Maximina Girão Ribeiro
O Porto e os seus habitantes sofreram os horrores das pestes e epidemias. Começamos por nos reportar à Idade Média para recordarmos o flagelo da peste negra que inspirava terror e causava uma enorme mortandade, entre a população do burgo. Muitas foram as pestes (nome comum para muitas das doenças da época) que assolaram o País, por diversas vezes. Inicialmente, tudo indica que a propagação da doença se deu por meio de ratos mas, principalmente, por pulgas infectadas que, com as suas picadas, transmitiam às pessoas a doença. Para a propagação da mesma, contribuíram as precárias condições de higiene e habitação que existiam, na época.
Lembramos que, entre 1348 e 1352, no reinado de D. Afonso IV, a peste negra devastou a Europa, propagando-se a Portugal e deixando o Reino numa profunda crise demográfica, social e económica. Toda esta difícil conjuntura e, para fazer face aos novos surtos de peste que se registaram até 1365, tomaram-se medidas para impedir o alastramento da doença, sobretudo medidas repressivas, incluindo a perseguição às feiticeiras e a discriminação contra os judeus que eram acusados da propagação da doença. O total desconhecimento sobre a forma como as doenças se disseminavam, bem como a total ineficácia terapêutica, conduziam a práticas obscuras por parte da população e, por parte do poder, a formas de repressão, segregação, internamento forçado ou abandono puro e simples dos doentes.
No Porto, o topónimo “taipas” que deu origem à rua das Taipas, surgiu a partir de 1485, quando a cidade foi atacada pela peste, numa altura em que a urbe tinha já um forte perfil mercantil, com uma enorme movimentação provocada pela entrada e saída de pessoas e mercadorias, principalmente, através da zona ribeirinha, deixando a cidade mais vulnerável às epidemias com a chegada de tantas embarcações, vindas de diferentes pontos geográficos. A actual rua das Taipas, por essa altura, designava-se por rua do Olival, pois ficava próxima da Porta do Olival. A rua estendia-se ao longo da muralha fernandina e, através dessa artéria, chegava-se à Porta das Virtudes. Como a peste apresentou os primeiros sintomas na parte alta da cidade, na zona da Porta do Olival, as autoridades entenderam “entaipar” ou fechar, nos dois extremos, a antiga rua do Olival, para que a peste não se propagasse às populações ribeirinhas. Para travar a expansão da doença, as pessoas atacadas foram retiradas da zona infectada, transferindo-as para a torre de Pedro Sem que ficava num local considerado afastado da cidade e transformando-a em “hospital” para os pestíferos.
Ao longo dos tempos, outras epidemias foram surgindo e o Porto foi atingido, sobretudo no século XIX, por vários surtos epidémicos, nomeadamente em 1833 (em pleno Cerco do Porto) e, também de 1854 a 1856.
Por volta de 1854/55, chegou a Portugal a epidemia de cólera (cholera morbus) que atingiu especialmente o Porto e a região Norte de Portugal. Numa época em que as populações afluíam às cidades do litoral, à procura de uma melhoria de vida, as condições sanitárias eram muito deficientes e as medidas de combate à propagação desta epidemia constituíam já preocupações que emergiam na sociedade portuguesa, pois o crescimento populacional da cidade impunha medidas concretas e rápidas, porque as condições de habitabilidade eram péssimas, o saneamento e o abastecimento de água muito deficientes e, toda esta contextualidade favorecia o contágio e uma elevada mortalidade. A varíola, o sarampo, a tuberculose, as febres tifóides, a coqueluche, a difteria, acrescidas da onda de cólera, criaram na cidade um panorama dramático.
Todos os estractos sociais eram atingidos por estas epidemias, até o rei D. Pedro V morreu com 24 anos, a 11 de Novembro de 1861, vitimado pela febre tifóide, poucos dias após ter visitado o Porto, onde contactou com muitas pessoas.
