José Luís Montero
Fala-se muito. Fala-se dos Orçamentos; fala-se de Tancos e fala-se por falar. Fala-se tanto que inclusivamente o Rui Rio disse qualquer coisa. Não conseguiu que o ouvisse, mas, ouvi a sua música saudosista e melancólica. Se tivesse letra podia ser um Fado ou uma balada choramingas. A alma política sofre quando o adversário lhe rouba slogans. A geringonça tocou questões que clamam aos céus pelo seu estado paupérrimo. A geringonça mencionou a Saúde; falou das reformas e mais alguma coisa que provoca cócegas nervosas no seio dos correligionários do Rui Rio e da sua aliada natural e agora rival direta na luta pelo espaço eleitoral que tem nome ecuménico: Cristas. Esta direita bicéfala respondeu, agiu com discurso entre acusador e irónico: “a geringonça fez um Orçamento eleitoralista…” Como sou um bocado cético pensei no eleitoralismo caranguejola. Não percebi. Pensei-me estúpido. Mas, depois de dar voltas à questão, percebi sem nada perceber: mencionar a Saúde e a sua necessidade financeira é “eleitoralismo”. Parece que os reformados estão com muitas carências e a geringonça ofereceu mais uns tostões e também parece que é “eleitoralismo” … Parece que o tempo para a reforma levou um retoque aparente e “ai deus e u é…” também é “eleitoralista”. Neste momento eleitoralista recordo-me do “partem tão tristes, os tristes…”
Mas, a vida tem tanques; melhor, tinha tanques e agora tem máquinas de lavar a roupa, no entanto, Tancos continua onde estava e os paióis resguardados por arames pouco farpados podem ser visitados em noites de fim de semana aventureiro. No entanto, os paióis esvaziaram-se e através da magia da Chamusca voltaram a estar cheios como um celeiro em ano de abundância. Caiu ministro; caiu general. Não cai mais ninguém porque entre coronel e major o tabuleiro de xadrez fica com todas as peças. Que importância tem? Nenhuma. O primeiro-ministro não sabia; o Presidente da República estava ocupado. Não se chama a isto ter os flancos descobertos? Não existe responsabilidade política? “Ai deus e u é…”
Os mistérios do Poder são tão poderosos como os mistérios da religião, mas, carecem do toque místico. Como muito podem inspirar romances policiais, mas, Santa Teresa de Jesus jamais faria uma poesia. E eu nunca gostei de romances policiais; parecem-me romances paranoicos. Servem para fazer eventos; alimentar negócios de feira, mas, não me motivam. Nas Astúrias, na cidade marinheira de Gijón, existe uma feira anual relacionada com o romance policial. Entre cerveja, poucos livros e muita encenação gera-se uma espécie de Feira Popular onde se vai comer, beber, passear em família e onde se pode encontrar namoro. Algures e a horas despropositadas acontecem debates entre escritores do ramo acomodados em rings de boxe e no resto da cidade, os bares vivem alegres porque sempre entra alguém que normalmente não entra, nem se espera.
Perante as novidades “eleitoralistas”, os mistérios policiais e o inédito e invisível Rui Rio sempre temos o consolo de poder contemplar a sensual Cristas. O CDS viveu uma metamorfose no campo da sensualidade: a Cristas é nitidamente mais sensual e com uma sensualidade inovadora em comparação ao alopécico Paulo Portas. Paulo Portas era e é um erudito; um dominador da palavra e da imagem, mas, carece absolutamente desse aspeto vulcânico que provoca loucuras nos comportamentos e desejos das pessoas. Provoca apatia. Um político sem essa áurea poderá ser toda a vida um outsider como mais ou menos importância perene; ser uma ou várias vezes vice qualquer coisa, mas, nunca poderá provocar loucuras como a sua correligionária Cristas. Ela pode transformar um partido pequeno e manobreiro num fenómeno de massas capaz de encher o Estádio do Restelo em tempo de férias parlamentares.
Foto: pesquisa Google
01nov18