Jorge de Sena foi uma das figuras mais proeminentes da cultura portuguesa do nosso século XX, destacando-se como poeta, crítico, dramaturgo, tradutor, ensaísta, ficcionista, professor universitário.
Nasceu em Lisboa a 2 de Novembro de 1919, proveniente de uma família bem posicionada socialmente. Fez os seus estudos na capital ocupando já, o seu tempo de juventude, com uma persistente leitura, tocando piano e escrevendo poemas. Inicialmente pensava seguir as pisadas de seu pai, comandante da marinha mercante e, aos dezassete anos começou a frequentar a Escola Naval, chegando a fazer a viagem de instrução a bordo do navio-escola “Sagres”. Embora Sena fosse um aluno brilhante, na parte teórica do curso, no entanto, após essa longa viagem e, perante a dureza da preparação física e a exigência proposta para atingir a patente de oficial, acabou por ser excluído da Marinha, sob o pretexto de lhe faltarem as “necessárias qualidades” para atingir o posto de oficial.

Em 1940 iniciou o curso de Engenharia Civil, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, o qual interrompeu devido a graves problemas de saúde. Nesse mesmo ano, conheceu Maria Mécia de Freitas Lopes (irmã do crítico literário e historiador da literatura Óscar Lopes), com a qual casou em 1949 e com quem teve nove filhos.
Jorge de Sena voltou a frequentar o curso de Engenharia, concluindo-o em 1944. Foi durante este curso que a cidade do Porto o inspirou na escrita de numerosos poemas, dos quais aqui destacamos alguns, inseridos em a “Coroa da Terra” (1946), obra em que o poeta faz a seguinte dedicatória: “À cidade do Porto onde este livro foi, na sua maior parte, vivido e escrito […]”.
Metamorfose” poema que, segundo elucidou Mécia de Sena (sua mulher), a torre mencionada é a Torre dos Clérigos:
“Para a minha alma eu queria uma torre como esta,
assim alta,
assim de névoa acompanhando o rio.
Estou tão longe da margem que as pessoas passam
e as luzes se reflectem na água.
E, contudo, a margem não pertence ao rio
nem o rio está em mim como a torre estaria
se eu a soubesse ter…
uma luz desce o rio
gente passa e não sabe
que eu quero uma torre tão alta que as aves não passem
as nuvens não passem
tão alta tão alta
que a solidão possa tornar-se humana.”
Igualmente o poema “Cidade” retrata o Porto:
“Imensa, troglodita, ambiciosa,
vai a cidade até à praia;
perdeu no campo as rochas cor-de-rosa,
e o mar, se a busca, evita-a, não desmaia,
antes se ergue negro contra o desconforto.
O rio leva casas debruçadas
que já, com o tempo, foi cavando em arcos
de perfil sem cal, inclinado e morto…
e leva também barcos.
No céu, as nuvens correm desviadas,
enquanto o Sol, em dardos, sobre o mar as crava.”
Também o poema “Dia de Sol”, tal como esclareceu Mécia de Sena, decorre no Porto, concretamente nas Fontainhas.
“Sob a teia de sombra dos galhos outonais,
Passaram crianças
Guiando na aragem
A outra já morta.
Não era a mãe nenhuma das mulheres.
Falavam tranquilas;
quase não vivera,
tão pequeno ainda.
E, rio acima, iam subindo barcos,
hora a hora menores,
na distância tão grande, que alisava as águas.”
Finalmente, a “Ode aos Plátanos”, evoca estas árvores da Cordoaria, sítio próximo do edifício onde hoje funciona a reitoria da Universidade do Porto, local frequentado por Jorge de Sena quando era aluno dos chamados “preparatórios” em Ciências, antes de fazer o curso de engenharia na (FEUP) que estava instalada, nesse tempo, na rua dos Bragas. Este poema que salienta a imagem dos plátanos, despidos de folhas, de esguios ramos hirtos,… foi publicado em 1950, na obra “Pedra Filosofal”.