Durante estes períodos de epidemias iam-se montando as chamadas “barracas-hospitais” para acudir aos problemas mais graves, mas com a cólera e a sua rápida expansão, pensou-se seriamente num hospital que tratasse as vítimas.
O Hospital Goelas de Pau (hoje designado por Hospital Joaquim Urbano) foi criado para receber e isolar os doentes, durante a epidemia de cólera e foi instalado numa quinta, na zona do Bonfim (próxima da Rua de Barros Lima), num local elevado e arejado que, naquele tempo, era longe do centro da cidade, o que era positivo para evitar contágios. Este Hospital começou por se chamar do Senhor do Bonfim mas, como a propriedade onde estava a funcionar, era conhecida por Goelas de Pau, este topónimo ficou sempre na gíria popular, pois recordava o antigo dono da quinta que era um homem de elevada estatura, com um pescoço muito alto, a quem as pessoas chamavam de “Goelas de Pau”…
Mais tarde, já em finais do séc. XIX, o surto da peste bubónica, no Porto, fez tremer de pânico a cidade.
A peste bubónica era “uma espécie de febre com nascidas debaixo dos braços”, os chamados “bubões” (inflamação dos gânglios linfáticos), doença que foi muito estudada pelo médico bacteriologista, Dr. Ricardo Jorge (1858-1939). A doença, com origem remota, alastrou do Oriente para Ocidente e, em 1898, havia já notícia de casos registados no Egipto, o que fazia prever que, em breve, poderia surgir entre nós.
E foi, na realidade, o que aconteceu, aqui chegando, muito provavelmente, por via marítima, em 1899. O Dr. Ricardo Jorge, Director dos Serviços Municipais de Saúde e Higiene da cidade, tentou actuar rapidamente para “isolar” os doentes e proceder à desinfecção das casas. O médico Ricardo Jorge preconizava um cordão sanitário e outras medidas que evitassem a rápida propagação da doença. A sua intenção era mobilizar as estruturas sanitárias e a polícia para garantir o isolamento e conter o surto sem perturbar a vida e a economia da cidade. Mas, a Junta Consultiva de Saúde Pública, máxima autoridade sanitária no Reino, não entendeu da mesma forma esta sua intenção, o que deu origem a um enorme desacordo entre os serviços médicos e as autoridades políticas, trazendo para a cidade funestas consequências. Este desentendimento durou várias semanas, sendo depois determinada a proibição de feiras e outros ajuntamentos e considerado o porto de mar como escala marítima infectada. A situação era tão grave que foi imposto à cidade um cordão sanitário, controlado por forças militares. Toda esta conjuntura provocou fortes consequências económicas e muita agitação social, com tumultos populares que obrigaram o Dr. Ricardo Jorge a retirar-se da cidade.
Assinalamos, ainda, outras doenças que avassalaram a cidade: a pneumónica que teve lugar durante a 1ª guerra mundial e a gripe espanhola, uma epidemia gripal (a influenza) que atacou, de forma generalizada todo o País, em 1918, causando um ambiente dramático, com efeitos devastadores, sobretudo em Lisboa e no Porto, sem que houvesse capacidade para combater eficazmente o grave problema.
A ignorância, a escassez de recursos, as precárias condições de vida da população e muitos outros factores se conjugaram para ceifar vidas, em cada uma das epidemias como, por exemplo com a pneumónica, que matou entre 50 e 70 mil pessoas.
Com estas doenças e toda a brutalidade que carregavam, o quotidiano das populações alterava-se profundamente. As emoções estavam à flor da pele, a dor e o sofrimento dominavam o espaço e os comportamentos individuais, as relações entre os habitantes da cidade modificavam-se – era uma situação de permanente intranquilidade, uma sensação de insegurança, de impotência para debelar a doença, uma desorganização social, uma paralisação das actividades diárias, quer no campo económico, como a nível social e politico.
Nota: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
Fotos: pesquisa Google
01set18