Os portugueses residentes em Londres contactados pelo “Etc e Tal Jornal” estão divididos quanto às consequências do “Brexit” nas suas vidas. Uns encontram-se à espera de resposta quanto aos certificados de pedido residência permanente, ou pedido de cidadania britânica; outros preparam malas para regressar a Portugal, ou a um outro país da União Europeia, mas todos – criticando ou não o “Brexit” -, não poupam a forma como está a funcionar o Consulado Português em Londres… “aquilo é uma anedota!”, refere uma emigrante. O Gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros… responde às críticas!
Texto: José Gonçalves
No passado dia 29 de março foi, oficialmente, acionado pelo Reino Unido, o artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Os súbditos de Sua Majestade, a Rainha Isabel II, preparam-se para ficar mais isolados da Europa continental ao saírem da União através de um “Brexit” que durará cerca de dois anos a tornar-se, efetivamente, uma realidade.
O isolacionismo dos ilhéus, aprovado por maioria em referendo realizado a 23 de junho de 2016, originará consequências, a curto e médio prazo, a todos os emigrantes, que se encontram no Reino Unido (RU), sejam eles europeus ou não. A comunidade portuguesa a residir no país – um estudo revela ser composta por cerca de meio milhão de pessoas – também não escapa à onda de deportações, a não ser que cumpram com todos os (complexos) requisitos para permanecerem nas ilhas.
Seis meses à espera
E foi com alguns portugueses que nós falamos via “Hangout” (um tipo Skipe da G+). Todos eles residentes na capital, Londres. Ainda que já saibam que o Brexit é mesmo para ir em frente, a verdade, é que muitos deles ainda não decidiram que rumo dar à vida, isto mesmo depois de terem preenchido o formulário (85 páginas) relativo aos certificados de residência e ainda terem provado, com documentos, a sua ininterrupta permanência no país nos últimos cinco anos.
“Já preenchi o processo de oitenta e tal páginas. Não foi difícil. Perguntava onde trabalhava – tive que comprová-lo com documentos -; quando é que cheguei ao Reino Unido e por aí fora. Não foi difícil, como já disse. Agora tenho de estar à espera seis meses para me darem a resposta”, revelou-nos uma emigrante portuguesa, natural do distrito do Porto.
De acordo com a nossa entrevistada – mãe de um filho adolescente a estudar numa escola inglesa e com excelentes notas -, a comunidade portuguesa, ou, pelo menos, as pessoas com quem convive ou contacta diariamente, não demonstram grande preocupação quanto ao futuro, se bem que nem toda a gente partilhe esse estado de espírito.
“Os mais antigos – aqueles que cá moram há mais tempo – concordam com o “Brexit”, porque sabem que não vão ser deportados e, depois de os emigrantes serem expulsos, haverá, no seu entender, ainda mais oferta de emprego e serão, assim, mais bem pagos. Mas, há também o reverso da medalha, é que com a saída do Reino Unido da “Europa”, o custo de vida vai, por certo, subir, e isso, obviamente, não agrada a muita gente”.
O CONSULADO PORTUGUÊS
Mas, para ficar ou partir do RU, os portugueses residentes em Londres têm de contar com os serviços do Consulado. A verdade é que, sobre a funcionalidade do mesmo, há bastantes críticas a registar.
“Ao contrário do que se diz aí em Portugal, ninguém, no Consulado, atende os emigrantes portugueses por telefone. Para pedir o Bilhete de Identidade ou Cartão de Cidadão, tem tudo de ser feito online. Depois temos de esperar, pelo menos, cinco meses para que as coisas sejam resolvidas”, relata a nossa entrevistada, que enfatiza ainda a maneira como, presencialmente, os emigrantes são tratados pelos funcionários consulares:
“São extremamente antipáticos! Há pessoas que se deslocam de longe; gastam muitas libras em transportes, e se chegarem em cima da hora de fecho, independentemente de provarem que se deslocaram um ror de quilómetros, eles fecham-lhes com a porta na cara”.
