Fernanda Ferreira
Havia uma abelha que só não se chamava Maya, porque no enxame a que pertencia, como todas as abelhas eram numeradas, recebiam um nome numérico e a cada uma era atribuída um trabalho para bem da comunidade.
A 167 era uma obreira e recebeu o seu nome da abelha-rainha, a quem protegia e devotava obediência.
Um dia, quando andava, como habitualmente, em busca de néctar para alimentar a rainha e suas larvas, ouviu um ruído forte e longínquo que a intrigou. De imediato se distraiu das suas obrigações de inseto comunitário e partiu em busca do desconhecido, no intuito de investigar.
Voou, voou, …voou “et voilà!”, como dizia aquele zangão recém-chegado de França, eis que descobriu a causa. O som era muito mais forte, numa cadência ondulante, como ondulante era o seu originador, o mar.
Encantada com tamanha beleza e majestade, deixou-se ficar, num deslumbramento que só não lhe fazia ficar de boca aberta porque a não tinha e usar a sua pequena tromba não era maneira correta para manifestar a sua admiração, porque o oceano poderia ficar ofendido, por pensar que estava “de tromba”, quando era precisamente o contrário.
Perdeu-se no tempo e como estava um dia de sol, passeou pelas dunas onde encontrou diferentes variedades de insetos e plantas.
De repente, entrou novamente na sua realidade de abelha 167. Tinha de voltar à colmeia. Contaria o seu pequeno desvario às colegas e à rainha, mesmo arriscando que esta lhe desse uma reprimenda ou castigo.
Regressada à colmeia, todas vieram recebê-la muito admiradas, coisa que muito a intrigou porque contava ser repreendida, e teve mesmo de perguntar o porquê daquela atitude.
Como resposta, levaram-na para junto dum charco de água que, pela sua quietude, lhes servia de espelho. Pôde então perceber tudo. As suas listas amarelas estavam morenas e agora todas as abelhas queriam também ir ver o mar e fazer praia, para ficarem morenas e bonitas como ela estava.
Desde então, com autorização da rainha, começaram a ir diariamente bronzear-se enquanto recolhiam o pólen das plantas das dunas.
Se por acaso virem alguma abelha nos cardos ou outra vegetação rasteira que cresce na areia das dunas, chamem-lhe pelo nome 167, que pode ser mesmo ela que ande por ali a passear.
Uns dias mais tarde, na praia:
-Nonô…! Nonô…! Leonor…! Filha, onde te meteste? Filha…! Responde! – gritava uma senhora muito aflita. Nonô…ô! Nonô…ô!
Alberto, vê se descobres onde está a tua filha. Não a vejo em lado nenhum e já estou a ficar preocupada.
-Quando fui tomar banho ela ficou contigo, não sei onde esteja. Tu é que deves saber!
-Ó homem, como é que sei, se em dois segundos ela desapareceu. Que aflição! Terá sido raptada? Foi tudo enquanto tentei voltar a prender o guarda-sol que ia voar com o vento. Ela desapareceu em dois tempos.
-Onde estará a nossa menina? Estou a olhar para todos os lados e não a consigo descobrir. Ela costuma portar-se tão bem, não percebo…
Ó Nita não achas melhor chamarmos a polícia, ou perguntar aos nadadores salvadores, ou no café da praia. Alguém pode tê-la visto.
-Olha, tu procuras num lado e vais perguntando às pessoas e eu tento no outro. Foi há tão pouco tempo que pode estar perto. Tenho medo é que nos desencontremos dela.
Procuraram atentamente com a ajuda de outros veraneantes e vinte minutos depois lá estava a Nonô nas dunas, entretida a ver os insetos e as plantinhas que cresciam na areia.
-Filha, que te passou pela cabeça? Desapareceste e deixaste-nos desesperados à tua procura. Até estes senhores se preocuparam tanto que ficaram a ajudar-nos.
-Ó mãe, eu só estava a ver as flores e estes bichinhos. Tentei falar com eles, como faço com o nosso cão, mas eles não me obedecem. Só aquela abelha morena pareceu que queria falar e brincar comigo, mas eu não falo “abelhês”…! Que pena, gostava de saber como se chama.
Olhem! Ela está a fazer acrobacias no ar, que engraçada!
-Ó Nita, será que estou doido ou com insolação? Eu vi a abelha desenhar no ar o número 167. Devo estar a imaginar coisas!
-Foi mesmo pai. Olha, viste? A abelha piscou-nos o olho e foi-se embora. Acredita!
Juro que é verdade!
Foto: pesquisa Google
01out18