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(Exclusivo) No PORTO… 80 POR CENTO dos processos de “APOIO À VÍTIMA” são de VIOLÊNCIA DOMÉSTICA!

Uma realidade que existe. Não é coisa do passado ou de gente mais velha. A violência doméstica, infelizmente, está para ficar. O combate a este flagelo está mais forte, mas ainda se releva insuficiente e ineficaz.

A APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vitima), instituição de referência que lida com estas situações, que este ano comemora a bodas de bronze a “dar voz ao silêncio”, revela, a nível nacional, e de acordo com o ultimo relatório (o de 2014), que se registaram cerca de 33 mil atendimentos, quase 12 mil processos de apoio onde 8889 pessoas foram vítimas diretas dos mais diversos crimes.

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Em âmbito local, no ano de 2014 o GAV (Gabinete de Apoio à Vítima) do Porto “registou 1.886 processos de apoio com atendimentos. De entre estes, foram acompanhadas 1.561 vítimas diretas que foram alvo de 3.756 crimes e ou de outros atos violentos”, isto segundo o Relatório do GAV do Porto de 2014.

Destes crimes, 3009 processos foram de Violência Doméstica direta (maus tratos físicos e psíquicos), o que representa 80 por cento do total de processos. Em 2.º e 3.º lugar na tabela, estão, respetivamente, a Ameaça (2,4%) e a Ofensa à Integridade Física (2.2%). Existe um enorme contraste, onde a Violência Doméstica ultrapassa os três quartos dos processos abertos.

Em relação ao tipo de apoio prestado na GAV Porto, cerca de metade os atendimentos passam apenas por um Apoio Genérico, onde se inclui prestar informações e o apoio emocional. Em 2014 foram prestadas 909 (39 por cento) consultas de Apoio Emocional.

Quando os homens são os principais agressores e as mulheres as principais vítimas…

“Dos 1561 utentes que reportaram crimes ao GAV do Porto em 2014, 82,8% eram vítimas do sexo feminino com idades compreendidas entre os 35 e os 54 anos de idade (22,6%).” É nos casamentos que se encontram a maioria dos casos de Violência, cerca de 40 por cento, seguido das vítimas solteiras, que ainda estavam na fase de namoro, com 15% dos casos registados. Quarenta e quatro por cento das vítimas integravam-se numa família com filhos. Em relação ao agressor, 78 por cento pertence ao sexo masculino, onde 12% têm idades compreendidas entre os 35 e os 54 anos. Um quarto dos agressores encontra-se empregado.

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A APAV e os meios tecnológicos para esclarecer as populações

Ainda existe falta de informação por parte da sociedade acerca dos direitos a que tem direito. Para tentar perceber melhor o que realmente se passa no campo da Violência Doméstica, o “Etc e Tal Jornal” falou com Carla Ferreira, formada em criminologia, e, atualmente, técnica do Gabinete de Apoio à Vitima do Porto. Segundo a nossa entrevistada, uma das melhores formas de o público em geral perceber tudo a que tem direito, é o site InfoVitimas (http://infovitimas.pt).

É dos sites “mais uteis em relação a saber os direitos”. Direitos como a vítima “não se cruzar com o ofensor no tribunal”, “ter uma cópia do registo da queixa-crime, que nem sempre é facultado” e “direito a apoio judiciário, como solicitar um advogado à Segurança Social”. É um site “feliz” e “simples”. Neste endereço pode-se saber o papel de todas as identidades intervenientes e o respetivo papel delas, assim como tem um “quem é quem” durante o processo. “Quem é o magistrado do ministério público e que função é que tem; quem é o juiz e que função é que tem; e até quem é o Tradutor, no caso de vítimas estrangeiras.” Aqui a vítima pode saber o que acontece após apresentar uma queixa e o que podem esperar.

“A violência doméstica em 2015 é a violência doméstica que é desde sempre, mas com uma projeção diferente” diz Carla Ferreira. “Neste momento já um assunto mais abordado, tanto pela comunicação social, como programas de entretenimento. A Violência Doméstica em 2015 é contra as mulheres em maioria (82% no Porto). Existe um maior registo de outras vítimas como homens, e crianças que estão expostas a situações de violência domestica.”

Regista-se uma “discrepância entre o número de vítimas reais e o número de pessoas que vem pedir ajuda”. “É algo muito difícil de inverter”. O combate passa pela “sensibilização das pessoas para não terem vergonha em denunciar, e na criação de um maior número de infraestruturas de apoio” à vítima.

O fator financeiro impede a denúncia? “Sim”. O grande receio das vítimas é pensar como “se vai sustentar”, e existem muitas situações onde “quem traz a maior fatia do salário é o companheiro” e, por vezes, a vítima “é impedida de trabalhar” que é “uma forma de violência domestica”.

