José Gonçalves
Num mês (março) em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, não podia, aqui, deixar de prestar a minha homenagem a uma Grande entre elas. A uma Mulher- conheci-a de perto, tinha os meus 20 anos -, que me deu esperança num Portugal, na altura, sem norte…num país que, eu, na realidade, começava a conhecer: Maria de Lourdes Ruivo da Silva Pintasilgo.
No meu batismo de voto, com os tais 20 anos, a primeira “cruz” foi para Maria de Lourdes Pintasilgo, isto nas Eleições Presidenciais de 1986, das quais, à segunda volta, sairia vencedor, Mário Soares. Ela foi a primeira, e até agora, a única mulher portuguesa a concorrer a Presidente da República, como antes, em 1979, foi a única mulher a assumir o cargo de primeira-ministra, a convite do, então, Presidente da República, Ramalho Eanes.
Envolvi-me na sua campanha para as presidenciais. Era uma lufada de ar fresco numa esquerda tão radicalizada quão fragmentada. Reuniu gente nobre, como outras mulheres de “peso”, entre as quais, Natália Correia.
Era uma mulher de um trato muito especial. Simpática. Aberta. Ouvinte. Era uma mulher que, ao primeiro contacto, escondia, por assim dizer, um passado valoroso, de grandes causas, e de lutas que ela venceu, nunca tendo medo de liderar – quando a isso chamada – os movimentos por onde passou.
Maria de Lourdes Pintasilgo tem sido esquecida pelos democratas deste País, principalmente, quando se celebra a Liberdade e a Democracia. Quando se celebra Abril.
Sei que Pintasilgo, para certa esquerda, nunca foi um nome muito consensual, tal como o de Mário Soares, mas daí a esquecer uma Mulher que tudo deu para a consolidação de um Portugal Democrático, moderno, sem desigualdades, humano, de portas abertas ao mundo, vai uma injustiça imperdoável.
“Primaveras”
Formada em engenharia química, em 1947, altura em que as mulheres dificilmente conseguiam chegar à Universidade, já, aí, Pintasilgo foi um exemplo. Exemplo que também viria a ser quando, na Holanda, em 1961, dedicou-se por inteiro ao movimento religioso “Chamamento do Graal”.
Ela nunca escondeu o facto de ser religiosa, independentemente de ser, assumidamente, de esquerda, “mistura” que, aqui há uns anos, metia confusão na cabeça de muita gente.
E mais confusão meteu, o facto de, ainda no antigo regime, Pintasilgo ter aceitado (1971) o convite para representar Portugal na Organização das Nações Unidas (ONU), isto numa altura em que o isolacionismo português era uma realidade, principalmente devido à Guerra Colonial e ao regime ditatorial vigente.
Pintasilgo soube incomodar o Poder instalado em Lisboa e dar como que a conhecer certos “ensaios” sobre um outro Portugal, sobre um Portugal democrático.
Antes, em 1969, aquando da chamada “primavera marcelista”, recusou um convite de Caetano para ser deputada, aceitando, porém, ser procuradora à Câmara Corporativa e liderar, com coragem, um grupo sobre a participação feminina no mercado laboral.
Os “cem dias pintasilguistas”
Como atrás referi, Pintasilgo nunca foi Mulher de virar a cara à luta, principalmente quando estavam em causa os mais elementares valores da democracia. Tanto assim é, que depois da Revolução de Abril de 1974, foi chamada para ministra dos Assuntos Sociais, isto no I Governo Provisório. Cinco anos mais tarde, seria convidada a ocupar o lugar de primeira-ministra (V Governo Constitucional), cargo que exerceu durante cem dias. Espaço de tempo lançado pelo, então, Presidente da República, Ramalho Eanes, para preparar as eleições intercalares desse ano.
Enquanto chefe do governo, Pintasilgo ouviu de tudo e mais alguma coisa, até a conhecida frase do deputado Francisco Lucas Pires (CDS), considerando-a um “Vasco Gonçalves de saias”. O PS, nessa altura, também não a poupou, assim como a hierarquia católica.
Mesmo assim, Maria de Lourdes Pintasilgo conseguiu em cem dias, inaugurar, aquilo a que já se chamou de “presidência aberta”, com Mário Soares, e, hoje, “dos afetos”, com Marcelo Rebelo de Sousa.
Pintasilgo percorreu o País em contacto direto com as populações, criando, entretanto, o “esquema mínimo de proteção social”, ou seja, prestações de saúde e de segurança social para os portugueses, independentemente da condição do beneficiário ser trabalhador ou não.
Presidenciais
Em 1986, três anos depois de ter fundado o Movimento para o Aprofundamento da Democracia (MAD), Maria de Lourdes Pintasilgo candidata-se a Belém. É a primeira e, até agora, única Mulher a concorrer à Presidência da República.
Foi nessa altura que a conheci, uma vez que integrei o seu movimento de apoio, tinha, como atrás referi, os meus 20 anos.
