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Da Rua do Heroísmo à Estação de Campanhã

Maximina Girão Ribeiro

A artéria do Porto, situada na freguesia do Bonfim que, em tempos, já fora designada por outros nomes, como rua do Alecrim, de S. Lázaro, do Prado, de 29 de Setembro, passou a denominar-se como rua do Heroísmo, devido aos duríssimos e sangrentos combates, ocorridos durante a Guerra Civil que opôs liberais e absolutistas.

Decorria o cerco do Porto (1832-1834) e a cidade continuava a viver dias penosos.

Guerra Civil entre Liberais e Absolutistas
Guerra Civil entre Liberais e Absolutistas

No dia de S. Miguel (29 de Setembro de 1832), pela sete horas da manhã, os absolutistas apresentaram um conjunto considerável de combatentes para enfrentarem os liberais, dispondo-se desde o Padrão de Campanhã até ao rio. Este ataque dos miguelistas/ absolutistas resultou do derrube das linhas de defesa da parte oriental da cidade, permitindo a esta facção avançar pela estrada de S. Cosme, atacando de surpresa e, rompendo as linhas liberais, conseguiram chegar à rua do Prado, actual rua do Heroísmo. Após nove horas de intensos combates, os miguelistas/absolutistas foram derrotados. Assim, para perpetuar a valentia com que os liberais se baterem nesse recontro, a rua viria a ser designada por 29 de Setembro e, mais tarde, por rua do Heroísmo.

Registe-se que D. Pedro esteve presente neste combate vindo, mais tarde, a distinguir o tenente-coronel Pacheco que defendeu a posição entre a estrada de S. Cosme e a bateria do mirante de Barros de Lima, assim como o coronel de cavalaria João Nepomuceno de Macedo que, com uma força de 300 a 400 homens, deteve o avanço inimigo na zona do Bonfim. Na toponímia portuense, João Nepomuceno é recordado como Barão de S. Cosme, título que lhe foi concedido, em 1835.

Pormenor da Rua do Heroísmo, destacando-se, ao fundo, a capela
Pormenor da Rua do Heroísmo, destacando-se, ao fundo, a capela

Esta rua do Heroísmo que começa no Largo Soares dos Reis e termina no início da rua do Freixo tem vários pontos de interesse histórico-patrimonial, nomeadamente o actual Museu Militar, inaugurado em 1980 e instalado num edifício do século XIX, edifício que anteriormente alojou a PIDE/DGS, onde a palavra heroísmo também foi reforçada pelos muitos perseguidos pelo regime fascista do Estado Novo.

Museu Militar do Porto
Museu Militar do Porto

Um pouco mais adiante e na esquina da rua António Carneiro com a rua do Heroísmo situa-se o velho palacete que ostenta uma capela de decoração simples, localizada na fachada voltada para a Rua do Heroísmo. A padroeira desta capela é Nossa Senhora das Dores, que, parece querer recordar as muitas dores padecidas, numa rua que foi marcada pelo heroísmo de muitos portugueses. Este grandioso edifício, construído na segunda metade do século XIX, foi pertença da família do Comendador Francisco José de Barros Lima, homem que serviu a causa liberal e se destacou na revolução de 24 de Agosto de 1820.

O imóvel fazia parte de uma grande propriedade, com vastos terrenos de cultivo e um pequeno bosque, estando na posse da mesma família até ao arrendamento que ao Estado fez o Conde de Campo Belo, Diogo Leite Pereira de Paiva Távora e Cernache, em 27 de Outubro de 1937. Destinava-se o imóvel à instalação e funcionamento de uma Secção do Liceu Carolina Michaëlis, ficando o senhorio (o Estado) com a obrigatoriedade de concluir a construção de um terceiro andar, neste edifício, situado no ângulo das ruas de António Carneiro e do Heroísmo, parte essa que ia até ao começo da capela que se integra neste conjunto arquitectónico. O edifício principal, de enorme dimensão, compreende ainda, para lá do portão de ferro ladeado de pilares de granito, um amplo pátio onde devem ter estacionado as carruagens dos senhores da casa. Aí se localiza um outro edifício de menor dimensão que, em tempos recuados, teve a função de servir para cavalariças.