Queda de folhas com que a aragem soa
a luz do sol em sombras sobre os vossos troncos
de esverdinho ouro secular
– ó plátanos dourados e nodosos! –
que sempre o mesmo Outono vos consola,
dormência igual, Inverno já tão próximo,
carícia vegetal de esquecer tudo,
folhas tombando, esguios ramos hirtos,
tão doloroso e fácil contemplar-vos!,
tão lentidão de sombras mais antigas
que a dança cadenciada de escutar-vos.
Troncos, rochedos, grenha de braçadas,
chiar de sonhos, solidão musgosa,
e as folhas caem por entre a limpidez
de um ar sonoro levemente azul.
Ligeiras, secas, já de sempre ouvidas,
as folhas correm pelo saibro húmido.
Nas noites frias, rígidas, metálicas,
de sono lúcido e profundo além névoa,
com vossos ramos nus tão numerosos,
que nevoeiros calmos esfarraperais!
– ó plátanos dourados e nodosos!…
A sua carreira como engenheiro iniciou-se em 1947, na Câmara Municipal de Lisboa (na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização), trabalhando depois na Junta Autónoma das Estradas (JAE), onde permaneceu até ao seu exílio, quando foi para o Brasil, em 1959, devido à sua oposição ao regime salazarista. Após uma tentativa falhada de golpe de estado, em que se envolveu, começou a recear perseguições políticas. Também a existência de uma pesada opressão política e de uma censura literária, foram factores que contribuíram para sair de Portugal e rumar ao Brasil, onde leccionou em várias universidades, na área da literatura, acabando por fazer o seu doutoramento em Letras, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (São Paulo).
A partir da implementação da ditadura militar, no Brasil, em 1964, as condições alteraram-se no país e Jorge de Sena aceitou um convite para leccionar Literatura de Língua Portuguesa, na Universidade de Wisconsin (Madison). Partiu para os Estados Unidos, em Outubro de 1965, sendo aí nomeado professor catedrático, em 1967. De 1970 até 1978 foi catedrático efectivo de Literatura Comparada, na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara. Os anos que viveu na América e, por que trazia Portugal na alma, foram anos por ele sentidos como de afastamento, de saudade, de incompreensão do meio académico americano, perante a profundidade e qualidade da sua obra, poucas vezes reconhecida nesse país.
Com a revolução portuguesa de 1974, Sena sentia vontade de regressar definitivamente a Portugal e contribuir para a consolidação da democracia portuguesa mas, o facto de nenhuma universidade portuguesa lhe ter dirigido convite para exercer a docência em Portugal, fê-lo desistir da ideia e continuou a viver e a trabalhar nos Estados Unidos.
Jorge de Sena foi detentor de vários prémios e deixou uma vasta e multifacetada obra, parte da qual foi publicada, postumamente, pela sua viúva, Mécia de Sena, mulher combativa, sua dedicada companheira, seu fiel amparo, sua colaboradora zelosa, a quem se deve a organização do espólio literário de seu marido, bem como a edição da correspondência dele com ela e com importantes figuras das letras portuguesas e brasileiras.
Entre os vários temas que tratou nos seus poemas, deixou vários sobre a morte, carregados de amargura e de uma certa revolta, como é o caso de “Epitáfio”, in “Post-Scriptum II”:
Eu sou daquela espécie
de quem se diz depois da morte:
– a sua melhor obra foi morrer.
Este intelectual faleceu em Santa Barbara, na Califórnia, vítima de cancro (um tumor na cabeça), aos 58 anos, em 4 de Junho de 1978.
Embora tenha tido uma vida atribulada, a sua obra, caracterizada pela pureza linguística, será sempre recordada e enriquecedora para a cultura portuguesa.
Texto: Maximina Girão Ribeiro
Fotos: pesquisa Google
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
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