E apoiei-a, porque o seu discurso era diferente. Não soava a radicalismo ou a revanchismo. Era um discurso fluente, identificativo de causas. Sério. Humano.
Por essas e por outras, o seu contacto com a população era fácil – digamos que parecido com o desenvolvido, hoje, por Marcelo Rebelo de Sousa, e, antes, por Mário Soares -, e, ao longo da campanha eleitoral, cativou as pessoas, mas esqueceu-se que não tinha aparelho partidário a suportar a sua candidatura, como acontecia com as dos seus concorrentes: Freitas do Amaral (PSD e CDS), Salgado Zenha (PCP e parte do PS) e Mário Soares (parte do PS). Isso foi-lhe, politicamente, fatal.
À esquerda, o PCP como que destruiu a campanha de Pintasilgo. Mas também não foi longe com a de Salgado Zenha. Tanto Pintasilgo como Zenha não chegariam à segunda volta das eleições, protagonizadas por Freitas do Amaral e pela surpreendente candidatura de Mário Soares, que tinha partido do “zero”. É nesta altura que os apoiantes de Zenha são como que convidados a “engolir sapos” para votarem num candidato de esquerda… votarem em Soares. Pintasilgo apoia-o sem reservas. Soares vence!
Reconhecimento(s)
Os sete por cento dos votos conquistados por Maria de Lourdes Pintasilgo, nessas eleições, foram, sem dúvida, um “balde água gelada” para quem a apoiou. Principalmente para quem com ela andou no terreno.
E veio à memória a forma simpática como os portugueses e as portuguesas a recebiam, para, depois… lhe tirarem o “tapete”.
Pintasilgo tinha 56 anos quando foi candidata a Belém. Era relativamente nova, e nova abandonou, por assim, dizer as lides políticas, sem nunca deixar a sua reflexão sobre a mesma, tendo presidido, por exemplo, à Comissão Internacional para a População e Qualidade de Vida, assim como ao “Comité des Sages”, da Comissão Europeia.
Maria de Lourdes Pintasilgo, a mulher que nasceu a 18 de janeiro de 1930, em Abrantes; que aos 12 anos era, no Liceu Filipa de Vilhena (Lisboa), responsável pelo núcleo do Movimento Feminino Português; que em 1947 ingressou no Instituto Superior Técnico para tirar o curso de Engenharia Química… morreu a 10 de julho de 2004, em Lisboa. Mas deixou obra, além da outra, obra escrita como “Sulcos do Nosso Querer Comum” (1980), “Imaginar a Igreja” (1980) ou “Os Novos Feminismos: Interrogação para Cristãos” (1981).
Pintasilgo foi ainda galardoada a sete de março de 1986, com o “The 1986 Living Legacy Award” atribuído pelo Women’s International Center, em San Diego (Califórnia). Recebeu o doutoramento “honoris causa” pela Universidade Católica de Louvaina, a 02 de fevereiro de 1990.
Foi agraciada com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo (1981), tornando-se na primeira mulher agraciada nessa Ordem com esse grau; com a Grã-Cruz da Ordem do Infante (10jun1994) e com a Medalha Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras (13nov1997).
Uma Mulher
Eis uma grande Mulher que os mais jovens, por certo, desconhecem. Um vulto da democracia, à qual Portugal muito lhe deve. Ela ensinou-me a respeitar as Mulheres e, no essencial, o seu papel na sociedade. A luta dela ainda não terminou.
Maria de Lourdes Pintasilgo está presente ainda que ausente. Esta Mulher tem de ser relembrada e não só no mês em que há um dia dedicado à Mulher. Ela tem de ser relembrada sempre que os Direitos das Mulheres são postos em causa: a toda a hora, em diversos locais do planeta isso acontece. A Pintasilgo está viva. Lutem como ela lutou! Obrigado Pintasilgo.
Fontes: Fundação Cuidar o Futuro, Wikipédia
Fotos: Pesquisa Google
01mar17
cara leitora
Elisabete Oliveira
Tem toda a razão, e peço desculpa por essa (grave) omissão. Obrigado pelo reparo, se bem que se tratou mesmo de um (imperdoável) esquecimento
José Gonçalves
Gostei imenso do texto que me fez recordar essa grande mulher. No entanto estranhei a frase em que diz que foi a única portuguesa a candidatar-se à presidência da república. Então, e a Maria de Belem? E a Marisa Matias?
Bonita e justa homenagem que subscrevo, alias tive igualmente o grato privilégio de participar na sua campanha presidencial em Ovar e recordo a gigantesca concentração popular junto ao Palácio da Justiça, que curiosamente só não se traduziu em votos…Deste grandeoso momento marcante, para saudar a sua passagem por Ovar, a caravana seguiu para o Porto, para um comicio no Mercado Ferreira Borges. Neste dia 8 de Março Dia Internacional da Mulher soube bem ler e relembrar tais memórias de uma Grande Mulher que a esquerda em que militava (UDP)apoiou com entusiasmo e sem complexos politicos…