Desenho do edifício do Liceu Rainha Santa Isabel
Desenho do edifício do Liceu Rainha Santa Isabel

Em 1 de Novembro de 1938, o velho palacete começou a funcionar como Liceu, dado que a parte oriental da cidade não tinha ainda um Liceu feminino e, por essa altura, começava a verificar-se um acréscimo de frequência feminina nos estudos. Por outo lado, esta zona da cidade sofrera um desenvolvimento considerável, com grande construção habitacional.

A proximidade à Estação de Campanhã trazia mais habitantes para esta área da cidade e, também, de fora da cidade acorriam muitos jovens para frequentarem os estabelecimentos de ensino. Estes foram os grandes factores para transformar a Secção do Liceu Carolina Micaëllis em Liceu, como estabelecimento de ensino independente, que tomou o nome de Rainha Santa Isabel, destinado exclusivamente à frequência feminina. Durante 52 anos, este casarão albergou as “Isabelinas”. Depois, o edifício foi ocupado desde 1990 pela Direcção Regional de Educação e, mais recentemente, pelo Comando da Polícia de Segurança Pública.

Continuando a percorrer a rua do Heroísmo encontramos a Capela do Senhor do Padrão, ou também designada por Senhora da Saúde, ou Capela da Formiga, fazendo esquina com a rua da Formiga. Esta edificação data do início do séc. XIX, mas há quem afirme tratar-se de uma possível reconstrução ou modificação, pelo que a sua antiguidade poderá ser maior. Esteve, com certeza, integrada num pequeno núcleo populacional, um antigo lugar (aldeia) da Formiga. Dentro da capela guarda-se, desde 1869, um antigo padrão seiscentista, denominado Padrão da Aldeia da Formiga. Esta capela está muito ligada ao cerco do Porto, pois serviu de hospital de emergência, aquando dos combates de 29 de Setembro, sendo aí cuidados muitos feridos e assistidos muitos moribundos.

Capela da Nossa Senhora da Saúde (Rua do Heroísmo) c. 1950
Capela da Nossa Senhora da Saúde (Rua do Heroísmo) c. 1950

Ao descermos a rua do Freixo até ao começo da rua da Estação encontramos um troço citadino bastante movimentado por apresentar muito e diversificado comércio. Muitas das casas desta rua conservam ainda os traços da sua antiguidade, apresentando algumas um bom estado de preservação.

Estação de Campanha
Estação de Campanha

A rua da Estação conduz-nos ao Largo da Estação, à frente do qual se apresenta a monumental fachada da estação ferroviária de Campanhã, inaugurada em 21 de Maio de 1875, nos terrenos da antiga Quinta do Pinheiro. Ocupa também terrenos que pertenceram à Quinta do Barão do Valado. Até 1877 esta estação foi designada por Pinheiro e, mais tarde, foi-lhe atribuído o nome que ainda hoje conserva. A construção desta estação contribuiu muito para o desenvolvimento e crescimento da zona oriental da cidade. Um grande impulsionador desta obra foi o conselheiro Justino Teixeira, Director dos caminhos-de-ferro do Minho e Douro.

Estação ferroviária de Campanha - c. 1910
Estação ferroviária de Campanha – c. 1910

Terminamos com uma descrição de Ramalho Ortigão, extraída da obra “Farpas”, sobre a sua chegada à Estação de Campanhã:

“Apeámo-nos finalmente na estação de Campanhã. […] Um rumor diligente e alegre de tamancos novos sobre os largos passeios lajeados. Mulheres bem-feitas, caminhando direitas, de cabeça alta, cintura fina solidamente torneada sobre os rins, e alegres lenços amarelos, de ramagens vermelhas, encruzados sobre a curva robusta do peito. Canastras bem tecidas, grandes como berços, cobertas de pano de algodão em listas azuis e encarnadas.

As carruagens americanas recebem tudo, gente, cestos de fruta, canastras, trouxas de roupa branca, caixotes, seirões com ferramentas. Dos vinte passageiros de Campanhã que tomam lugar connosco no carro americano dois têm escrófulas, e um tem uma grossa corrente de ouro no relógio e um grande brilhante pregado no peito da camisa. Um pequeno, ruivo, sardento, de olhos azuis, apregoa o Jornal da Minhaum. As mulinhas trotam bem. E todas as casas, de um e de outro lado da rua, têm à porta a cancelinha baixa, de pau, pintada de verde. Estamos no Porto.”

 Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa

Fotos: pesquisa Google

01dez18

 

 

 

 

 

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