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Animar a economia e a sociedade portuguesa

António Pedro Dores

Os meus amigos que pugnaram pela unidade dos partidos de esquerda tiveram o seu troféu, inesperado e contraditório. Aquilo que na Grécia se fez na rua – com a ajuda do sistema que favorece o vencedor – fez-se em Portugal por iniciativa dos políticos. E far-se-á brevemente em Espanha, num misto das duas coisas.

A Europa soçobra perante a “invasão” de meio milhão de refugiados das guerras imperiais que há cem anos se fazem em nome do petróleo. Para além do Reino Unido, a Dinamarca recusa mais partilha de soberania e a Finlândia estuda a saída do Euro. Na França, depois da Hungria e de outros países, a xenofobia torna-se a primeira prioridade. A guerra a forma de escamotear a derrocada eminente.

Em Portugal, ao ressabiamento político da direita derrotada, dos que imaginaram que não eramos gregos, opõe-se, à esquerda, a resignação perante os ditames da UE: mantenhamo-nos bons alunos. A alternativa será apenas abandonar o Euro, recuperar a soberania financeira e fazer políticas de esquerda (nacionalizar os bens angolanos e chineses)?

Será pedir muito, ao mesmo tempo, integrar a Europa e reorganizar a democracia, fazer políticas favoráveis aos cidadãos e oferecer esperança para o futuro, perspectivar realisticamente uma boa vida para todos de imediato e sacudir a xenofobia e a guerra para longe?

É lamentável que não sobre imaginação política para prosseguir o bem comum. A democracia é entendida pelos seus protagonistas actuais como um jogo de interesses representados em instituições políticas com regras definidas.

Mas enganam-se: a democracia é a valorização máxima, sempre menos do que se pode fazer no dia seguinte, da participação empenhada de cada vez mais pessoas na gestão dos bens comuns.

vontade de mudar

Se os actuais mecanismos democráticos afastam as pessoas da política, não há que deixar continuar fenecer o que resta da democracia. Há que substituir os mecanismos apodrecidos. O que exige ânimo e vontade que tem vindo a degradar-se, apesar do surto de movimentos sociais de reacção às políticas extractivistas, mais conhecidas por políticas da crise da dívida.

Há uma crise democrática prolongada, claro. Os políticos, em representação de cidadãos conformados, vendem-se aos negócios do Estado e acompanham-nos quando estes são privatizados. Promiscuidade? Eu vejo a criação de privilégios, de corrupção legalizada. Interesses como outros quaisquer, mas corrosivos para a democracia.

Face ao Adamastor nem sequer é difícil imaginar como o revelar como uma ficção: basta tomar conta directamente dos bens comuns. Não. Não me refiro a nacionalizar tudo o que foi privatizado. Refiro-me a instituir o direito à dignidade financeira básica para todos. O rendimento básico incondicional. O que a Finlândia se prepara para fazer para 2016, e o governo português só não fará também se não quiser.

Um estudo breve de Miguel Horta, com dados de 2012, calcula poder atribuir 345 euros a cada pessoa inscrita no IRS, como base na distribuição igualitária de metade dos rendimentos declarados. Custo: 9 mil milhões de euros. Dos quais dois terços serão pagos pela abolição das prestações sociais assistencialistas pagas pelo Estado.

O fim do assistencialismo, dos profissionais da “ajuda” aos pobres, facilmente recuperaria o custo restante. E não precisamos contabilizar os benefícios imediatos dessa política: menos recurso aos serviços de saúde, menor abandono escolar, redução do número de crianças com fome e de pessoas doentes sem dinheiro para pagar medicamentos. Nem contabilizamos a recuperação da economia paralela (calculada em 25% do PIB) para a economia declarada, por via do interesse comum em aumentar o bolo de rendimentos e, desse modo, aumentar também o rendimento básico incondicional.

O que significaria a possibilidade de organizar campanhas contra a corrupção não apenas para castigar os prevaricadores através dos tribunais, mas sobretudo para acabar com as práticas de corrupção, daquelas como dos bancos BPN ou BES, de que toda a gente já sabia havia anos mas ninguém foi capaz de pôr um termo em tempo útil.

Não é preciso autorização da UE para aplicar esta política. Mas só poderá ser útil com uma população mobilizada, em vez do desânimo que actualmente grassa. Outras políticas de animação social e económica são indispensáveis para acompanhar esta política financeira. Por exemplo: favorecer a economia solidária e cooperativa, completamente esmagada nas últimas décadas pela luta entre a economia do Estado e a economia privada.

O empreendedorismo social tem uma versão solidária. Disponibilizar serviços de internet de alta qualidade por todo o país permitiria organizar o repovoamento equilibrado do país, aproveitando as estradas e libertando a pressão demográfica nas metrópoles.

Em vez de concentrar os serviços do Estado, por exemplo na justiça, trata-se de aumentar os poderes dos cidadãos para tomarem as suas posições éticas no dia-a-dia, o que se pode chamar justiça transformativa (AAVV 2013). Para o que seria indispensável trabalhar para o mútuo conhecimento entre os vizinhos, como faz o movimento de transição, com vista a organizar a ajuda mútua e estratégias colectivas de desenvolvimento local.

escolas - investigacao

As escolas deveriam ser o centro de animação, onde os conhecimentos práticos feitos de experiência se trocariam, não para serem copiados ou repetidos, mas para servirem de inspiração ao ânimo de participação de cada um, na sua família, no seu local de residência, no seu trabalho. Não deveriam continuar a preparar as crianças e jovens para terem um emprego e cumprirem o que lhes mandam, como fazem hoje em dias os bons alunos. Deveriam honrar o trabalho em prol da dignidade de todos e cada um, porque é a partir daí que uma sociedade saudável e autónoma se pode construir.

Por exemplo, em vez de as escolas se dedicarem a transmitir emocionalmente uma relação platónica dos alunos para com a ecologia, importante mas fraco contributo para a luta contra o aquecimento global, deveriam dedicar-se a descobrir e denunciar empresas e interesses extractivistas, nomeadamente com vista a não permitir que a exploração de petróleo nas costas portuguesas ou na nossa zona económica exclusiva.

Motivos de animação não faltam.

Fotos: Pesquisa Google

Referência:  AAVV, 2013.Transformative justice, S. Francisco.

Obs: Por vontade do autor e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

 

01jan16

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