José Luís Montero
Depois do tempo em que parecia que pretendiam apagar do mapa o célebre golpe militar que arrumou e apertou o salazarismo contra a parede; vieram as festas do renascimento. Santarém viveu a homenagem ao determinante Salgueiro Maia. A Guarda homenageou uma das figuras chaves da elaboração da Constituição da República: Almeida Santos. A cidade de Lisboa entregou a sua chave ao primeiro Presidente-Rei do País; ao Mário Soares. O Presidente Rebelo de Sousa entrou na Assembleia da República de cravo na mão e na plateia estavam militares simbólicos de Abril; Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço pareciam simbolizar as caras da aprovação. Eu preferi sentar-me na esplanada da Tendinha do Rossio para superar o calor com a ajuda de várias imperiais.
Quando há festa; há discursos. A televisão foca cânticos e solenidades; os gerifaltes da República inspiram-se na sobriedade do acontecimento e a palavra salta desde os mais variados púlpitos. Umas são palavras de vaidade; outras são palavras que não são palavras e algumas são realmente palavras sóbrias. Normalmente, não oiço os discursos. Depois, no dia seguinte, pego no jornal e passo os olhos, ligeiramente, sobre o dito e desconsolo-me como sempre. No entanto, neste 25 de Abril de 2016 estava curioso principalmente num ato: queria saber, ver o comportamento do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a quem já chamam o 2.º Presidente-Rei da República, durante a homenagem ao Capitão de Abril Salgueiro Maia.
Salgueiro Maia, desde a minha atalaia, é uma figura de Abril que cresce de ano para ano. O tempo mostra-o sábio; homem com palavras certas; pessoa decidida e sem mais vontade que realizar-se e fazer o que lhe pedia a sua vocação. Por esta impressão, estava expectante e queria ver-ouvir as palavras do Presidente da República. Rebelo de Sousa, a meu ver, esteve certo e sóbrio como exigia a figura do homenageado. Agradou-me, portanto, a leitura pessoal que o Presidente fez ou faz da figura, para mim cada vez mais relevante, de Salgueiro Maia e satisfez-me o seu discurso sóbrio e a sua descrição no cenário. Normalmente, os discursos de homenagem são discursos onde a baba transborda; mas, felizmente, esta homenagem foi um ato que se assemelhou à figura do homenageado.
O desejo ou um dos desejos conhecidos do Salgueiro Maia depois do êxito do golpe militar consistia em voltar ao quartel. Não se via em meios que lhe eram alheios. A Liberdade estava recobrada e os atores da nova vida deveriam ser outros. Abril abre a porta ao mês de Maio. E Maio também tem uma data que está selada com a tragédia dos Mártires de Chicago. Não eram militares nem fizeram um golpe de Estado; eram trabalhadores e fizeram uma greve dura; tão dura que aconteceu o martírio; a morte e o assassinato. Revindicavam a jornada laboral de oito horas. Foram massacrados, mas, ganharam a universalização dessa revindicação e a memória que recorda que as conquistas sociais (e individuais) deixaram muito padecer pelo caminho ainda que os sindicatos grandes da atualidade sejam escritórios de serviços ou – talvez – de se servir. São sindicatos fortes nos Mídias, mas, fracos, muito fracos quando é necessário berrar como berraram os Mártires de Chicago; aqueles trabalhadores anarquistas que cimentaram um clamor no mundo do trabalho que provocou, posteriormente, a implantação das oito horas de trabalho.
O 1.º de Maio é uma data de ação e luta por metas ou objetivos como se diz hoje no mundo da política castrada pelos economistas e órgãos supranacionais que subjugam os países e populações mais fracas. Portugal vive nas suas carnes esta triste situação. Conhece e padece a condição de fraco. Sabe e experimente a soberbia estúpida e impiedosa de uma enteléquia supranacional que lhe obriga a ter ou não ter Saúde Pública; ter ou não ter Escola Pública; ter ou não ter fonte de vida digna. Europa não é uma boa ideia; é uma excelente ideia, mas, Europa não é nada se espezinha qualquer dos seus concidadãos.
O 25 de Abril já foi. Hoje é uma comemoração, mas, para o ser em toda a sua amplitude e magnitude tem que continuar a gerar a felicidade e não pode coexistir com a tristeza. Muitos intervenientes, num ou noutro âmbito de ação no 25 de Abril e pós- 25 de Abril, diziam ou ainda dizem durante o quatriénio negro do governo do Passos Coelho: “ não fiz o 25 de Abril para isto…” E estão cheios de razão, mas, tal como o 25 de Abril de 1974 teve um 1º de Maio arrasador; hoje todas estas festas precisam de um 1º Maio arrasador e tal como nesse passado os sindicatos carecem de afiliados, mas, naquele então os cidadãos; o tal Povo teve vontade e desejo e não só encheu as ruas como tentou criar um mundo, no entanto, hoje reina a atrofia germinada nas entranhas das burocracias sindicais, por isso, também, tal como naquele então em que não existiam como organizações carregadas de afiliados, o cidadão; o tal Povo pode germinar um pós-25 de Abril que crie mundos e um 1º de Maio ou trezentos e cinquenta primeiros de Maios avassaladores.
Fotos: Pesquisa Google
01mai16
a Europa apenas serve para envenenar as nossas vidas e matar qualquer veleidade de sonhar. A utopia não combina com finanças, nem com a voracidade da Alemanha nos ganhos com as crises dos outros. 25 de Abril? Apenas será possível quando se acabar com os privilégios dos corruptos e das dinastias políticas