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As mulheres “emparedadas” do Porto

Maximina Girão Ribeiro

Velhas histórias do Porto têm passado de geração em geração como autênticas lendas. Uma delas, envolta em grandes mistérios e difícil de comprovar, refere-se à existência de mulheres que viveram “emparedadas”, ou seja, viviam fechadas entre paredes… como se de um verdadeiro túmulo se tratasse!

emparedada

Sabe-se que nos tempos primitivos do cristianismo existiram mulheres e homens que preferiram viver afastados do mundo, numa clausura para o resto da vida. Escolheram o isolamento e o sacrifício levado ao extremo, fechados em pequenas celas muradas e fechadas, de onde nunca mais sairiam, senão para a sepultura.

Referiremos, neste texto, apenas o que concerne às “emparedadas” do Porto.

Oratória e Capela da Nossa Senhora Silva (Porto)
Oratório e Capela da Nossa Senhora Silva (Porto)

Estas enceladas (ou aquelas que permaneciam dentro de celas), inclusas ou emparedadas, nomes pelos quais ficaram conhecidas, condenavam-se a elas próprias a uma penitência extremista, isolando-se num cubículo estreito, um pequeno espaço limitado por quatro paredes sem saída, com sete ou oito palmos de comprido, por quatro ou cinco de largo, onde só existia uma estreita abertura, um postigo ou uma fresta, muitas vezes em forma de cruz, localizado em uma das paredes, o qual serviria para a confissão e a comunhão e para receberem uns parcos alimentos, absolutamente necessários à sua subsistência o que, normalmente era, apenas, pão e água…

A existência desta realidade, em Portugal, remonta à Idade Média e vinha acrescentar as “emparedadas” a um número demasiadamente elevado de miseráveis que sobreviviam sem “eira nem beira”, tal como eram todos aqueles que não tinham qualquer assistência (alienados e outros doentes como os leprosos, mas também os velhos, as viúvas, as crianças órfãs, os inválidos de guerra com várias incapacidades… A não ser a boa vontade dos mais caridosos, toda esta multidão vivia à míngua de quase tudo.

Emparedamento

Por vezes, o emparedamento feminino ou masculino surgia como consequência de desequilíbrios mentais, desgostos, fanatismo religioso, ou até pelo repúdio da própria família que abandonava os seus, face a diversas situações que a sociedade condenava. Assim o emparedamento funcionava, então, como expiação daquilo que se considerava pecaminoso, condenável pela sociedade da época. A existência deste “emparedamento” verificou-se um pouco por todo o país, assim como por toda a Europa.

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O escritor Arnaldo Gama, na sua obra “A Última Dona de S. Nicolau”, romance escrito na segunda metade do séc. XIX, relata episódios que se reportam a finais da Idade Média, referindo umas mulheres que se encontravam emparedadas numa casa que se localizaria numa das duas ruas que, antigamente eram chamadas da Ferraria, concretamente na Ferraria de Cima, ou seja, na rua dos Caldeireiros.

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Sobre este aspecto, mais tarde, Magalhães Basto, investigador da história do Porto, indicou que as emparedadas desta cidade e as Donas de São Nicolau seriam as Cónegas Regrantes de Santo Agostinho, instituição religiosa situada em Quebrantões ou Meijoeira, local conhecido hoje por serra do Pi­lar. Este mosteiro feminino, de invocação a São Nicolau, cujas freiras seguiam a regra de inclusas ou emparedadas, foi fundado em 1140, pelo bispo do Porto, D. Pedro Rabaldio. Assim, Magalhães Basto contrariava o que Arnaldo Gama considerava como mulheres sem filiação religiosa, que viviam em auto reclusão, condição que se arrastava até à morte de cada uma delas, localizando o emparedamento junto ao oratório da Senhora da Silva, nos Caldeireiros.

Rua dos Caldeireiros

Estas dúvidas sobre a localização das referidas “emparedadas” persistem até hoje e chega-se a aventar a hipótese que elas pudessem ter existido na rua se S. Nicolau, à beira-rio…

Quer estas “emparedadas” tenham existido do outro lado do rio, ou na velha rua dos Caldeireiros, ou noutro sítio da cidade, o certo é que estas personagens farão sempre parte do imaginário social da cidade.

Fotos: pesquisa Google

Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc e Tal Jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

01nov17

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3 Comments

  1. Anónimo

    Sobre este assunto poderá ler a obra de Arnaldo Gama “A Última Dona de S. Nicolau”,onde se refere o “emparedamento” de Branca Mendes, a última dona de S. Nicolau. Arnaldo Gama baseou-se em afirmações de frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo. No entanto, mais tarde, o historiador do Porto Magalhães Basto, põe em causa esta questão, na sua obra “Sumário de Antiguidades”, baseando-se no padre Manuel Pereira de Novais que, na obra “Anacrisis”, diz que existiram dois “recolhimentos” de emparedadas: um, na actual rua dos Caldeireiros, outro no sítio da Ameixoeira (ou Meijoeira), situado no lugar onde depois se edificou o Mosteiro da Serra do Pilar. Também Camilo Castelo Branco no livro “Coisas leves e pesadas”, apresenta a transcrição de um documento da Confraria de Nossa Senhora da Silva onde refere o mesmo tema.
    Também poderá consultar a revista “O Tripeiro”. São estes os dados que conheço. Obrigada pela atenção que deu ao artigo em causa.

  2. Eugénio Rietsch Monteiro

    Gostaria de saber mais pormenores sobre a localização das emparedadas no Poorto e, se possível, também em Gaia.
    Obrigado.

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