Celina Parente (leitora)/Tribuna Livre
Os filhos casam, constroem família e laços nas grandes cidades, uma vez que são estas que oferecem maior oportunidade de trabalho.
Nas aldeias fica uma população envelhecida, uma população que trabalhou e sonhou gozar a reforma no lugar onde vingaram as suas raízes. O isolamento torna-se maior.
Sonharam talvez um fim de vida tranquilo, perto daqueles que criaram e chamaram seus (seus filhos, seus netos). Sabe-se hoje que a emigração cresce a cada dia na luta por um futuro melhor, a quase regra que antigamente se respeitava, de que havia sempre um filho que ficava em casa, hoje deixou de ser válida. Culpa dos filhos ? Direi que não, direi que é culpa de um governo que a cada dia corta as asas a quem quer voar em direção a um futuro digno.
Depois, existe o isolamento, à medida que os passos se tornam mais lentos e curtos, sabendo-se que nas aldeias, os supermercados são escassos, em alguns casos inexistentes, os Centros de Saúde localizam-se em cidades vizinhas.
E como e com quem se deslocar esta gente (população idosa e sozinha)?
A reforma serve apenas para sobreviver e não permite o luxo de andar de táxi, muitas vezes nem permite a compra de medicamentos, a saúde impede de trabalhar os campos e cultiva-los… morrem assim lentamente, longe de tudo e invisíveis aos olhos de quem passa.
As câmaras municipais ofereceram mini autocarros às freguesias, tendo estes gravados em letras grandes o seguinte ”ao serviço da população” pois bem, em mais de uma freguesia tive conhecimento que este transporte funciona com uma espécie de regulamento do mesmo género que os autocarros públicos (hoje já inexistentes nas aldeias mais pequenas) existe um local de encontro, um horário e uma data, a minha questão é – quem tem mobilidade reduzida como faz para chegar à tal paragem ?
Das duas uma, ou faz um esforço (aqueles que conseguem) ou então, não usufrui de tal.
Existem também os que andam em « contra mão », precisam do serviço da carrinha para se deslocarem a um Centro de Saúde, ou hospital, pagam uma tarifa exigida pela Junta de Freguesia (sendo esta ilegal).
Diz o ditado : “Quem precisa sujeita-se! “
Chegam as alturas dos votos e eventos a favor de políticas ou interesses de quem manda, então minha gente, vamos todos lá votar na casinha certa que hoje o transporte é gratuito !
Assisti, no verão de 2014, a um caso que me chocou, numa caminhada por uma aldeia de Portugal, encontrei uma senhora idosa ao portão de sua casa, parei alguns minutos a falar com ela. Esta senhora morava sozinha, o frio e o dia lhe entravam por entre os buracos da porta (em tábuas) do anexo em que vivia, a higiene do local era muito reduzido.
Esta senhora tinha sido empurrada de sua casa para esse tal anexo, pelo filho, ficando este a viver em casa da mãe, juntamente com a esposa.
Dizia a senhora: “eles não querem saber de mim, se preciso de alguma coisa tenho de pedir aos vizinhos. Andei doente, ainda ando, e até pedi a uma vizinha para me comprar uns medicamentos”. Ou seja, esta senhora automedicava-se vencida pela sua mobilidade reduzida, pois as ditas carrinhas, pertencentes à Junta de Freguesia, não faziam transporte a porta de casa. Continuava esta mesma senhora: “Há dias caì e chamei para eles me ajudarem, vieram à janela e deixaram-me ficar caída. Quando faz bom tempo trazem-me uma bacia com a roupa deles para pôr a secar e apanhar. No outro dia eu deixei-a na corda vieram para aqui ralhar porque não a apanhei “.
A Segurança Social teve conhecimento da situação e até hoje quais as intervenções feitas na vida desta senhora? Simplesmente mais um nome numa lista de espera, daquelas que daqui a uns tempos passa a validade e o caso é arquivado.
Ninguém ouve, ninguém vê, mas todos sabem. As freguesias são capas de revista e a Câmara Municipal bem vista porque até distribuiu pelas aldeias transportes “ao serviço da população”.
Falo de aldeias pertencentes do concelho de Viana do Castelo.
Mulher de mãos calejadas
Mulher marcada pelos dissabores
Da vida
Mulher que partiu e repartiu
O pão que trabalhou
Do qual jamais uma migalha
Provou,
Mulher que com um braço
O filho segurou
E com o outro trabalhou, trabalhou…
Mulher abrigo,
Mulher de pés descalços,
escaldados
E feridos pelas pedras ardentes
Do trilho da vida.
Mulher…
Hoje, simplesmente Mulher
Apunhalada pelo vazio,
Mulher, mãe, avó
Mulher todos os dias
Mulher làgrima de nostalgia,
Mulher que depois de uma familia criada
Hoje simplesmente
É chamada mulher abandonada!
Mas Mulher, sempre!
Pensemos no que somos e no que não somos, no que demos e no que não damos… no que foram e no que nos deram.
O tempo passa e com ele leva um pedaço de nós, não pàra e faz-nos avançar à sua velocidade…
Hoje, criancinhas com tudo e todos à nossa volta, amanhã pais … depois avòs… e depois, somos o quê? Ou pensam que somos o quê? Gente!! Gente desde o momento em que nascemos até ao último suspiro que nos adormece.
Como pode o ser humano e aceite e praticado, tanto desprezo, tanto abandono, tanta frieza?… tanta coisa com tantos tantos!
Filhos que apenas esperam os béns e depois… depois, ou os põem porta fora, ou os deixam morrer lentamente entre a solidão e o vazio de quatro paredes.
Como tudo tem duas faces, louvo aqueles que abdicam de uma e outra coisa, os que a cada dia se levantam com coragem, os que escondem com sorrisos as làgrimas, que não choram para não magoar, os que carregam amor nos braços, os que um dia foram amparados na aprendizagem dos primeiros passos para a vida e hoje são amparo e equilibrio dos passos que teimam em falhar.
Os que sabem que a maior herança não està em quatro paredes, uns fios de ouro e alguns terrenos, mas sim nos braços que o abraçaram, no coração que o amou e ama, nas mãos que repartiram !
Vejamos nestes “nossos” idosos a criança que fomos, tenhamos em conta todas as nossas exigências, birras, comportamentos, tudo o quanto fomos enquanto as nossas asas não tinham força para voar… e depois… sejamos humildes o suficiente para compreender tudo o quanto de nòs suportaram, as vezes que tiraram da sua boca para alimentar a nossa.
São gente, deram-nos identidade, se não merecerem muito, merecem o bàsico, respeito e dignidade.
Sejam nossos familiares, amigos e até desconhecidos, são uma història, representam uma luta, merecem o chão que pisam e não são trapos nem restos!
Uma lágrima perdida
Um dia encontrei uma lágrima,
Perguntei-lhe de onde vinha,
Ela respondeu-me que vinha de
Um olhar sem cor,
Saída de um coração ferido,
Derramada sobre o rosto enrrugado
de uma avó
Que um dia os filhos criou
E os netos alimentou…
Mas hoje,
Hoje é simplesmente uma velhinha
Esquecida ao amanhecer
E deixada na solidão da noite.
Fotos: Pesquisa Google
01mar15
se eu vos contasse as coisas que sei…Tento apagá-las da minha memória mas elas voltam mais fortes e mais nítidas.Talvez seja velhice e cansaço e raiva e medo do amanhã.