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Miguel Torga (1907- 1995)

O tempo corre célere… e, sem darmos conta, Miguel Torga já partiu para outra dimensão, há 20 anos! Recordamos, hoje, esta figura incontornável da literatura portuguesa que merecerá sempre ser lembrada, pela sua escrita, pelo seu carácter, pelas suas atitudes cívicas.

Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, nasceu em 12 de Agosto de 1907, em S. Martinho de Anta, concelho de Sabrosa (Trás-os-Montes).

Adoptou o pseudónimo de “Torga”, cujo nome corresponde à urze campestre que sobrevive, irrompendo nas fragas das montanhas, estendendo as raízes fortes sob a aridez das rochas e o terreno seco e agreste. Também ele viveu os seus dias, num ambiente austero como o da torga, espalhada pelas montanhas…

Este homem, filho de camponeses de poucos recursos, enquanto criança, conheceu o trabalho duro do campo e o trabalho doméstico. Aos dez anos, foi mandado para a casa de uma família burguesa do Porto, que habitava uma casa apalaçada, onde o pequeno Adolfo andava fardado de branco, servindo de porteiro e atendendo as campainhas da habitação.

Fazia de moço de recados, regava o jardim, limpava o pó e polia os metais da escadaria nobre. Um ano depois, acabou por ser despedido, frequentando depois, durante um ano, o Seminário de Lamego. Aos 13 anos, emigrou para o Brasil, onde trabalhou durante 5 anos, na fazenda de um tio, em Minas Gerais, onde foi capinador, apanhador de café, vaqueiro e caçador de cobras.

Sobre a sua infância e adolescência escreveria, mais tarde, que vivera “Atordoado na meninice e escravizado na adolescência, [e que] só agora podia renascer ao pé de cada rebento, correr a par de cada ribeiro, voar ao lado de cada ave“. Desta adolescência sofrida e dolorosa recordava, também, que vivenciara “Outras casas, outras árvores, outras caras. O resto… perdera-se para sempre”.

Regressou a Portugal, aos 18 anos, pagando-lhe o tio uma mesada para prosseguir os estudos. Fez o curso do liceu em três anos matriculando-se, depois, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, onde concluiu o curso, em 1933. Exerceu a profissão de médico, em várias localidades do País, acabando depois por se fixar em Coimbra, onde manteve o seu consultório de otorrinolaringologista, até ao final dos seus dias.

Embora diga que “do Minho ao Algarve toda a paisagem me sabe bem”, sobre o Porto e a forma como gostava desta cidade, expressou-se em algumas passagens da sua obra:

Eu gosto do Porto. […] e amo-o de um amor platónico, avivado de ano a ano à passagem para a minha terra natal, quando o Menino Jesus acena lá das urgueiras. […] De vez em quando perco a cabeça, estrago os horários e vou ao Museu Soares dos Reis ver o Pousão, passo pela igreja de S. Francisco, ou meto-me num eléctrico e dou a volta ao mundo, a descer à Foz pela Marginal e a subir pela Boavista. […] A velha e livre cidade do Porto […] é muito velha no meu sangue e na minha consciência. Quanto a mim, é instinto e compreensão, sabe de há muito que os valores autênticos da vida têm de ser sólidos como a praça da Liberdade e altos como a Torre dos Clérigos. […].”

Em 1949, escrevia também esta passagem sobre o Porto: “Este Porto dá-me segurança! Depois das fragas da minha terra, é nele que me sinto mais protegido e livre. Em Lisboa ronda-me sempre o pressentimento de qualquer perigo iminente, que não sei se vem do Terreiro do Paço, se da Avenida da Liberdade. Aqui, pelo contrário, caminho de coração tranquilo. É uma superstição como as outras, evidentemente. O poder chega a toda a parte, e já não há canto no mundo onde um homem possa dizer que está a salvo. Contudo, certas premissas valem muito… Os maometanos acreditam no túmulo do Profeta; eu acredito na estátua de D. Pedro IV.”

Tabuleta do seu escritório em Coimbra
Tabuleta do seu escritório em Coimbra

Toda a obra de Miguel Torga tem um profundo carácter humanista sendo, a nível da poesia, considerado como o poeta das montanhas, do mundo rural, da natureza em todo o seu esplendor. Torga foi o fundador e colaborador de várias revistas e vencedor de inúmeros prémios literários, todos de grande relevância. No meio da sua postura de humildade, destacou-se como um dos mais importantes poetas e escritores portugueses, do século XX. Além de poeta salientou-se, igualmente, como romancista e contista, dramaturgo, ensaísta e memorialista.

Foi casado com a professora universitária belga, Andrée Crabbé, professora na Universidade de Coimbra. Dela deixou algumas referências de que destaco uma curiosa nota do Diário, escrita logo após o casamento: “S. Martinho de Anta, 21 de Setembro de 1940. Aqui estou. Vim mostrar a mulher aos velhos, à Senhora da Azinheira e ao negrilho. Gostaram todos“.

Faleceu em Coimbra, em 17 de Janeiro de 1995, mas permanecerá vivo enquanto, cada um de nós for leitor da sua obra. Parece-nos certo pensar que, este Homem, um dos maiores vultos da literatura portuguesa de todos os tempos e, igualmente reconhecido e premiado internacionalmente, passou toda a vida a desejar, não a um pedestal, nem a honrarias, mas a um sereno regresso às fragas da sua origem, a Trás-os-Montes e ao “mar de pedra”, as montanhas que o viram nascer. Regressaram os seus restos mortais a S. Martinho de Anta onde, à cabeceira da campa rasa, permanece plantada uma torga que vai florindo todos os anos…

Texto: Maximina Girão Ribeiro

Fotos: Pesquisa Google 

Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

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