Maximina Girão Ribeiro
Neste ano de 2017 comemoram-se os 150 anos da abolição da pena de morte, facto que tornou Portugal pioneiro neste processo quando, no reinado de D. Luís, foi publicada a Carta de Lei (1867) que declarava a abolição da pena capital para todos os crimes civis.
A proposta para a concretização desta importante medida foi avançada pelo Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, Manuel Baptista e aprovada na Câmara dos Pares do Reino. A pena de morte foi substituída por “pena de prisão maior celular perpétua”.
Nesta Carta de Lei, apenas a justiça militar ficava de fora pois, só com a implantação da República (1910), a lei foi alargada a todos os crimes, inclusive os militares.
Esta determinação, inscrita no sistema legal português, teve enormes repercussões em todo o mundo, especialmente na Europa. É exemplo disso a carta que o célebre escritor francês, Victor Hugo, o autor da obra “Os Miseráveis”, dirigiu ao jornalista Eduardo Coelho, redactor do jornal Diário de Notícias, datada de 2 de Julho de 1867, em que salientava:
«Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. […] Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos.»
Anteriormente a esta lei existiram algumas medidas legislativas, desde o reinado de D. Maria I, em que foi concedido às mulheres o benefício de não serem condenadas à morte, ou no reinado de D. João VI em que se comutava a pena de morte por outros castigos. Também é importante salientar que, desde 1834, não se executava a pena capital, relativamente àquilo que se considerava um crime político.
A última execução de pena de morte, por motivo de delitos civis, ocorreu em Lagos, em Abril de 1846 e, no que se refere a crimes militares, a última execução ocorreu em França, com a condenação de um soldado do Corpo Expedicionário Português, acusado de espionagem.
É por demais evidente que foi com o movimento liberal que se caminhou até á promulgação definitiva da Carta de Lei da Abolição da Pena de Morte.
Actualmente, em Portugal, a pena de morte é um acto proibido e ilegal, dado que a Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 24.º, n.º 2 que “em caso algum haverá pena de morte”.
O pioneirismo de Portugal e a importância da promulgação desta lei levou o escritor Miguel Torga, na celebração do primeiro centenário, a afirmar o seguinte:
«A tragédia do homem, cadáver adiado, como lhe chamou Fernando Pessoa, não necessita dum remate extemporâneo no palco. É tensa bastante para dispensar um fim artificial, gizado por magarefes, megalómanos, potentados, racismos e ortodoxias. Por isso, humanos que somos, exijamos de forma inequívoca que seja dado a todos os povos um código de humanidade. Um código que garanta a cada cidadão o direito de morrer a sua própria morte.»
São palavras que lembram a todos nós que existem ainda vários países que continuam a manter a pena de morte no seu quadro jurídico. Por isto, falar sobre a abolição deste procedimento continuará a ter justificação, sendo um combate permanente em prol da dignidade humana e do respeito pela vida.
O valor simbólico desta medida contribuiu para a promoção dos valores da cidadania, relevando a importância da tolerância e do respeito pela vida humana. O significado desta lei abolicionista e o seu contributo para a humanidade, enquanto consciência cívica e vivência histórica, foi reconhecida, como “Marca do Património Europeu”, pela Comissão Europeia, em Abril de 2015.
Fotos: Pesquisa Google
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
01ago17