.

No comprido e enorme restaurante começa a preparar-se o almoço. Encontra-se vazio.

Dirijo-me à casa de banho.

Limpeza imaculada. Pode mesmo comer-se no chão. Paredes e portas decoradas com fotografias de grande formato que mostram as belezas deste país. Mal alguém acabe de fazer as suas necessidades fisiológicas vem um empregado de limpeza de imediato limpar e desinfectar o local. Impressionante.

Quando saio, alguém enlaça o seu braço no meu. É Annie. Convida-me gentilmente para tomar um café ou um chá. Aceito de bom grado pois ainda faltam algumas horas para o almoço. Tempo para uma rápida troca de impressões, melhor dizendo “coscuvilhices”, não de todo satisfeitas pela minha parte. Lá se contentou.

A viagem prossegue, exactamente igual ao seu início.

Observo atentamente a paisagem por onde passamos. Sem dúvida muito montanhosa e verde. Monotonamente verde. Reparo em centenas de “iglôs” verdes, nas encostas das colinas. Acho estranho estas formações, penso que são naturais. Contudo não me apetece questionar o guia. Tento procurar no meu guia de viagem algo que me satisfaça a curiosidade, mas sem efeito. A resposta viria contudo dias mais tarde.

Chegamos ao nosso primeiro destino – Jeonju.

Descemos do autocarro precisamente na linha de fronteira entre a cidade moderna e a cidade antiga. Conhecida localmente por Jeonju Hanok Maeul que quer dizer – Jeonju a aldeia (Maeul) de casas Hanok, esta é a cidade sul coreana com maior concentração de habitações deste género. As habitações de madeira, tipicamente coreanas.

Temos hora e meia ao nosso inteiro dispor. Fico contente com esta notícia. Decido conhecer o mais possível desta aparentemente simpática cidade. Agregam-se a mim o casal de amigos da Itália e Sardenha, bem como o benjamim do grupo – Anthony.

Começamos por ver o que resta da fortaleza de Jeonju, a porta – Pungnam-mun, a única de quatro outrora existentes. Esta porta é mais um dos belos exemplares da arquitectura militar deste país. Arquitectura característica da dinastia Joseon, que aqui nasceu. Apesar de não ser tão imponente como a de Seul, encontra-se também ela muito bem preservada.

Seguimos para o centro histórico da cidade.

Ouvimos ao longe o rufar de tambores. Apercebemo-nos de uma grande concentração de pessoas, efusivas e entusiastas, em frente a Gyeonggijeon, o palácio imperial hoje transformado no Museu Real de Retratos. Que se estará a passar? Assistem a uma magnífica exibição de artes marciais; Karaté, Kung-Fu e Tai-Chi. Como praticante desta última modalidade, retenho-me até ao final. Nem dou pelo tempo passar. Acabada a demonstração, proponho-me visitar o Palácio Imperial. A muito custo convenço o Anthony a acompanhar-me. É difícil um francês gastar dinheiro extra em visitas culturais. A visita foi feita a passo de corrida, melhor dizendo a passo de Anthony. Com muita pena minha, pois neste recinto respira-se paz e tranquilidade. Rodeado de uma pequena floresta verde, está totalmente isolado do mundo exterior.

O plano urbanístico da cidade antiga de Jeonju está edificado em quadrângulo, fazendo-me lembrar a nossa baixa pombalina de Lisboa. Aqui se situam as hanok, hoje transformadas em centros e galerias de arte, lojas de artesanato e muitos, mesmo muitos restaurantes. Poucas são usadas como residências embora as haja.

Voltamos ao ponto de encontro. Tempo para ainda poder ver a Igreja Católica Jeondong mandada erigir por um missionário francês no local onde foram executados católicos coreanos. Nesta igreja podemos ver bonitos vitrais do século XVI oferecidos pelos franceses.

Dirigimo-nos a pé para a cidade nova, onde irá decorrer o almoço.

Ao caminharmos ao longo das ruas verifiquei que o comércio se encontrava todo fechado. Não se via vivalma. Lembrei-me então de repente que era Domingo.