Carla Ferreira diz que “o facto de estarmos numa situação de crise económica leva, muitas vezes, a que haja um maior receio em avançar”. Isto é um “pensamento completamente natural: eu saio de casa como vou fazer?” Antes de tomarem uma decisão “devem contactar-nos (APAV) para perceberem quais as opções que têm ao dispor perante a situação em que estão”. “Nós não ordenamos nada à vítima, o que fazemos é dizer à vítima que tem X caminhos”.

Carla Ferreira
Carla Ferreira

Numa opinião pessoal e da prática de gabinete, Carla Ferreira afirma que “as pessoas com formação académica e com uma vida socialmente e financeiramente estável, que, para manterem, de alguma forma, a sua vida e a imagem, têm receio de denunciar.” “Por vergonha, sobretudo”. E as estatísticas possíveis comprovam. Possíveis, pois 76 por cento das vitimas da GAV do Porto não revelaram as suas qualificações académicas. Contudo, no total de vítimas que revelaram, 34 % destas tinham ensino superior ou ensino pós-secundário (que representam 8.4 por cento no total de vitimas de 2014).

Represálias: Um dos principais impedimentos à denúncia

“Muitas vezes é um medo fundado e com razão, o que não quer dizer que não haja solução para a pessoa ser ajudada, caso assim o desejar”. As vitimas dizem: “Eu não quero sair de casa porque sei que ele me vai procurar em todo lado”. E não é “só o medo de represálias para a vítima, mas também para os familiares, para as pessoas que a tentaram apoiar. Para as pessoas que estão em redor da vítima”

Num caso exemplo, Carla Ferreira explica como a APAV trabalha. Começa por “perceber o grau de risco que aquela pessoa corre”. “Consoante esse risco orientamos a vítima para uma serie de respostas”. Se esta se “encontra em risco extremo/elevado, damos as opções à vítima de salvaguardar a sua integridade física e dos demais que estejam na dependência dela”. Que pode passar pela “saída para uma casa abrigo”.

Contudo não é apenas a vitima que tem de mudar, mas também o agressor que tem de “ser parado” e, nessa altura, a colaboração com as identidades competentes entra em ação, onde a APAV pode ajudar na criação de uma queixa-crime, ou pedir criar uma distância de segurança entre a vítima e o agressor, para impedir encontros inoportunos.

A fundamental articulação entre entidades

Ainda de acordo com Carla Ferreira, no Porto temos uma equipa de “DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal), PSP e GNR ótima”. “Ninguém trabalha sozinho. Nem a APAV trabalha sozinha, nem o tribunal trabalha sozinho”. O DIAP do Porto criou um projeto chamado «Um Passo Mais» que se dedica exclusivamente à Violência Doméstica, com três procuradoras dedicadas a este tema. Futuramente este projeto pretende chegar também a casos de violência sobre crianças e idosos.

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“Os mitos sobre a violência doméstica existem e são difíceis de desconstruir”

As vitimas carregam mitos uma vida inteira, que, depois, são muito difíceis de desconstruir e combater, visto que estão enraizados. Em alguns casos, a própria família é quem os incute. “Se casas-te tens de ficar com essa pessoa até ao fim dos teus dias, mesmo que sofras”. A sensação de “impotência” também é outro fator importante. Há falta de confiança que alguém ajude a resolver a situação em que a vítima se encontra. Apesar que não devemos guiar-nos pela falta de confiança nos meios de apoio, Carla Ferreira reconhece que “são ideias que não se podem censurar e que são legítimas de alguma forma”.

“Há vítimas que não percebem que são vítimas”

Muitas vezes a APAV recebe telefonemas onde quem liga apenas fala de “um determinado problema”, mas, com o aprofundar a conversa, os técnicos percebem que há uma situação de Violência continua. Mas a vitima não vê como violência, mas sim como “Manifestações de Amor”.

“Enquanto houver uma única vítima de crime, a APAV vai estar sempre preocupada. Não devemos guiar o nosso trabalho pelas estatísticas ou por sensacionalismos.”

“Para a APAV a atenção é igual para qualquer vítima de crime, desde o furto de uma carteira, até às vítimas de tentativa de homicídio, ou mesmo homicídio”, onde neste caso o apoio é encaminhado para “os familiares e amigos. A APAV presta apoio às vítimas de crime, aos familiares e aos amigos que se sintam afetados e que sintam a necessidade de serem acompanhados”.

Texto e fotos:

Pedro Nuno Silva

Fontes: Relatório Anual de 2014 da APAV; Relatório do Gabinete de Apoio à Vitima do Porto de 2014; Canal Superior; Jornal “Público”

 

01abr15

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