Bruno Ivo Ribeiro (*)
Por vezes é mais fácil ser louco no meio da loucura, do que ser normal no meio de tantos por enlouquecer. Isto porque a loucura é um estado, e a normalidade uma aparência.
Quero adormecer na chuva. Quero-me deitar no cadafalso e fazer dele um berço.
Quero deitar-me nas cordas, e recostar-me nas poças. Quero deitar-me!
Quero deitar-me minimalista e solitário nas tábuas maltratadas pelo tempo e pelos Homens.
Quero enrolar-me nas cordas para me aquecer, e torná-las os lençóis de seda brancos desta cama que improviso.
Quero espreitar pelas tábuas o chão, e saber que acima dele estou eu, ali bem rente e tão distante, ali tão perto e tão obstante, aqui tão deitado e já tão flagrante.
Quero esteirar o corpo absorto no corrimento da minha mente, e quero ao esticar um pé poder tocar uma ponta do mundo.
Ser o meu pé todo o meu corpo, ou uma amatividade deste corpo todo que descansa à chuva.
Sentir cada gota inconstante, e saborear o presente.
Esticar um braço e com ele agarrar um outro polo longínquo. Abrir os dois braços rumo ao Todo e ao Nada deste mundo e do próximo, e sentir a chuva cruzando nas costas, escorrendo pelos ribeiros vertebrais até por fim quando ao toque encontrado com o peito, se juntarem e pingarem sobre as tábuas, e consequentemente sobre o chão de aqui.
Tonificar os músculos vacilantes, e renovar o esforço na ânsia amarga de tocar os extremos e extremar o próprio corpo que se deita.
Ter a madeira como colchão, as cordas como prisão e lençóis, e ser o meu cabelo molhado o meu próprio rosto na sua plenitude, e mais a almofada onde recostarei de novo mais tarde mirando o céu longe e as estrelas que se aproximam.
A metro e meio do chão, mas a biliões de metros da Terra inteira.
Sentir o transpirar da madeira, motivado pelo suco que cai sem remorsos das nuvens, e rebentar a linhaça das cordas que me apertam e apartam pelas partes do globo.
Tenho o sentimento adjacente, e tenho o coração exangue.
Estou deitado, deitado como nunca podia estar. Deitado neste cadafalso onde descobri. Que afinal a poética mente tanto, como quanta a verdade e a vontade que quero o poeta expressar por ser quem é.
A cada gota, uma gota um mim. Cada poça um mar dentro. A corda é o pensamento que agora é livre e disperso. O cadafalso a Terra inteira, e toda a Terra, era toda a minha força!
(*) Texto e foto
05abr17