Mas há mais, para provar que “o consulado português em Londres é uma anedota”, como disse a portuguesa por nós contactada. E as provas são, entre outras, “o simples facto de não haver caixa multibanco no interior do Consulado. Quem não tiver dinheiro em numerário tem de andar uma distância ainda considerável para encontrar um caixa automático. Depois, por exemplo, quando se paga algo em euros, eles dão o troco em libras. O edifício, para que conste, não tem elevador, nem rampa de acesso para deficientes, ou idosos. É por estas e por outras que aquilo é uma verdadeira anedota”.
Números que dão para pensar
Sobre esta situação, sabe-se que o Consulado português em Londres – e são dados revelados, recentemente, pelo semanário “Expresso” – recebeu via email, desde julho de 2016, cerca de 1.500 pedidos de pessoas com dúvidas sobre questões relacionadas com o “Brexit”, destes só 150 foram atendidos presencialmente. De salientar ainda o facto que, nos primeiros três meses após o referendo de 23 de junho, quintuplicou o número de pedidos e certificados de residência analisados pelas autoridades locais
Ainda de acordo com os números divulgados pelo “Expresso”, no “terceiro trimestre de 2016, foram analisados 1.300 pedidos de certificados de residência, destes, 798 foram aprovados, 250 rejeitados e 236 considerados inválidos. Aproximadamente, 6.100 portugueses tentaram, no referido período, obter o certificado de registo de cidadão estrangeiro, atestando que vivem no país”.
Consulado promete “reforços”
Entretanto, e devido ao número crescente de portugueses a dirigirem-se, por via eletrónica ou presencialmente, ao Consulado, este, através da cônsul-geral de Portugal em Londres, Joana Gaspar, prometeu reforçar o serviço de atendimento, tendo, inclusive, preparado, com a ajuda a um escritório de advogados, cinco funcionários para lidar com as questões levantadas pelos emigrantes portugueses. De realçar que, além de Londres, Portugal só tem mais um Consulado em Inglaterra, mais concretamente, em Manchester.
Relativamente ao referido reforço, Mário, outro emigrante contacto pelo nosso jornal, este natural de Lisboa, só teve uma resposta: “duvido que vá funcionar, tantas são as pessoas que precisam de ser esclarecidas e tal é a forma lenta, quase que laxista, como somos tratados. Nós e os nossos processos!”
“Pensava que isto era outra coisa, mas demorou tempo a concluir isso. Vou regressar a Portugal. Arranjei emprego, e quero que se lixe o Brexit e a burocracia racista inglesa”, desabafou.
GABINETE DO MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS… RESPONDE ÀS CRÍTICAS E ESCLARECE DÚVIDAS
Das críticas anteriormente relevadas quanto ao funcionamento do Consulado Português em Londres, recebemos do Gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros as seguintes respostas, em documento assinado por Anna Bergstöm.
– Os poucos funcionários do Consulado são extremamente antipáticos e pouco eficientes.
“Todos os funcionários consulares são corretos no trato com os utentes e temos muitos emails com elogios e agradecimentos pelo trabalho desenvolvido e a simpatia do atendimento.”
– Não atendem os telefones
“Como se sabe, não temos recursos humanos suficientes para atender todas as chamadas. Existe um membro do centro de atendimento em permanência no atendimento telefónico e os restantes dois estão na resposta aos emails.”
– O atendimento presencial é moroso
“Depende do ato consular que vem praticar. Por vezes a espera prolonga-se quando temos funcionários doentes e os que ficam têm de cobrir o seu trabalho. Não há forma de evitar isto já que as situações de doença não são previsíveis.”
– O edifício do Consulado não tem acesso para deficientes (tipo rampas, elevador etc.)
“O Consulado tem rampa de acesso externa e elevador interno.”
– Não atendem as pessoas, mesmo quando ainda faltam alguns minutos para terminarem os serviços do dia, independentemente de as pessoas justificarem o facto de terem vindo de longe…
“Os atendimentos no Consulado só se fazem mediante marcação prévia. Se não têm marcação não podem ser atendidos, a menos que nos seja mostrado comprovativo documental da urgência.”
