Benigno de Sousa
Do Mal
“Também tu, Lúcifer
És, em meu vasto império
Um elo necessário. Age, age
Teu frio saber, tua louca negação
São os fermentos que estimularão o homem”
Imbre Madach
As forças fracas da vida lutaram contra as forças de esmagamento do mundo físico por mil modos de reprodução, disseminações inumeráveis dos germes, multiplicação dos óvulos, e por mil modos de ligação: intercomunicações bacterianas; associações de células em multicelulares, proteções de progenitura, associações e animais em sociedade, inter-solidariedade dos ecossistemas, tudo isso permitiu à vida espalhar-se pelos oceanos, alargar-se pelos continentes e lançar-se pelos ares.
“Sebastianismo; saudade, saudosismo, salazarismo, subserviência. Pátria! Deixaste-te apanhar! Estamos perdidos num oceano gatuno!”
“Já chegaste, ó poeta!” Disse o Zé-povo.
“Cheguei prá vida que luta cruelmente contra a crueldade do mundo e reside com crueldade à sua própria crueldade; a natureza é ao mesmo tempo mãe e madrasta; inquietar, inquietante, inquietação. O que há de horrível no humano é a conjunção da crueldade saída da carência, do excesso, da malvadez. É uma conjunção do mal suportado pelas doenças, fomes, inundações, e do mal cometido para prejudicar e para destruir. É a conjunção da crueldade do mundo e da crueldade humana. Foi isto que o Galvão quis dizer quando disse ter sido uma força diabolus do deus na causa da enxurrada algarvia. Mas mais importante no momento de crise é disponibilidade, solidariedade, paz. Tóne! Quero bacalhau!”
“E como havemos de ultrapassar a crise?” Perguntou o Carolino.
“Justiça.” Intrometi.
“Hum… Justiça…” O Zé-povo impaciente. “Todos os dias espero…”
Realizando gradualmente atos justos, tornamo-nos justos, ou seja, adquirimos a virtude da justiça que, em seguida, permanece em nós de forma estável como um habitatus, que contribuirá sucessivamente para que realizemos com felicidade atos de justiça.
“Oh amigo.” Interveio o Carolino. “Se houvesse justiça não havia tanta miséria.”
“A justiça é cega.” O poeta intrometeu-se. “E por isso mesmo é guiada pelo Homem, mas como ele é errante por vezes injusta se transforma.”
“Quereis bacalhau?” O taverneiro perguntou. “E vinho tinto?”
“Tône, trás muito e justo!” Disse o poeta e os amigos anuíram.
“A justiça é a virtude mais importante do Homem.” Retornei ao conceito. “O respeito devido à lei do Estado; e visto que esta lei abarca toda a área da vida moral, em certo sentido a justiça engloba toda a virtude. O significado específico de justiça refere-se à repartição dos bens. A justiça, entendida neste sentido, consistirá portanto na justa medida com que se dividem os benefícios, as vantagens e os ganhos, ou os males e as desvantagens.”
“Que justiça seja a suprema virtude ao respeito da lei entendo.” Comentou o poeta no momento em que o taberneiro trouxe os almoços. “Mas na divisão de benefícios, das vantagens e dos ganhos ou o contrário, já duvido da sua aplicação por que causa e efeito não são universais. Por exemplo, se nos perguntarmos quem deve governar o país depois das eleições é quem ganha ou quem perde, diremos que é quem ganha, e é justo. Mas se a decisão política for atribuir o governo a quem perdeu as eleições, diremos que é uma injusta. Porém, a lei permite que assim seja, não é?”
“Entendemos que a justiça é atribuir a cada um aquilo que lhe pertence, digamos ser lei de natureza. Nesta lei de natureza reside a fonte e a origem da justiça. Mas se me derem oportunidade explico.”
“Não se acanhe,” Disse o poeta, “quando estou a mastigar não posso falar.” “E por mim…” Disse o Carolino. “Mande daí!” “Eu até estou a gostar,” Disse o Zé-povo, “Continue, continue…
“A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa igualmente aspirar.
Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. Neste sentido houve necessidade que os homens celebrassem pactos, porque sem um pacto anterior não há transferência de direito, e todo o homem tem direito a todas as coisas, portanto, nenhuma ação pode ser injusta. Depois de celebrado um pacto, rompê-lo é injusto. E a definição da injustiça não é outra senão o não cumprimento de um pacto. A partir daqui, justiça e propriedade começam a constituição do Estado.
A natureza da justiça é o cumprimento dos pactos válidos, mas a validade dos pactos só começa com a instituição de um poder civil suficiente para obrigar os homens a cumpri-los, também aí que começa a haver propriedade. O Estado é uma sociedade e, chama-se, assim, Estado ou sociedade política. Ora é certo que foi a PAF a ganhar as eleições, contudo, como o nosso sistema político é a democracia representativa de todos os cidadãos e o programa de governo foi chumbado, avança a força política mais votada e consiga fazer maioria no parlamento, que neste caso é a posterior coligação de esquerda, e o Presidente da República deve dar posse.”
“E é preciso tanto tempo para decidir?” Disse o Zé-povo. “O Presidente anda a ouvir o quê?”
“Foi ouvir as cagarras na Madeira.” Ironizou o poeta.
“A caminho do apocalipse.” Disse o Carolino. “Vejam só o que aconteceu em Paris.”
“A culpa é dos Buches.” Disse o Zé-povo, “Eles é que originaram os terroristas.”
“As crueldades nas relações entre indivíduos, grupos, etnias, religiões, raças, foram e continuam a ser aterradoras. As antigas barbáries que se desencadearam desde os inícios da história humana desencadeiam-se de novo aliadas à barbárie civilizada em que a técnica e a burocracia, a especialização e a compartimentação aumentam a crueldade pela indiferença e pela cegueira; dependência do dinheiro, independência pelo dinheiro e o poder do dinheiro generalizam e ampliam a avidez impiedosa.”
“O mal sofrido como perda, separação, sofrimento, é anterior à humanidade, mas vai culminar na humanidade.”
“O mal cometido para fazer mal não emerge senão em, por, e para a humanidade.
Não podemos escapar ao problema do mal humano.”
“Não se pode erradicar a potencialidade malfeitora do demens, mas o mal está para lá do demens.”
“O príncipe das Trevas não existe, mas simboliza efetivamente o mal que é crueldade subjetiva. Não existe, mas a inclinação satânica existe no espírito humano.”
“É impossível que o mal desapareça, mas é preciso tentar impedir o seu triunfo…”
Fotos: Pesquisa Google
01dez15