Num brevíssimo relance recordamos uma figura que marcou uma presença relevante no Porto e no País, em finais do séc. XIX – Ricardo de Almeida Jorge, mais conhecido por Ricardo Jorge.
Nascido no Porto e originário de uma família humilde (seu pai era ferreiro na Rua do Almada), viu a luz do dia a 9 de Maio de 1858, portanto, há 160 anos. Nesta cidade estudou, primeiro no Colégio da Lapa, onde foi aluno de Ramalho Ortigão, na disciplina de Francês e de Manuel Rodrigues da Silva Pinto, em Português.
De seguida, de 1874 a 1879, frequentou de forma brilhante o curso de Medicina, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, aí conquistando vários prémios académicos. Concluiu o curso com apenas 21 anos de idade, apresentando como “dissertação inaugural” (dissertação de final de licenciatura) um ensaio sobre o “nervosismo”, tal como na época se denominava, trabalho onde desenvolvia a história da Neurologia, termo médico que, nessa altura, ainda não era vulgar usar-se.

Terminado o curso, candidatou-se para leccionar na Escola Médico-Cirúrgica e, sendo aprovado, assumiu a docência das cadeiras de Anatomia, Histologia e Fisiologia Experimental. Desde o início da sua carreira docente conciliou-a sempre com a actividade clínica.
O desejo de aprofundar conhecimentos, levou-o a fazer várias viagens de estudo ao estrangeiro, nomeadamente a Estrasburgo, onde visitou os laboratórios de Anatomia Patológica de Recklinghausen e Waldeyer, assim como a Paris onde frequentou hospitais ligados à investigação neurológica e assistiu, também, às lições de Jean-Martin Charcot, médico e cientista francês que, já nessa altura era famoso nas áreas da psiquiatria e da neurologia, âmbitos ainda muito incipientes, em Portugal. Influenciado pelos novos conhecimentos, já desenvolvidos no estrangeiro e pelos princípios positivistas e experimentalistas que na época vigoravam, deu início a um curso de Anatomia dos Centros Nervosos e criou um laboratório, pioneiro, de microscopia e fisiologia, no Porto.

Na carreira de Ricardo Jorge destacam-se também os estudos sobre o tratamento das doenças do sistema nervoso, através da hidroterapia, da electricidade e da ginástica, fundando para isso o Instituto Hidroterápico e Electroterápico, em colaboração com o Professor Augusto Henrique de Almeida Brandão, que funcionou nas dependências do Grande Hotel do Porto, em 1881.
As questões relacionadas com a saúde pública começaram a sobrepor-se ao seu interesse pela neurologia e, a partir de 1884, Ricardo Jorge passou a dedicar-se profundamente a esta área relacionada com as novas correntes higienistas/sanitaristas e de investigação. Em 1892, passou a dirigir os Serviços Municipais de Saúde e Higiene da Cidade do Porto e a chefiar o Laboratório Municipal de Bacteriologia. Foi neste âmbito da saúde pública que o seu nome e o seu prestígio o fizeram catapultar para a uma projecção a nível nacional, sobretudo após 1899, com a peste bubónica que, nesse ano, assolou a cidade do Porto e, a nível internacional, alcançando um notável reconhecimento pela acção que desenvolvia em Portugal, como introdutor das modernas técnicas e conceitos de saúde pública.

A publicação da sua obra “Higiene Social Aplicada à Nação Portuguesa” apresenta, precisamente, as novas abordagens, relativamente às questões de saúde pública. No entanto, toda a acção que desenvolveu aquando do surto da peste bubónica, com a aplicação de medidas profiláticas, como a desinfecção e evacuação de casas, o isolamento das pessoas afectadas para não contaminarem outras, tudo isto foi mal compreendido pela população, devido à ignorância instalada no País e ao incitamento promovido por alguns grupos políticos. A população, que vivia em condições deploráveis, mal alimentada, ocupando casebres miseráveis, numa promiscuidade e insalubridade gritantes, revoltou-se, desencadeando-se uma fúria popular que obrigou Ricardo Jorge a abandonar a cidade.
Em Outubro de 1899, o médico/cientista foi transferido para Lisboa e nomeado Inspector-Geral de Saúde sendo, depois, indigitado como professor de Higiene da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa.
Em 1911, Ricardo Jorge teve um papel importante na reforma do ensino médico e, em 1912, passou a representar Portugal, no Office Internacional d’Hygiene de Paris.
A sua vida foi recheada de iniciativas, das quais destacamos apenas algumas, das muitas em participou: organização da Assistência Nacional aos Tuberculosos e a organização e direcção do Instituto Central de Higiene que tomou o seu nome, a partir de 1929 e que é hoje o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Teve igualmente um papel relevante na luta contra a pandemia de gripe de 1918, também conhecida por Pneumónica ou Gripe Espanhola, assim como em relação às epidemias de tifo, varíola e difteria que surgiram como consequência das deficientes condições sanitárias agravadas, após a 1ª guerra mundial.

Este homem, figura maior da Medicina Social em Portugal, para além de médico, foi também cientista, higienista, climatologista, hidrologista, escritor, ensaísta, polemista, crítico de arte e político,… Deixou-nos um importante legado relacionado com o alargamento de conhecimentos a nível da Higiene Social, do Sanitarismo e da Epidemiologia, tendo publicado mais de sessenta títulos que incluem mais de uma dezena de obras literárias e outro tanto de História e de biografias de figuras ilustres da medicina e mesmo das artes e da literatura. Como investigador renomado, os seus inúmeros trabalhos científicos, ainda hoje, são marcos fundamentais para diversos estudos, relacionados com a difteria, a cólera, a tuberculose, a profilaxia anti-venérea, o tifo exantemático, a lepra, a febre-amarela, o cancro, a varíola,…
Foi casado com Leonor Maria dos Santos de quem teve dois filhos.
Ricardo Jorge faleceu em Lisboa a 29 de Julho de 1939 e está sepultado, em campa rasa, no Cemitério de Agramonte, no Porto, juntamente com sua mulher.
Texto: Maximina Girão Ribeiro
Fotos: pesquisa Google
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
01out18
Ricardo Jorge teve quatro filhos: Artur, Ricardo, Leonor e Alice.