– Todos os processos demoram muito tempo a ser resolvidos (cinco meses), por exemplo pedidos de BI/CC
“A demora referida é para o agendamento. Como é do conhecimento, os recursos humanos do posto não são suficientes e os agendamentos para documentos e registo civil estão com um atraso de 7 semanas. No entanto, salienta-se que no âmbito dos concursos públicos para recrutamento de funcionários para os Serviços Periféricos externos do MNE, o Consulado Geral de Portugal em Londres tem sido considerado com caráter prioritário.”
– Não têm caixa automático no Consulado, tendo os emigrantes que se deslocar ao centro de Londres para efetuarem os levantamento
“Por enquanto não é possível fazer pagamentos por multibanco, mas estamos a tentar resolver os problemas contabilísticos para passarmos a ter. A caixa multibanco mais próxima fica a um minuto do Consulado que se situa no centro de Londres.”
– Queixam-se de que quando pagam em euros, lhes dão o troco em libras.
“Por vezes aceitamos pagamentos em euros a pessoas que residam fora do RU (turistas, etc., que não têm conta em libras facilitamos para não perderem dinheiro com o câmbio) mas naturalmente que a moeda de pagamento em Londres são libras pelo que o troco é dado em libras, nos termos da lei.”
Ficam dadas as respostas.
REALIDADES E DESAFIOS DOS EMIGRANTES LUSOS
Será que os emigrantes lusos em terras de Sua Majestade tencionam regressar a Portugal? Nem todos. Uma percentagem considerável, pelos vistos, pretende ficar, e os que já decidiram abalar, não colocam Portugal como porto de chegada.
“A verdade, é que o Reino Unido é bom para aqueles que usufruem dos Benefícios Sociais. Ou seja, que fazem pouco, ou nada fazem – incluindo ingleses. Uma mulher solteira (que pode estar casada, ou junta, mas que se dá como solteira), que trabalhe 16 horas semanais; que ganhe 1.300 libras mensais, e tenha um filho menor a seu cargo, a Segurança Social, cá do sítio, apoia-a com 80 por cento do montante, por exemplo, da renda de casa. Isso é muito bom! Mas isso vai acabar, se não for cidadã do Reino Unido”, relata a nossa entrevista, natural do distrito do Porto.
Quanto a alegados atos xenófobos ou racistas por parte dos ingleses para com os portugueses, os emigrantes contactados pelo “Etc e Tal Jornal” não referem qualquer tipo de problemas nesse sentido, ainda que “eles realçam muito o facto de que aquele é o seu País. E mais nada do que isso. Nunca tive esses problemas. Muito pelo contrário, tenho muitos amigos, e muitas amigas ingleses, como também escoceses. Aliás, gosto muitos dos escoceses, são mais parecidos connosco!”. Palavras do Mário.
TERRORISMO E SEGURANÇA
O atentado terrorista ocorrido no passado dia 22 de março, em pleno “coração” de Londres, o qual provocou cinco mortes e mais de quatro dezenas de feridos, colocou em causa, aos olhos do mundo, o sistema de alta segurança do país e a tranquilidade pública na capital inglesa. Ainda assim, a maior parte dos nossos entrevistados, considera que o atentado foi ocasional e que, a segurança pública metrópole londrina “funciona bem”.
“Nunca tive problemas de segurança em Londres, mas o que aconteceu em Webminster deixou-nos com medo e preocupados. Desde 2005 – ainda não estava cá – que nada tinha acontecido do género, pelo que penso que foi um ato isolado e não é por isso que os portugueses vão decidir ir embora do país”, referiu Ana, emigrante há 15 anos em Inglaterra, e natural de Matosinhos. Opinião esta que já não é corroborada por João, um luso estudante há três anos na capital inglesa, e “tripeiro de gema”, como fez questão de frisar:
“Quem estava indeciso entre ficar e regressar a Portugal, um país seguro, e que parece não estar na rota dos terroristas, penso que o atentado, e o medo que o mesmo criou a quem não está habituado a estas coisas e tem filhos por cá, por certo, terá refletido e decidido, em último caso, abandonar o Reino Unido”.
