Maximina Girão Ribeiro
Hoje, quando no Porto falamos do “Palácio” referimo-nos, com certeza, ao local que albergou o célebre, mas já extinto Palácio de Cristal, cuja inauguração ocorreu, em 1865. Erguido num local conhecido por campo da Torre da Marca, destacava-se no promontório sobranceiro ao rio Douro. Antes da construção do Palácio de Cristal, existia aí uma torre militar, em pedra, que tinha sido mandada construir por D. João III, em 1542, a fim de substituir um velho pinheiro que, nesse sítio elevado, servia de referência na orientação dos barcos que entravam na barra do Douro. Essa Torre permaneceu até 1832, altura em que foi arrasada, durante o cerco do Porto quando, do lado de Gaia, a artilharia miguelista tentava atingir a bateria da tropa liberal, comandada por D. Pedro IV, a qual se encontrava colocada naquele ponto estratégico.
A construção do Palácio de Cristal iniciou-se em 1861, sendo seu autor o arquitecto inglês Thomas Dillen Jones que se inspirou no Crystal Palace londrino onde, em 1851, se realizou a Exposição Universal, símbolo de um tempo caracterizado por algumas conquistas tecnológicas que o mundo deveria conhecer, através de exposições ou mostras de divulgação das inovações em diferentes áreas.
Assim, à imagem do que se passava em Inglaterra, também o Porto queria ter o seu espaço destinado a exposições e eventos culturais. Embora o dinheiro não abundasse, em Portugal, existia a vontade de «construir um palácio destinado a exposições agrícolas, industriais e artísticas». Com esse objectivo foi criada, em 1854 a Sociedade do Palácio de Cristal Portuense para concretizar, no campo da Torre da Marca, um edifício construído em granito, ferro e vidro, rodeado de jardins, fontes, lagos e… muita beleza.
Foi esta Sociedade, da qual faziam parte nomes sonantes da cidade, como Alfredo Allen, mais tarde, visconde de Villar d’ Allen, Francisco de Oliveira Chamiço e Francisco Pinto Bessa que, em 1861, organizou a Primeira Exposição Industrial Portuguesa, ainda no Palácio da Bolsa pois, nesse mesmo ano, iniciavam- se as obras para a edificação do que viria a ser o futuro Palácio de Cristal. O lançamento da primeira pedra teve lugar, em 3 de Setembro de 1861 e contou com a presença do rei D. Pedro V que, durante a cerimónia afirmou que “O Porto foi sempre o primeiro em todas as iniciativas, úteis e fecundas do país”, palavras que bem demonstram a abertura da cidade ao progresso, ao desenvolvimento e às inovações.
O Palácio de Cristal simbolizava, portanto, o sonho de progresso e o desenvolvimento industrial e tecnológico que a cidade começava a conhecer, em finais do séc. XIX, através do operariado e da industrialização, bem como do incremento da produção agrícola, no País. Em quatro anos o edifício do Palácio de Cristal ficou pronto e, na parte cimeira da fachada principal, ostentava a palavra mais emblemática da época: PROGREDIOR.
A sua construção diferenciava-se do Crystal Palace londrino, por não ser só em ferro e vidro, mas por possuir uma fachada granítica, bem ao gosto portuense, ladeada por torreões monumentais. Se o exterior era imponente, também o interior apresentava uma enorme beleza com uma magistral nave central (150 metros de comprido e 25 de largo), com uma abóboda em vidro e duas naves laterais (cada uma com 100 metros de comprimento e 9 de largura) – as três naves totalizavam uma área coberta de 7.900 m2.
Do interior do Palácio de Cristal destacamos os teatros, nomeadamente o Teatro Popular e o Teatro Gil Vicente tendo, este último, uma capacidade para mil espectadores. Existia também um órgão considerado como um dos melhores do mundo de então. Para além destes equipamentos, o Palácio dispunha igualmente, nas naves laterais, de serviços de apoio de que constava uma sala de bilhar, um gabinete de leitura, locais de exposições de arte,… Sobre os jardins e o lago, com barcos para recreio dos visitantes, estava instalado um restaurante, estufas com plantas tropicais e outros equipamentos com interesse.
