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O estranho mistério de D. Sebastião

Maximina Girão Ribeiro

E… de súbito, para espanto de todos, a estátua de D. Sebastião, que se encontrava na fachada da Estação do Rossio, em Lisboa, caiu e desfez-se em múltiplos fragmentos e, tudo isto, por culpa de um jovem que queria tirar uma fotografia…

Será este facto algum sinal?! Uma pré-monição de alguma coisa?! Não sabemos… Mas sabemos que D. Sebastião continua a representar um dos grandes mitos da História de Portugal.

O jovem príncipe, D. Sebastião, o “Desejado”, foi o 16.º rei de Portugal mas, muito antes de nascer, já era mesmo muito desejado…

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Nasceu em Lisboa, em 1554, tendo como mãe D. Joana de Áustria (filha do imperador Carlos V) e, como pai, o príncipe D. João Manuel, o único filho varão, sobrevivente, do rei D. João III que, embora tivesse tido dez filhos do casamento com D. Catarina de Áustria, todos eles morreram, excepto o príncipe D. João. Por isso, chegado à adolescência, logo o casaram para que tivesse possibilidade de haver um herdeiro legítimo para o trono de Portugal – nasceu, assim, o príncipe D. Sebastião. Mas, a vida desta criança ficou marcada por uma série de desaires, a começar pelo facto de, na altura do seu nascimento, já ser órfão de pai. Foi, portanto, um filho póstumo do príncipe D. João Manuel.

Com a morte do avô, o rei D. João III, em 11 de Junho de 1557, a coroa portuguesa ficava à mercê das ambições de Espanha para se consumar uma união ibérica.

Assim, D. Sebastião, com três anos e meio de idade, foi aclamado rei de Portugal, governando como regente, durante dez anos, a avó, viúva de D. João III, D. Catarina de Áustria (irmã do Imperador Carlos V), cedendo depois essa regência ao cardeal D. Henrique, tio-avô de D. Sebastião.

D. Sebastião em criança
D. Sebastião em criança

D. Sebastião completava catorze anos de idade, em 1568, sendo declarado maior, pelo que assumiu a governação do reino. Este jovem de saúde frágil cresceu entregue a preceptores, velhos aios, padres jesuítas que o moldaram aos princípios severos da religião, mestres renomados, como o matemático Pedro Nunes, tudo isto na ausência de sua mãe, a princesa D. Joana que abandonou Portugal e regressou a Espanha, onde se recolheu no convento das Descalzas Reales, em Madrid, talvez desiludida por não lhe ter sido oferecida a regência do reino, aquando da morte de seu sogro, D. João III. Esta ausência materna e a carência de afectos, devem ter contribuído para que o jovem príncipe Sebastião manifestasse uma frieza afectiva, uma relutância pelo casamento, uma determinação baseada na sua teimosia, uma obcecada exaltação pelos antigos heróis e pelos seus feitos, uma ânsia por jogos de violência e por batalhas,…

Diz-nos Frei Amador Rebelo, na “Crónica de El-Rei D. Sebastião” que «[…] Sendo el-rei menino, não somente o exortavam com palavras e exemplos de grandes reis e de grandes vitórias, mas, pelos livros por onde lhe davam lições, o persuadiram a tais empresas e a exercícios militares […]. Mas como a conquista deste reino fosse a África, vizinha e inimiga, a principal guerra que os mestres de el-rei mostravam era esta, a qual o moço, com capital ódio, desejava […]. Assim não falava noutra coisa senão na arte militar, dando-se a todo o género de cavalarias, correr touros, matar porcos, jogar, fazer justas e torneios, nos quais exercícios, era muito destro […].»

Todas estas características conduziram-no para a obstinada ideia de ir combater, no Norte de África, com a finalidade de proteger as praças portuguesas de Arzila e Tânger, dos constantes ataques dos mouros. O sonho da cruzada levaram-no a não aceitar conselhos de ninguém, mas sim, a recrutar gente para um exército formado, maioritariamente, por jovens ávidos de aventuras, mal preparados para a missão que lhes era imposta: combater!

Foram muitos os que suplicaram a D. Sebastião que desistisse de um projecto tão arriscado e arrojado, uma empresa insensata e injustificável. Mas, D. Sebastião não ouvia ninguém e estava determinado em levar por diante a sua vontade. Tratou de equipar uma grande frota e reunir um grande exército, recorrendo a voluntários vindos de Castela, mercenários provenientes da Alemanha e da Flandres, italianos que, inicialmente, estavam recrutados por ingleses para ajudar numa invasão à Irlanda. A este recrutamento juntou-se o exército português, o que perfazia mais de 23 mil homens.

O embarque em Lisboa, numa armada de 800 velas demonstrou, desde logo, a desorganização deste aglomerado de homens de várias proveniências, com pouca coesão entre eles, com muita indisciplina, rixas constantes, má preparação bélica e a inexperiência de muitos.

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D. Sebastião partiu de Lisboa a 25 de Junho de 1578, no meio de muito rumor e confusão, ao som de trombetas, charamelas e pífaros, tambores e salvas de artilharia, muitas bandeiras, pendões e galhardetes, enquanto o povo vertia lágrimas, lamentando a partida dos seus filhos, maridos, namorados, parentes,…

A 4 de Agosto de 1578, nos campos de Alcácer-Quibir, com o exército esgotado pela fome, pelo cansaço e pelo calor, teve lugar a desastrosa batalha. Durante o confronto, o empenhamento, o esforço e o vigor de D. Sebastião pareciam imparáveis. Mesmo perante a derrota inevitável recusou os conselhos dos nobres para que se rendesse e, a este pedido, respondeu:

– “Senhores, a liberdade real só se há-de perder com a vida. Morrer sim, mas devagar!”

D. Sebastião acabou derrotado, arrastando para a morte ou para o cativeiro, milhares de homens.

Perdeu-se o rei e o País: o rei desapareceu sem que ninguém mais o tenha encontrado; o País ficou com o trono vago, sem sucessão hereditária e carenciado em todos os sectores da vida. A dor e o luto invadiram o território português. Dizem os cronistas da época que não haveria uma única família em Portugal que não tivesse perdido um ente querido, nessa batalha.

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Mas, como D. Sebastião desapareceu durante o combate e ninguém viu mais o corpo, este facto fez com que o povo não acreditasse na morte do rei e, em torno desta figura, nasceu o mito do “sebastianismo”, uma crença carregada de um nacionalismo exacerbado, em que se alimenta a esperança de que um D. Sebastião haverá de regressar, um dia, numa manhã de nevoeiro, para salvar o país de todos os seus problemas.

Esta crença no chamado “rei encoberto” é uma espécie de messianismo, adaptado à realidade portuguesa,  uma esperança na vinda de um salvador, um permanente sentimento de insatisfação com a situação política e uma expectativa de mudança, de salvação, em relação ao sofrimento e à miséria em que se vivia ou vive, uma fé na melhoria de vida, um retorno à grandeza de Portugal…

Este mito nasceu, nos finais do séc. XVI, com o desaparecimento de D. Sebastião, em Alcácer Quibir e foi permanecendo ao longo dos tempos, renascendo sempre que Portugal esteja em crise.

E a estátua de D. Sebastião, partida, em pedaços espalhados pelo chão… que sinal é este?

Voltará ele, de novo, numa manhã de nevoeiro para salvar Portugal?…

Fotos: Pesquisa Google

Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

01jun16

 

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