A verdade, porém, é que poucos dias depois do atentado isolado, ainda que reivindicado pelo Daesh, a vida em Londres voltou a normalidade, tendo mesmo sido realizada uma manifestação “anti-Brexit”, sem qualquer tipo de problemas.
CONTRA O “BREXIT”, MANIFESTAR, MANIFESTAR!
Milhares de pessoas, na sua maioria emigrantes no Reino Unido, saíram às ruas de Londres, no passado dia25 de março, para celebrarem os 60 anos da criação da União Europeia (UE) e protestarem contra o “Brexit”.
Com alguns portugueses, a “manif” começou junto ao Hyde Park e percorreu as principais artérias do coração de Londres. Junto ao local onde aconteceu o atentado terrorista (22 de março), os manifestantes depositaram flores e respeitaram um minuto de silêncio em memória das vítimas.
Os manifestantes reivindicaram o direito da sociedade civil britânica ser consultada e o parlamento ou a população tenha uma palavra final sobre o futuro a dar aos emigrantes que residem no Reino Unido.
David Lammy (Partido Trabalhista): “Estamos a viver numa ditadura!”
A marcha reuniu também membros de diferentes correntes políticas inglesas, entre os quais, David Lammy, do Partido Trabalhista, que, ao “The Guardian” (recorte de imprensa efetuado pela “Lusa”) foi perentório: “Estamos a viver numa ditadura. Numa democracia as pessoas podem sempre mudar de ideias. Nos próximos meses e anos vamos lutar, os trabalhistas precisam de redescobrir-se e depressa. Se um carro está a dirigir-se para um precipício, não se continua a conduzir. Continuem a lutar para manter o Reino Unido na Europa!”
OS PRIMEIROS REGRESSOS
Ainda antes do “Brexit” se encontrar em “andamento” já em movimento se encontravam muitos portugueses rumo ao seu país natal, entre eles, e na sua maioria, enfermeiros.
Segundo a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Carvalho, em declarações ao “Jornal de Notícias”, há “relatos de Conselhos de Administração de hospitais públicos a dar conta de que estão a chegar currículos de enfermeiros que estão ou já estiveram a trabalhar no estrangeiro, maioritariamente no Reino Unido”, mas sabe-se também que muitos deixaram o RU e se encontram em Portugal há algum tempo.
Entretanto, e como que a preparar-se para o êxodo, o primeiro-ministro, António Costa, anunciou, recentemente, a criação de uma unidade de missão, que possa criar um “quadro atrativo para alocar, em Portugal, empresas que deixem o Reino Unido, na sequência do Brexit”. Pelos vistos, por aqui, não se perde tempo.
Futuro nas mãos de Londres
De regresso, ou não, ao nosso País, a realidade é que uma percentagem significativa dos portugueses a residir no RU terão de “fazer pela vida”.
O isolamento das ilhas da restante Europa, como que recordando um luso “orgulhosamente sós” de má memória, trará consequências tais que os próprios súbditos de Sua Majestade desconhecem. Aliás, foram já vários os ingleses e, principalmente escoceses (este a ameaçarem uma vez mais com um referendo tendo em vista a independência do seu país e a continuidade na U.E.), a declararem, publicamente, estarem arrependidos pelo facto de terem votado a favor do “Brexit”.
O futuro do RU está, a partir de hoje, nas mãos do governo de Londres e, segundo certos analistas, não se anteveem “bons ventos” para as ilhas, ainda que nelas se respire – ainda segundo os referidos fazedores de opinião – um ar de “nacionalismo puro”, o qual não tardará a “ficar economicamente contaminado”. A ver vamos.
Fotos: Pesquisa Google
Fotomontagem de destaque: Pedro N Silva
01abr17