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Tributo ao poeta António Botto

Carmen Navarro

“Sou António Botto, sou poeta, fui amigo íntimo de João Villaret, Fernando Pessoa, Frederico Garcia Lorca,   que tiveram a gentileza de escrever a meu respeito sobre o meu livro de poemas – “Canções”. Foram também meus amigos que muito me consideraram, José Régio, Adolfo Casais Monteiro e João Gaspar Simões. A partir da morte de Fernando Pessoa as minhas amizades declinaram bastante, José Régio manteve sempre a sua amizade.”

antonio botto

“Nasci em Abrantes – Casal da Concavada em, 17 de agosto de 1897, meu pai foi fragateiro do Tejo. Ainda menino com apenas 5 anos, fui viver para Lisboa, para o Bairro de Alfama.

Ainda muito jovem fui ajudante de uma livraria, o que muito me agradou.

O meu primeiro Livro foi “ Flor do Mal” em 1919, tinha então 22 anos; e lembro:

A noite,
– Como ela vinha!

Morna, suave,
muito branca, aos tropeções,

já sobre as coisas descia,

e eu nos teus braços deitado.
Até sonhei que morria.

Já homem abraçando uma ilusão entrei para a função pública como escriturário, embarquei para Angola para trabalhar na Repartição Política e Cível de Santo António do Zaire e mais tarde em Luanda.

Um lugar de funcionário público chamava-me na miragem de melhorar os meus dias. Ao fim de dois anos voltava desiludido, mais triste. Contudo, a ambição de bem-estar apertava o meu anseio. Visitei a França, a Itália, fui à Bélgica, à Holanda, e nada me convenceu…
Fui como escriturário para o Arquivo Geral de Identificação em Lisboa, até à altura em que fui expulso devido à polémica que o meu livro de Poemas “Canções “ gerou.

Foi uma acérrima polémica de teor essencialmente moral, projetado como caso público após a apreensão do segundo volume de Canções em 1922. “

Dandismo

Não sei se te quero

mas quando não posso ver-te

Sou um cego.

 

Se levanto a minha mão

E não a sinto apertada

Ou envolvida nas tuas,
Não a vejo, – Não sei dela…

E é necessário

Que o teu abraço me abrace,

E a tua boca me beije,

Para me sentir a mim…

Aqui tens
porque procuro prender-te:

Perdoa, mas sou assim.

O poeta António Botto tem no seu livro “Canções”, poemas extraordinários de um lirismo e sensualidade únicos na poesia portuguesa. “Canções” é uma obra que se foi expandindo, entre 1921 e 1941, sucessivamente acrescentada de novos títulos, até atingir, na sua forma definitiva, os quinze livros que a compõem: 1º. Adolescente, 2.º Curiosidades Estéticas, 3º. Pequenas Esculturas,  4º. Olimpíadas,  5º.  Dandismo,  6º. Ciúme,

7º.Baionetas da Morte, 8º. Pequenas Canções de Cabaret,  9º. Intervalo, 10º. Aves de Um Parque Real, 11º. Poema de Cinza,  12º. Tristes Cantigas de Amor , 13º A Vida Que Te Dei,  14º. Sonetos, 15º. Toda a Vida.

Canções” – Este livro nada mais é que um canto ao amor de uma forma modernista, reconhecido pelos elementos da revista Orfeu.  A hipocrisia da sociedade do tempo sentiu-se incomodada com a frontalidade do mesmo.

O mais importante na vida é ser-se criador – criar beleza.

Se passares pelo adro
No dia do meu enterro,
Dize à terra que não coma
Os anéis do meu cabelo.
Já não digo que viesses
Cobrir de rosas meu rosto,
Ou que num choro dissesses
A qualquer do teu desgosto;
Nem te lembro que beijasses
Meu corpo delgado e belo,
Mas que sempre me guardasses
Os anéis do meu cabelo.

Da vida não quero nada. De tudo me hei-de esquecer…

Se fosses luz serias a mais bela
De quantas há no mundo: — a luz do dia!
— Bendito seja o teu sorriso
Que desata a inspiração
Da minha fantasia!
Se fosses flor serias o perfume
Concentrado e divino que perturba
O sentir de quem nasce para amar!
— Se desejo o teu corpo é porque tenho
Dentro de mim
A sede e a vibração de te beijar!
Se fosses água, música da terra,
Serias água pura e sempre calma!
— Mas de tudo que possas ser na vida
Só quero, meu amor, que sejas alma!

Apesar de homossexual assumido, casou em 1947 com Carminda da Silva Rodrigues, pois nesse tempo a moral assim o exigia. O Banqueiro Ricardo Espírito Santo, ajudou, oferecendo-lhe 40 contos para voluntariamente ir exilado para o Rio de Janeiro no Brasil. Foram tempos muito difíceis pois sentiu-se muito desenraizado do ponto de vista social, tendo pedido várias vezes o repatriamento o que sempre lhe foi negado pelo Regime.

Para sobreviver escreveu artigos, colunas e critica literária em jornais entre os quais na revista Contemporânea e a Revista Municipal , publicou vários livros, entre muitos outros, “O Livro do Povo”, “Os Contos de António Botto”, “O Livro das Crianças”, livro de sucesso de contos para crianças que foi oficialmente aprovado como leitura escolar na Irlanda, sob o título The Children’s Book, traduzido por Alice Lawrence Oram.

Mas tudo isto se revelou insuficiente a doença que teimosamente nunca quis tratar levou-o a uma situação de miséria.

Não me peças mais canções
Porque a cantar vou sofrendo;
Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.
Se a minha voz conseguisse
Dissuadir essa frieza
E a tua boca sorrisse!
Mas sóbria por natureza
Não a posso renovar
E o brilho vai-se perdendo …
– Sou como as velas do altar
Que dão luz e vão morrendo.

António Botto, em 17 de fevereiro de 1956 depois de ter sido atropelado por uma viatura oficial que se pôs em fuga, morre treze dias depois no Rio de Janeiro, onde se exilou.

Quando os restos mortais foram transladados para Lisboa, em 1965 estiveram um ano para serem colocados num gavetão no Alto de S. João, onde apenas assistiram à cerimónia o sempre amigo José Régio, Ferreira de Castro, Natália Correia, David Mourão Ferreira e os artistas plásticos luís Amaro e Dórdio Guimarães.

O repúdio da vulgaridade, uma corajosa autenticidade, a afirmação do corpo inteiro num país fatidicamente provinciano, explicam a cegueira que ao longo de vários anos tem arrumado em prateleira a poesia do grande poeta  António Botto.

Se me deixares, eu digo
O contrário a toda a gente;
E, n’este mundo de enganos,
Fala verdade quem mente.
Tu dizes que a minha boca
Já não acorda desejos,
Já não aquece outra boca,
Já não merece os teus beijos;
Mas, tem cuidado comigo,
Não procures ser ausente:
– Se me deixares, eu digo
O contrário a toda a gente.
António Botto foi o poeta de entre os poetas da sua geração, aquele que recebeu mais rasgadas elogios por parte de Fernando Pessoa.

O espólio literário e poético, foi enviado do Brasil pela sua viúva, para um sobrinho de António Botto, que por sua vez o doou à Biblioteca Nacional.

Foto: pesquisa Google

01fev18

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