O edital afixado na Capitania do Porto de Aveiro em que se pode ler que a pesca da enguia está proibida da Ponte da Varela para norte até ao canal da ria de Ovar, surpreendeu alguns dos proprietários de embarcações que durante muitos anos se dedicaram à pesca da enguia e ultimamente têm sido alvo de exigências legais que limitam a sua atividade à obrigatoriedade de faturarem o valor igual ou superior ao salário minino nacional ou ainda a necessária vistoria das embarcações, como condição para obterem a respetiva licença para poderem pescarem na ria.
Uma exigência que está a dificultar nomeadamente os pescadores que ali procuram um complemento aos seus rendimentos familiares, de poderem obter a indispensável licença por parte da Capitania. Dificuldade legal que tem vindo a fomentar a venda das embarcações ou mesmo a mudar por cerca de 200 euros o registo da embarcação de pesca para embarcação de recreio, uma vez que a própria policia marítima também vem desenvolvendo ações de patrulhamento e fiscalização juntos dos cais da ria sobre as embarcações que se encontram ilegais e que acabam por serem rebocadas pelos botes Zebro da polícia marítima para Aveiro.
No canal da ria de Ovar em que os pescadores profissionais que sobrevivem da atividade da pesca nesta laguna, são em número muito irrisório, contrastando com as comunidades piscatórias da Torreira e outras mais a sul. A proibição da pesca da enguia a partir da Ponte da Varela para norte até ao Carregal em Ovar, representa mais uma significativa dificuldade, já que a pesca só pode ser feita da Ponte para sul, o que agrava os custos de deslocação de quem quiser arriscar na pesca desta espécie que está a ser alvo de medidas de preservação em vários pontos da Ria de Aveiro.
Apesar do desconhecimento que nos foi manifestado por um dos mais regulares pescadores de enguias no canal de Ovar, que perante a dificuldade de vender a sua embarcação nesta fase, se propõe registá-la como recreio. A verdade é que as preocupações com a progressiva redução dos efetivos da enguia em Portugal faz-se sentir nas últimas décadas, tendo sido alvo de um estudo por parte da Universidade de Aveiro que resultou entretanto num Plano de Gestão da Enguia entre 2008-2013 apoiado pela Comissão Europeia.
O Plano referia na altura um parecer do Conselho Internacional de Exploração do Mar (ICES/CIEM) que considerou que a enguia “se encontra abaixo dos limites biológicos de segurança e que a pesca atualmente praticada não é sustentável”. Segundo este parecer o objetivo dos Planos de Gestão é “permitir a fuga para o mar de pelo menos 40% das enguias prateadas que migrariam dos rios, na ausência de atividade antropogénica com impacto na população”.
Garantir futuro às enguias na ria
A proibição da pesca desta espécie no canal da ria de Ovar a norte da Ponte da Varela integra-se no plano de implementação de “zonas privilegiadas para o crescimento natural da enguia”, que incluem ainda a metade sul do canal de Mira, da Vagueira ao Areão, e a parte norte do canal de S. Jacinto. Áreas a serem repovoadas com, «pelo menos, metade da produção de enguia-amarela das pisciculturas. Com esta medida, pretende-se incrementar o stock de enguia nas regiões e melhorar as capturas dos pescadores profissionais licenciados para pescar especialmente nessas zonas”.
Medidas de curto-médio prazo que resultam do trabalho de investigação em toda a extensão da laguna, desenvolvido nos últimos anos pelos Departamentos de Biologia e Química da Universidade de Aveiro a convite do Grupo de Acão Costeira da Região de Aveiro (GAC-RA). Uma parceria de 14 entidades locais, públicas e privadas, liderada pela CIM Região de Aveiro responsável pelo projeto “Enguias da Ria de Aveiro: um ex-libris a preservar”.
Por fim, em dezembro de 2014 no concelho da Murtosa, realizou-se um Colóquio do Grupo de Acção Costeira da Região de Aveiro com o mesmo título do projeto, “Enguias na Ria de Aveiro: um ex-libris a preservar” em que foram aprofundadas as vertentes da biologia, sanidade e pescas, em que foram apresentadas publicamente as conclusões dos trabalhos realizados pela Universidade de Aveiro sobre o projeto considerado de interesse cultural, económico e cientifico da enguia na Ria de Aveiro. Entre as conclusões do estudo realizado destacaram-se diversas recomendações para a gestão da Ria de Aveiro “visando a recuperação da população de enguia e o desenvolvimento de uma pesca que não afete essa recuperação…”.
Ressaltam das conclusões do trabalho da Universidade de Aveiro uma evolução sobre a pesca desta espécie que já há muito é percetível e que teve particular impacto no Canal da ria de Ovar em que se assistiu ao longo dos últimos anos a uma significativa redução de pescadores. Como comprova o estudo da U.A., segundo “a perceção dos pescadores profissionais sobre a sua atividade nas últimas três décadas, em inquéritos a eles dirigidos, verificou-se uma quebra média de captura diária, por embarcação, entre os anos 80, do século passado, e a atualidade, de cerca de 90%. Os pescadores referiram que naquele tempo se pescava 30-100 Kg por noite e por embarcação e que pescavam seis dias por semana. O número de embarcações na faina era muito elevado…”.
Como é ainda concluído pelo estudo da U.A., “o amplo espelho de água que banha a região de Aveiro, comummente conhecido como Ria de Aveiro, não é uma ria, na verdadeira aceção técnica do termo, já que esta é uma entrada de mar por terra dentro, sem influência de rios ou outras correntes de água doce. A Ria de Aveiro é uma laguna costeira estuarina, pois a ela afluem rios, riachos e ribeiros, de modo a que, conjuntamente com eles constitua uma ampla bacia hidrográfica, de mais de 3600 km2. O afluxo constante de caudais de água doce, mais ou menos intensos, ao longo do ano, e a abertura ao mar, através de uma barra definitiva, estabelecida em 1808, faz com que a laguna seja um ambiente natural de excelência para o povoamento por uma espécie migratória, a enguia-europeia (Anguilla anguilla)”.
São assim apontadas como recomendações neste projeto de investigação, considerando o estado da população da enguia em particular na Ria de Aveiro, que, de forma preventiva, sejam mantidas e fiscalizadas as normas legais em vigor, de restrição da pesca comercial da enguia na Ria de Aveiro. Com “manutenção da proibição total da pesca da enguia-de-vidro. Limitar o tamanho mínimo de captura dos exemplares para 22 cm da enguia-amarela e enguia-prateada. Congelar a atribuição de novas licenças para artes destinadas à captura de enguia. Manter o período de defeso (Portaria nº 180/2012, de 6 de junho), entre outubro e dezembro, para permitir a fuga dos reprodutores (enguias-prateada), entre outras medidas que permitam um conhecimento mais preciso sobre as capturas reais da enguia”.
Segundo estas orientações a pesca chamada «lúdica e desportiva da enguia”, em que se incluem muitos dos pescadores que na ria e no canal de Ovar, procuram um complemento ao magro orçamento familiar, são alvo de “proibição total”.
Texto e fotos: José Lopes (*)
Fontes de pesquisa:
htt://enguias.riadeaveiro.pt
https://uaonline.ua.pt
(*) Correspondente “Etc e Tal Jornal” em Ovar
01mar15