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Pobreza

José Luís Montero

Portugal é um País pobre. Impressiona. A vida está organizada por burocratas e burocracias. Tive que organizar a minha vida que anda sempre na ladeira do deixa andar. Inscrevi-me num Centro de Saúde. Cheguei antes da hora. Desconhecia as manhas e o funcionamento. Volto com ar de previsor meia-hora antes do tempo das inscrições. Encontro-me que a numeração era a mesma para as inscrições, consultas ou outras e várias coisas que as pessoas precisam de saber ou fazer. Fico com número oitenta e um e segundo a diligente funcionária tinha cinco pessoas que me precediam.

Adorei à primeira vista porque o Centro de Saúde tem uma panorâmica fantástica e a rua é a paz escrita em verso. Mas, a sala de espera ou receção tem, possivelmente, vinte e poucos metros quadrados. Estava cheia. O calor abraçava o ambiente. Uma ventoinha colocada no cimo de um armário dizia: “ando às voltas, mas…”. Mal se ouvia a chamada para as consultas. Mal se ouvia tudo. Famílias do Bangladesh enfileiravam-se para fazer as suas inscrições.

Se eram dez, tinham apenas cinco senhas. Falavam inglês. A funcionária atarefada e padecendo as consequências da avalanche dizia como podia: eu não sei inglês, vocês têm que se esforçar um bocado…. A colega que atendia as consultas e outros afazeres enviava dicas em inglês para a sua colega. O suor era visível na testa dos usuários e dos enfileirados. Subiu a tensão. Subiu o segurança para organizar as senhas. As funcionárias mostraram a sua irritação e zangaram-se. Havia uma culpada! Mas, a culpa era órfã e solteira.

O SNS que é filho ou enteado de um colega de colégio, António Arnaud, é à primeira vista deprimente pouco aconselhável e terceiro-mundista. Um País que tem esta mostra de Centro de Saúde é necessariamente um País pobre e nada saudável. Portugal é o que é e é isso mesmo. Lamento-o profundamente e lamento a frustração da ideia, da vontade e do coração do colega de colégio e poeta António Arnaud. António Arnaud sonhou e lutou por outra coisa. Não lutou por esta evidencia de pobreza; lutou e ideou contra esta e outras pobrezas.

saude - cartoon

A saúde, a habitação… rezavam os slogans do pós-25 de Abril. Passaram um número enorme de vinte cincos. A habitação está como está. Num programa de televisão recente falou-se da Habitação. E a grande maioria dos participantes falaram da questão como um negócio. A grande maioria dos participantes não sabem de telhas; nem sabem de direitos fundamentais. É uma pena, mas, não deixam de ser vulgares apologistas da pobreza. São vozes pardas da sem-razão. Aconteceu publicamente, no entanto, na questão da saúde vi; senti; observei. Fiquei estupefacto. Um doente ou queixoso que entre numa sala daquelas características se está pouco malato, fica pior que tudo. Onde está o 25 de Abril? Onde anda o Presidente da República e seus selfies? Onde está o filho do neorrealista Orlando Costa que se diz de esquerdas? Não estão, um anda pelas Livrarias de Nova York e o outro passa pelo cruzamento da rua do Arsenal com um saquinho de compra em loja chique.

A realidade muitas vezes bate à porta; entra pela vida adentro e as palavras deixam de ser palavras porque a sensação estupefacta situa-nos na mudez onde a palavra não existe porque tudo está presente e vivo. É difícil assumir e denunciar a pobreza real. Estamos cheios de fantasias e só falamos do cheiro e cor da rosa, mas, todos sabemos também que as rosas estão cheias de espinhos e podem ferir.

Foto: pesquisa Google

01out18

 

 

 

 

 

 

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1 Comment

  1. José Simoes-Ferreira

    Pobreza era dantes. Agora, parece-me mais ser MISÉRIA, no pleno sentido da palavra. – Se é que nas palavras ainda há sentido…

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