Carla Ribeiro
Às vezes, nem sei bem o que sentir…
Abeiramo-nos e na sua simplicidade, por entre vestes de uma noite quente, pediu uma sopa.
Mas, não era este o alimento que lhe faltava, mas sim o das palavras…
Num diálogo, que na altura me parecia alucinado, e até um pouco inócuo, foi-nos falando da postura do nosso atual Presidente da República, e rapidamente falava das novas tecnologias, dos telemóveis e da NASA…
Está uma noite quente, e este novo Amigo, sedento de palavras, comentava a alegria da equipa.
Rapidamente, questiona como podemos estar tão alegres, quando o país está de luto…
Comentei rapidamente que tinha falecido um grande jornalista, mas que isso não fazia alterar o destino do propósito do nosso trabalho, de vir até à rua, trazer Amor e alegria e até palavras a quem delas carece.
Vi no seu olhar o brilho de uma lágrima, neste homem, que perdido na vida, perdido no sentir, carecia apenas de palavras…
Não me perguntem o que senti…
Nem eu mesma sei.
E no meio do tanto que falamos, disse ele…
– Menina, esse vosso altruísmo é de louvar, pois vocês vêm para a rua carregados de alegria, fazer o que nem vos compete, e deixam os vossos familiares e problemas para trás, para depois resolver…
Mas é mesmo assim que somos. Tantas vezes os nossos problemas, são simples migalhas de pão, comparadas com esta realidade que cobre as ruas da nossa cidade.
São estas pessoas, também elas, o ADN da nossa cidade, da cidade de cada um…
Que nem importa qual é…
Importa apenas que nestes momentos, que sei que são meras migalhas, levar-lhes alegria, Amor, e afetos, nos gestos e nas palavras, e por vezes num simples sentar no chão, ao seu lado.
Não me perguntem o que sentir, pois apenas sei sentir, ou talvez não, pois eles sentem está cidade com uma veracidade diferente da minha…
E, entre tantas palavras, disse ele então:
– Os bombeiros hoje, necessitariam mais de vocês do que eu, e os outros que por aqui andamos… O país está de luto (voltou ele a Referir-me), 14 já morreram na cela… Mas mais vão morrer… Sabe menina eles hoje precisavam de a ter por perto… Obrigada por ser assim, e pela equipa alegre que a acompanha. Você quando chegar a casa, veja as notícias, que eu não tenho telemóvel, essas modernidades com Internet e vai perceber, que estou a falar verdade.
E depois destas palavras, e com esta mensagem…
Agradeceu, com um simples, obrigado…
Um dia voltaremos a encontrar-nos, mas nesse dia o país não estará de luto…
Não me perguntem o que senti, ainda não sei o que senti…
Foi gratidão, num misto de alucinação, que gritava das palavras deste homem, que me falava num luto que não conhecia…
A noite continuava, mas dentro de mim, estas palavras ecoavam, como que se num gesto tão simples, pudesse ligar o telemóvel e perceber, de que luto tanto ele me falava.
Não o fiz, e nem sei porque não o fiz…
Continuamos a nossa noite, nesta nossa cidade em festa, entre o aroma dos manjericos, do alho-porro, da sardinha assada e das farturas…
Brilham as luzes na cidade, cheira a festa, cheira a povo, este o ADN, característico das festas populares.
E assim foi, noite dentro, entre a folia e as cores da festa, e o olhar sem brilho de quem nos espera…
Sentado na soleira de uma loja, naquela rua, cheia de cor e tradição, uma mão estendida, segurava um chapéu.
Havia fome neste olhar, havia dor e Amor…
Um aperto de mão, que nos segura, no afeto que se sente, no sorriso que se oferece.
Sim, tinha fome… E em simples gestos de cavalheiro, segura a porta ao meu sair…
Não, não são rudes como parecem, sempre que os tratamos com simplicidade e igualdade.
São pessoas como nós, moram nesta cidade, são a vida que nem todos vemos, são as vísceras da nossa cidade, que rotularam e empurram para um nem sem bem o quê…
Continuamos, a nossa noite acabara aqui, com este nosso novo Amigo, e no meu pensamento gritava-se a palavra LUTO.
Chegado o momento de ligar a televisão, e, ali estão as chamas a consumir e devastar aquela cidade, aquelas aldeias…
Quilómetros e quilómetros de terra que já ardeu, e mo meio destas noticias… Lá estavam os bombeiros, estes que lutam, que enfrentam a ferocidade das chamas, colocando tantas vezes as suas vidas em perigo.
E foram estas chamas, que ferozes e traiçoeiras, colocaram em LUTO, tantas famílias, e o nosso Portugal.
Não me perguntem o que senti, apenas às vezes se sente assim…
E a ver e ouvir a reportagem, uma e outra vez, apenas conseguia recordar-me das palavras daquele homem, aquele que no cair da noite falava num país em luto.
Às vezes sinto assim…
Achando que nem sei sentir…
Carla Ribeiro
2017.06.18 (3:00 horas)
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E depois de algumas horas de descanso, retomei os noticiários no sentido de ver e rever, vezes sem fim imagens de devastação, que a mãe natureza em chamas e dor transformou…
Neste meu pesar aos familiares de todas as vítimas, e num agradecimento de uma forma e tamanho imensurável, para todos os operacionais que no terreno arriscam as suas vidas e se entregam, de alma e coração, para juntos degolarem este flagelo.
Não posso esquecer-me que no dia de hoje muitos foram os incêndios que devassaram o nosso país, o nosso ADN, e a todos que nos protegem todo o ano, tenho que deixar o meu agradecimento e reconhecimento, pela forma altruísta com que desafiam o perigo e as suas próprias vidas, para defender a nossa.
Desculpem-me, mas não posso também deixar de deixar uma palavras de desagrado para com alguma comunicação social…
A eles estas palavras:
Não há sensibilidade nas imagens que se transmitem, nem mesmo nas palavras que se proferem em algumas entrevistas e abordagens a estes povos em sofrimento.
Tantos de vocês, devassam a intimidade e a dor destas pessoas, apenas para conseguir audiências.
Há desrespeito pela dor e a devastação, destas pessoas, devassando-se assim vidas e sentimentos.
Parem, e pensem no respeito do outro, na dor e no sofrimento, pois podemos informar, sem devassar…
Faça-se Luto em silêncio.
A todos sem igual,
Obrigada
Até breve com novos “sentir”, novos “amar”…
Namasté
Fotos: Carla Ribeiro (CR) e pesquisa Google
Fotomontagem: CR
01jul17