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Poesias Sonoras e Fado em Tempo Real (00)

Cristóvão Sá TTmenta

Em 2011-2012, em tempos que o rio não regava terrenos de cultura, inovação, arrojo e assombro, decorreu na cidade do Porto, com recurso a fundos europeus e municipais (80%+20%), o “Manobras no Porto”. Afirmava-se como “… um projeto cultural de intervenção sobre o património imaterial do centro histórico do Porto …”Desenvolveu-se a partir de propostas apresentadas por vários coletivos, associações culturais, cafés e restaurantes, com forte envolvimento das nossas gentes.

No âmbito do “Manobras…” para 2012 foi dinamizada pelo “Maus Hábitos” uma proposta à volta do Fado, a que foi dada o nome que encabeça este texto, com os seguintes focos de intervenção e produção cultural:

-Coro de Fado

-Oficina de Escrita de Poesia para Fado

-Fado Vadio

-Concertos.

A minha paixão pela escrita e gosto de participar em coletivos de canto, fez-me “chegar” ao projeto, inicialmente na oficina de escrita e depois aos outros items.

O Coro de Fado excelentemente preparado e dirigido pela Maestrina Magna Ferreira. As sessões de Fado Vadio, iniciadas no “Maus Hábitos”, onde pela primeira vez cantei fado em público e ainda por cima um “Ginguinhas”, ocuparam várias tardes de Sábados em restaurantes, cafés e bares do Porto.

Os Concertos decorreram ao ar livre nos miradouros da Sé, Vitória e Passeio das Virtudes. Um outro, no Largo do Padre Américo, bem no centro da Ribeira, onde, pela primeira vez (mais uma) cantei na rua, à noite. Neste ciclo de concertos não pode faltar a referência ao espetáculo único e memorável que decorreu na Casa do Infante, no dia 29/9/2012, intitulado “Concerto de Fado à Porto”. Não tenho, não conheço, nem sei se existe registo vídeo completo deste evento (Olá Daniel Pires e Anselmo Canha. Será que têm algo a dizer sobre isto?). Se não existe é pena. Se anda por aí fico à espera de notícias.

Ficou para o fim a referência à Oficina de Escrita de Poesia para Fado. Foi orientado pelo contador de histórias e outras andanças pelas letras e pelas palavras Thomas Backk. Nas sessões trabalhámos sobre melodias do fado tradicional, sendo objetivo construir textos para as métricas impostas pela melodia e acompanhamento da canção. Para nos ajudar, tivemos em permanência uma viola de fado eficientemente tocada pelo António Reis.

Participei, ativamente, de início com sofrimento e mesmo até combate contra um certo preconceito estético, nessa oficina. E que bem eu fiz e me fez. Percebi claramente que nas coisas da criatividade, dez por cento são de facto inspiração. O resto é trabalho, disciplina, persistência e mais trabalho, disciplina, persistência …. Aprendi a escrever a metro. Assim me impunha a música: redondilha maior, mais redondilha maior, algumas vezes, poucas, um decassílabo (heróico) . Até o alexandrino.

fado

A minha motivação para a escrita deste texto é dar-vos notícia desta rica experiência e também mostrar, perdoem-me a imodéstia, o resultado do meu trabalho: doze poemas para fado. Que revelarei nas próximas edições do jornal. Previamente algumas notas pessoais, que não sendo ciência certa, ajudarão, penso eu, a percecionar/respeitar melhor a expressão artística que é o Fado.

-poderá haver algum preconceito de que a escrita para fado é uma escrita menor. Ou até que os poemas pré-existentes “passados” para fado e outras canções, menorizam os seus autores. Erro tremendo. Vejam-se os exemplos de Vasco Graça Moura, Ary dos Santos, David Mourão-Ferreira, Pedro Homem de Mello, Couto Viana, Maria do Rosário Pedreira, Natália Correia, Manuela de Freitas e tantos outros autores;

-a maior parte do reportório de fado é cantado em melodias tradicionais do fado (há quem lhes chame de fado tradicional), sendo ao poemas adaptados a essas melodias. Por exemplo, temos assim o Fado Ginguinhas (A moda das tranças pretas), Fado Vitória (Povo que lavas no rio), Fado Licas (A Voz), Fado Triplicado (Princesa prometida), Fado Cravo (Alfredo Marceneiro), Fado Puxavante (Se em dia de Sol chover) e Fado Triplicado (Cavalo Baio). Há muitas mais outras estruturas melódicas de autores, vindos do século passado e mesmo do anterior, que se dedicaram a esta arte com uma rica e prolífera produção. Músicos contemporâneos tem-se dedicado também a compor temas novos: Jorge Fernando (Chuva, Búzios), Alain Oulman (Gaivota, Com que voz) e José Mário Branco (Fado Penélope, Fado da Tristeza), são disso exemplo.

-Relativamente aos exemplos atrás citados dedicarei algumas linhas ao Fado Triplicado. Há quem diga, por brincadeira, ser um fado que vale por três. Até pode ser que valha por três ou muito mais, dependendo dos méritos do cantador e dos músicos. A explicação para aquele nome não está relacionada com a melodia mas sim com a estrutura “…formal do poema. É composto por seis sextilhas. Em cada sextilha há três rimas. Uma emparelhada entre o  primeiro e segundo verso. Uma outra rima, esta cruzada, entre o terceiro e o sexto verso. Finalmente a terceira: outra  emparelhada entre o quarto e o quinto verso. Ou seja: aa, b, cc, b.”.

Fácil, não é. Para facilitar ainda mais a escrita, as rimas têm de ser todas diferentes. Numa das próximas colaborações darei exemplos deste Triplicado.

-Uma nota final relativa à Oficina e alguns dos seus participantes. Perdoem-me a não referência a/os outra/os. Fizeram parte do grupo O António Terra e o Miguel Bandeirinha, nomes bem conhecidos dos circuitos do fado, do Porto e arredores. Esta citação vale pela forte impressão positiva que me suscitou a rapidez e simplicidade com que construíam os seus poemas. Uma explicação possível: a musicalidade e o conhecimento da melodia estava neles e enquanto a trauteavam iam encaixando as palavras certas que a métrica exigia.

Em Março estarei cá de novo, com os meus poemas para fado. Até já.

Foto: pesquisa Google

01fev18

 

 

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