Lurdes Pereira
Não sei como era o Natal das outras crianças, mas não devia ser muito diferente do meu. No início da década de 70, em Penajóia, Lamego, a casa grande do rio colhia três gerações e dois tios ainda solteiros. Uma grande família para fazer uma consoada de excelência.
A preparação para o jantar de Natal começava de véspera. As chilas aqueciam-se ao calor da lareira, deixavam-se cair ao chão estilhaçando em pedaços. Depois de soltar a casca, pevides e a famosa “espinha” eram cozidas para fazer os bolinhos de chila, ou melhor, as fritas de chila. Preparadas à maneira tradicional, ovos, farinha, açúcar e canela, eram fritas em pequenos pedaços achatados. As fritas de abóbora também eram uma tradição a somar às famosas rabanadas e, claro, nunca esquecendo o bolo-rei, o pão-de-ló e as travessas da aletria que a minha mãe decorava, com uma esquadria fina, losangos de canela.
Ao jantar, a tradição assaltava à mesa. Batatas cozidas com bacalhau, ovos e muita troncha, porque o prato típico do dia 25 eram aquelas sobras que faziam o verdadeiro petisco dos farrapos velhos temperado com alho e azeite novo.
A noite era sempre o momento mais esperado. O pinheiro que o meu pai cortou no mato brilhava enfeitado com bolas de vidro coloridas enfiadas nas fitas ripadas em branco, azul, vermelho, dourado e prateado. Minha mãe salpicava bocadinhos de algodão a imitar a neve. Eu e os meus irmãos recolhíamos musgo bem verdinho para o presépio na base do pinheiro. E o sapatinho estava lá à espera que o Pai Natal descesse pela negra chaminé para completar a Magia na noite mais cintilante do ano – aquela magia da inocência de uma criança que é indiscutivelmente feliz por acreditar que o Pai Natal existe, que o homem de barbas brancas como a neve, desce pela chaminé e deixa um presente.
O meu padrinho, como que de uma tradição se tratasse, brincava com as bolas e partia uma a cada ano. Foram desaparecendo…
Com a lareira a queimar a lenha da cêpa, jogava-se o Rapa, jogava-se o Loto, jogava-se ao Burro com cartas. O dinheiro era emprestado, sem juros pelo banco da família dos “feijões”. Lembro o meu padrinho brincar com os números do Loto, chamava “patinhas de coelho” ao nº22 e “velhote” ao nº90. Sentados ao calor da lenha a crepitar na lareira, a brincadeira e a risota dinamizavam aquele agradável, guloso, doce e colorido serão.
Um pouco tarde todos se recolhem aos quartos para dormir. Os meus irmãos, mais velhos, tinham o sono mais leve e escutavam a vinda do Pai Natal. Era um alvoroço. Corríamos pelo longo e estreito corredor para ver a sorte que havia suportado cada sapato… O Presente! Não era muito, confeitos coloridos de açúcar… com sorte, uma boneca, um jogo ou outro brinquedo, coisas simples!…
Passou sensivelmente meio século. Fruto da sociedade, subtraíram-se as reflexões desta noite. A quadra era diferente, era tão mágica que ainda hoje me desperta sentimentos de saudade daquela noite longa onde habitava a inocência de uma criança.
Foto: Lurdes Pereira
01dez18
Como amei todo seu escrito amiga, chorei de emoção, cada palavra sua me fez recordar minha infância, tudo tão igual, os jogos, a comida, ainda hoje faço as ditas fritas de chila, aletria, ate os farrapos restos da ceia de Natal, temperados com o azeite novo, feito por dois tios meus, que eram os técnicos e, responsáveis numa azenha que havia na Ribeira, Quinta de São Gonçalo, Bem Haja… Magia da inocência…