O nome de Bento de Sousa Carqueja, provavelmente a poucos dirá alguma coisa, no entanto, a sua acção na cidade do Porto foi demasiadamente importante para ser esquecido.
Nasceu em Oliveira de Azeméis, em 6 de Novembro de 1860, frequentando nessa localidade o ensino primário (hoje correspondente ao 1.º ciclo), após a conclusão do qual se mudou, aos dez anos, para o Porto para continuar a estudar, no Colégio de Nossa Senhora da Glória, com as despesas por conta de seu tio e padrinho, Manuel de Sousa Carqueja, um dos fundadores do jornal “O Comércio do Porto”.
O sobrenome “Carqueja” que a família adoptou, vinha de uma alcunha dada ao seu bisavô Manuel de Sousa Bento, natural de Valbom, terra considerada da carqueja, nome que o distinguia de outro Manuel que também trabalhava na mesma loja de solas, na Rua das Congostas (rua que desapareceu com a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira, no Porto).
Os seus estudos secundários foram concluídos com sucesso e, em 1878, matriculou-se no Curso Superior de Agricultura, na Academia Politécnica do Porto, que terminou com alta classificação. Entretanto, desde 1880 que iniciara a sua actividade profissional no jornal “O Comércio do Porto”, começando como revisor e colaborador do jornal.
Sempre ávido de saber, continuou a estudar e concluiu, em 1882, o Curso Ciências Físico-Naturais (Agricultura). Em 1884 foi nomeado professor na Escola Normal do Porto, de onde se transferiu, em 1898, para Academia Politécnica do Porto, para leccionar as cadeiras de Agricultura e Ciências Físico-Naturais. Tendo em atenção a coordenação entre o ensino teórico e a componente prática, instalou o Jardim Botânico e os laboratórios de Fisiologia Vegetal e de Química Agrícola daquela instituição. Passou depois, em 1911, a fazer parte do corpo docente da Faculdade de Ciências, da então recentemente criada Universidade do Porto.
Em 1915, passou para a Faculdade Técnica da mesma Universidade (futura Faculdade de Engenharia), onde leccionou Economia Política, Contabilidade e Legislação de Obras Públicas. Mais tarde, ascendeu ao cargo de Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
A par da carreira docente, onde se manteve durante 46 anos, Bento de Sousa Carqueja foi também escritor, empresário, publicista, naturalista, conferencista e um jornalista de mérito. Com a morte do tio, em 1908, tornou-se co-proprietário do jornal, onde exerceu também o cargo de director.
Bento Carqueja via o jornalismo com um sentido de modernidade, sendo exemplo disso a frase que deixou registada e que explicita bem a sua visão:
«Um jornal tem de rejuvenescer à medida que avança na idade, porque a vida social transforma-se a cada momento e não faz sentido que a imprensa não acompanhe de perto essa transformação produzida pelo labor do engenho humano. O público, esse insaciável devorador, reclama um jornal com informações novas e surpresas.»
Mas, para lá da vida intelectual e profissional, este homem apresentava uma outra faceta de elevada importância – foi um benemérito, solidário com diversas causas, “incomodado” com as condições económicas e sociais de muitos dos seus contemporâneos…
A sua obra foi de incomensurável importância para a época pois, através do jornal “O Comércio do Porto”, Bento Carqueja contribuiu para a criação de cinco creches, em Vila Nova de Gaia e no Porto, angariando fundos para benefício desta obra social, com recurso a métodos inovadores como, por exemplo, a aquisição de um biplano (Farman MF.11), um dos primeiros aviões a voar em Portugal e que, em 1912, voou no Porto, a partir de um aeródromo improvisado, junto ao Castelo do Queijo, em que a multidão, cheia de curiosidade e admiração, pagou bilhetes que iam dos 100 reis (para peões ao sol), até aos 500 réis (na bancada). Foi um sucesso que depois se repetiu em Lisboa.
Entre 1910 e 1933 foram criadas as chamadas creches de “O Comércio do Porto”.
É curioso saber que a primeira creche funcionou numa sala da redacção do Jornal, para se aplicar o dinheiro que tinha sobrado de uma subscrição pública, ocorrida aquando das cheias de 1909.
Depois, seguiram-se outras inaugurações: a 5 de Maio de 1910, teve lugar a abertura da creche que se situava na Rua da Reboleira, nº 41; a creche no Lordelo abriu a 15 de Agosto de 1915 e, mais tarde, passou a ser denominada de António da Silva Marinho; a creche do Bonfim foi inaugurada a 1 de Setembro de 1930 e designou-se, posteriormente, de Laura Dias de Sousa. Quanto à creche da Foz do Douro, foi aberta em 27 de Agosto de 1932, designada Elisa Carqueja, o nome da mulher de Bento Carqueja.
Estas creches destinavam-se a recolher e a alimentar, durante o dia, crianças carenciadas, até aos 3 anos e eram administradas por uma comissão, eleita trienalmente, pelos sócios beneficentes.
Relativamente à creche do Bonfim, na Rua Dr. Carlos Passos, junto à Avenida Fernão de Magalhães, será interessante sabermos mais alguma coisa sobre ela, uma vez que o edifício de outrora, abandonado e muitas vezes vandalizado, tem, nos dias de hoje, outra utilização: é a Casa d’ Artes do Bonfim.
O edifício é da autoria do arquitecto Rogério de Azevedo (1898-1983) e o projecto desta creche foi feito para um pequeno terreno, cedido pela Câmara Municipal do Porto, pretendendo o arquitecto incluir um espaço maior de jardim, para recreio das crianças, o que não veio a acontecer, por dificuldades surgidas posteriormente. O edifício em causa, agora recuperado, mantém vários elementos decorativos característicos da Art Deco, quer nos painéis exteriores que ostentam relevos com temas de carácter lúdico/infantil, ou temas florais de grande sobriedade ou, interiormente, os apontamentos, em ferro, nas janelas.
Bento Carqueja promoveu, também, a partir de 1889, a construção de três bairros operários no Porto: o do Monte Pedral, em 1889; o bairro de Lordelo do Ouro, em 1901; o bairro Xavier da Mota e o do Bonfim.
Em 1914, perante a miséria em que se vivia e as restrições decorrentes da 1.ª guerra mundial, Bento Carqueja organizou as chamadas “sopas económicas”, destinadas aos mais desprotegidos, chegando a serem distribuídas mais de 70 000 refeições.
No Porto, Bento Carqueja residiu na sua casa da Rua da Alegria, n.º 953, mas, como tinha casa na Foz do Douro, na rua do Molhe, lugar que, nesse tempo, parecia ser muito mais longe do centro da cidade do que hoje é, passava as férias de Verão na Foz. Foi aí que faleceu, a 2 de Agosto de 1935, sendo depois sepultado em Oliveira de Azeméis.
Após a sua morte, o Conselheiro Luís de Magalhães, seu companheiro dos tempos do colégio, escreveu o seguinte:
«A vida de Bento Carqueja tinha três pólos: a família, o jornalismo e o ensino. Seguiu estes caminhos sem desvios e paragens, passando ao lado dos políticos e da política, sempre independente. Se tinha de escrever ou fazer alguma crítica era para bem da pessoa ou da Pátria. Possuía no sangue o lema – FAZER BEM».
Texto: Maximina Girão Ribeiro
Fotos: Pesquisa Google
OBS: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
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