Entramos numa porta de alumínio pintado e descemos para a cave por umas escadas estreitas e sem luz. Horrível, pensei. A pequena sala do restaurante, embora pequena, era acolhedora. Mesas de quatro pessoas, com toalhas floridas em tons verde e rosa. As pessoas começam a juntar-se em grupos, conforme as suas maneiras de ser. Fiquei com os mesmos companheiros que me acompanharam nas visitas matinais.

Foi servida uma parca refeição vegetariana. Devorada ávida e rapidamente pelo companheiro italiano que pensava ser ele a única pessoa à mesa.

O tempo de descanso é fugaz.

Seguimos para a primeira visita do dia – O Instituto do Papel Coreano de Jeonju, onde se situa o Museu do Papel.

Uma visita que deixou um sabor amargo em todos os franceses, já que a visita guiada é feita totalmente em inglês. Reclamações do início ao fim…

Uma viagem virtual sobre o aparecimento da escrita e do papel, desde as antigas civilizações até aos nossos dias. O aparecimento e a importância do papel na história coreana da segunda sala do museu. O papel e as tecnologias de ponta que me deixou verdadeiramente assombrado com o que vai aparecer no mercado internacional daqui a uns anos (ficção científica pura e simplesmente) e uma exposição infantil dedicada ao papel.

Finalizamos com as mãos na água. O mesmo será dizer que todos nós fizemos uma folha de papel à maneira tradicional. Folha com um carimbo de certificação à espera de melhores dias para ser pintada e posteriormente ser colocada no meu álbum de viagem.

No final todos saímos contentes e felizes, cheios de sacas com artigos de papel comprados na estupenda loja do instituto. Os preços são um verdadeiro saldo.

Como o tempo galopa velozmente, coloca-se em dúvida se vamos chegar a tempo para a última visita deste Domingo – o Museu Nacional de Gwangju. O autocarro parece que voa, embora dentro dos limites impostos à circulação. Até nos esquecemos de colocar os cintos de segurança, para que mal a nossa casa ambulante parasse, saltássemos para o exterior como cangurus.

Numa primeira impressão ficámos deslumbrados com o museu.

Uma escadaria em mármore branco liga o portão exterior à porta principal do museu, no centro da qual corre vagarosamente um riacho de água límpida em cascatas, nas margens do qual árvores e flores dão uma frescura que se impõem em dias quentes de estio.

Ao cimo, majestosamente construído, fica o edifício completamente branco e telhado negro. O Yin e o Yang. As arquitecturas ocidentais e orientais unidas fraternalmente. Um espaço que abriga um dos mais importantes acervos museológicos do país a seguir ao Museu Nacional Coreano já visitado.

Pena que o tempo fosse pouco para sentir a beleza dos objectos em exposição, como os mesmos mereciam. Mesmo assim ficamos com uma ideia bastante alargada da arte e história desta região.

Contudo para mim esta visita foi muito importante, além dos conhecimentos adquiridos, também consegui estabelecer um paralelismo entre os museus da Coreia e dos museus da Europa em particular de Portugal. Assim sendo, a capital não é o depósito da arte e arqueologia de todo o país. Cada zona tem o seu museu nacional para onde são dirigidas todas as peças que fazem parte do espólio histórico de cada província, de cada região.

O sol baixa rapidamente e da luz do dia se faz o crepúsculo que antecede a noite.

Jantamos em Gwangju, naquela que foi uma das melhores refeições de todo o circuito, um rodízio à coreana, excelente e saboroso, cozinhado numa grelha fumegante colocada no centro de cada uma das mesas.

Restaurante de luxo para finalizar um dia cansativo de uma viagem.

A etapa terminal deste dia tinha como destino a região das plantações de chá – Boseang, para pernoitar no Hotel Mudeong Park.

Um hotel que nos espantou ao entrarmos pela porta basculante.

Deixou-nos a todos embasbacados com o luxo asiático. Mas, será que o luxo que vemos corresponde ao mesmo serviço de qualidade esperado?! Será que a noite não vai trazer algumas surpresas?!

A viagem rumo ao sul vai continuar.

 

Para verem as fotografias relativas a este capitulo por favor consultem o meu blog http://photoluisreina.blogspot.pt/

 

Obs: A pedido do autor, e ao abrigo do 5.º ponto do Estatuto Editorial do “Etc e Tal Jornal”, este artigo foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

 

 

 

01-set-14

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