José Luís Montero
A vida queima e não é pelo calor. Suécia, Grécia e ontem Portugal e Espanha sentiram o crepitar das brasas nos seus bosques. A terra fica com a cor da borralha e alguém num escritório ouve música clássica e decide onde assar sardinhas ao ar livre. Assistimos a um repovoamento das florestas através da barbárie incendiária.
Não são os ministros, nem os abaixo de ministros, nem os acima dos mesmos; são os abancados em escritórios sinistros. Sobram palavras; sobram gestos; falta coragem para decapitar os escritórios da avarícia amadeirada.
Um dia longínquo levei uma cacetada da polícia enquanto esperava que o Centro Nacional de Cultura abrisse as portas para findar uma Semana de Poesia. Esperávamos a chegada do trovador José Afonso. Nessa noite longínqua enquanto descia a rua Garrett disse, baixo a impressão da cacetada nas costas: “A Poesia não é uma arma.” O lamento e os selfies presidenciais no caso dos fogos que constrangem a Europa não são a solução. No caso dos fogos, tal como na morte, caem os pobres Portugal e Grécia; cai a rica Suécia e cai a decadente Espanha.
Nada a fazer perante um estado de coisas que são decisões das poltronas do oculto. Onde se vai capturar o fósforo assassino? Algures… Talvez se encontre alguma coisa no palheiro onde repousam as agulhas extraviadas. Determinismo? Não. Consciência que diz e clama pelo derrocamento desse Poder absurdamente piramidal.
E caiu ao mesmo tempo que Portugal a decadente Espanha e volta a cair, em época aniversariante, pragada pelas chamas da corrupção. Desta vez os “canudos” dos políticos são só a anedota recorrente na hora do “pincho” e do vinho clarete. O Rei – emérito Juan Carlos I aparece como personagem principal nas gravações da princesa-musa de negócios e amores Corinna. Umas gravações encenadas por cenógrafos onde Mónaco é mais que um desfile de glamour e luxuria. Está um polícia de vertentes poliédricas: Villarejo que se encontra resguardado em prisão. Aparece um empresário que cresceu à sombra do seu amigo e colega de carteira colegial José Maria Aznar chamado Villalonga. E aparece a princesa-musa como narradora dos avatares reais. Está servido o caldo azedo e escaldante da derrocada.
A narradora não fala de falta de dinheiro porque o dinheiro chove. Não fala de lugarzinhos porque a ação é global. Fala-se de um rei-emérito que diz a lenda que precede estas revelações que ao início da sua chefia disse: não quero viver o que viveu o meu avô Afonso XIII quando foi destronado com a falta de dinheiro… Fala-se do monarca juancarlista que substituiu o sentimento ou ideal monárquico pelo sentimento ou ideal personalista do juancarlismo.
O Poder desta Espanha mostra-se promíscuo e transversal. Não existe diferenças partidárias; existem pessoas que aparecem nos casos de corrupção vinculados ao PP; aparecem no caso vinculado ao ex-Presidente de Catalunha Jordi Pujol. Aparecem nos casos derivados das já famosas gravações da princesa e musa Corinna. Nesta montra de loja de espanto os manequins não estão vestidos, estão submergidos entre notas de banco de todas as procedências. Estamos perante casos obscenos de poder e riqueza.
Sendo o Rei-Emérito Juan Carlos I ainda Rei de Mérito algum jornalista tal como Jesus Cacho que o seu entreter profissional eram questões do mundo económico e financeiro, aparecem referências a atividades do então Príncipe Juan Carlos encomendadas pelo ditador Franco. Acontece uma crise de petróleo. Franco envia o Príncipe de Astúrias à Arábia Saudita. Juan Carlos consegue petróleo a bom preço segundo esta “lenda”, no entanto, Juan Carlos de Borbón y Dos Sicílias ficaria com uma percentagem – uma comissão – sobre os barris de petróleo. Vivia a Espanha rubra e calorosa já a época do governo socialista de Felipe Gonzalez e o jornalista Jesus Cacho volta a narrar um episódio da questão do petróleo. Felipe Gonzalez esperava uma reunião real no Palácio da Zarzuela. Aparece o secretário-real. Felipe Gonzalez aborda o funcionário – real sobre esta questão e queixa-se porque a comissão é desorbitada.
Acabo esta crónica sobre as chamas deste verão com uma das expressões da princesa-musa Corinna: “Me quiere no porque me quiera mucho; pero, si porque soy residente em Mónaco.”
Foto: pesquisa Google
01ago18