O Palácio de Cristal foi concebido para acolher a grande Exposição Internacional do Porto, a primeira que se realizou na Península Ibérica e que foi inaugurada, em 18 Setembro de 1865, por D. Luís I, que veio ao Porto, acompanhado de Dona Maria Pia e do príncipe herdeiro, vários ministros e outras figuras de destaque. A cerimónia revestiu-se de uma grande solenidade, com a presença, também, de uma multidão de populares que quiseram acompanhar este evento de âmbito internacional que foi notável, pois a cidade encheu-se de estrangeiros, dos quais se contavam 3.139 expositores, entre franceses, alemães, britânicos, belgas, brasileiros, espanhóis, dinamarqueses e ainda representantes da Rússia, Holanda, Turquia, Estados Unidos e Japão.
O edifício do Palácio de Cristal estava rodeado de jardins, desenhados por Émile David, um jardineiro-paisagista alemão que se radicou no Porto. Esses jardins são espaços providos de grande variedade de plantas e de muitas árvores de que se destacam as tílias, os plátanos e as palmeiras. Integrados nos jardins e, à boa maneira romântica, existiam grutas artificiais, torres, miradouros, uma pequena ilha situada no lago, um coreto e, a ainda existente concha acústica e as estátuas de ferro bronzeado e outros adornos que enfeitavam o local.
Durante 86 anos o Palácio de Cristal, símbolo ímpar da arquitetura do ferro, em Portugal, acolheu numerosas exposições, entre elas a Exposição da Rosas (1879), Exposição Agrícola (1903), além de inúmeros concertos, como os do compositor Viana da Mota ou da violoncelista Guilhermina Suggia, assim como exposições, iniciativas desportivas, culturais e recreativas, das quais salientamos as festas comemorativas do Quinto Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique.
No entanto, as primeiras décadas do século XX foram catastróficas para o Palácio de Cristal, devido à falta de dinheiro e, consequentemente, à falta de manutenção de todo o complexo arquitectónico, onde começaram a ser evidentes os sinais de degradação, de desleixo, de abandono.
Perante este estado de ruína, a Câmara Municipal do Porto comprou, em 1933, o Palácio de Cristal e os terrenos envolventes, dado que o Estado Novo pretendia realizar a 1.ª Exposição Colonial Portuguesa (1934), como forma de propaganda ao regime, mostrando as realizações portuguesas, no vasto império pluricontinental. Foi este um acontecimento de grande impacto na vida da cidade do Porto, nos anos 30, mobilizando e trazendo à cidade milhares de visitantes que encontravam, no vasto recinto, as típicas aldeias indígenas e os “stands” das colónias, exibindo os artefactos característicos de cada região, assim como a presença de indígenas de cada território que atraíam a curiosidade e o impacto de quem visitava o recinto…
Continuando a acentuar-se a ruína do edifício, pelo fraco investimento feito na recuperação do mesmo, em Dezembro de 1951, por deliberação camarária, foi decidido demolir o Palácio de Cristal, com a urgência e o pretexto de se construir um espaço moderno, capacitado para aí se realizar o Campeonato do Mundo de Hóquei em Patins, que teria lugar, logo no ano seguinte.
A demolição foi rápida, mas conturbada pelas muitas vozes que reagiram contra este atentado patrimonial. Em substituição do Palácio de Cristal surgiu um pavilhão, o Pavilhão dos Desportos, da autoria do arquitecto José Carlos Loureiro, edifício em forma de calote semi-esférica que, mais tarde (1991), recebeu o nome de Pavilhão Rosa Mota, em homenagem a esta maratonista e campeã olímpica portuense.
Assim, embora a cidade continue a recordar o Palácio de Cristal, agora, quase só através de textos ou de fotografias antigas, aquele edifício onde sobressaía a leveza e a graciosidade de uma combinação de materiais invulgares até à época da sua construção, cedeu o seu lugar a um dos mais paradigmáticos ícones da cidade do Porto, primeiro muito criticado, depois aceite. E, tal como se costuma dizer: “primeiro estranha-se, depois entranha-se!”. Na realidade, o grande “cogumelo” que é o Pavilhão Rosa Mota, marca de forma indelével a imagem do Porto.
Fotos: pesquisa Google e Pedro N. Silva (Arquivo EeTj)
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
01jun18
Obrigada. Gostei muito de saber mais!! É uma pena ter sido mandado abaixo… Era um edifício lindo!