José Luís Montero
Era o hum-hum da tardinha. Era o track-tracka dos infernais tucos-tucos a despedir os últimos turistas do dia. Regressei a casa e tinha um jantar coloquial com um advogado que suou os mesmos bancos de escola que eu. Falamos; comemos um robalo de Sines e bebemos uma garrafita de Silgueiros- Dão que suou as mesmas carteiras. Convidara uma amiga cabo-verdiana que cozinha como Deusa além de ser uma conversadora exímia e prolifera. Jantamos; bebemos e repousamos. Felizmente não se rezou.
Perto da meia-noite os tachos foram empilhados; vestiram-se os insipientes casacos outonais e a porta da minha casa abriu-se, descalcei-me; duche frio e sofá. E tutuque escada abaixo caminho da Lapa. Mal sabia que ficara no desassossego. Inquietação. Irrequietação. Incerteza. Pasmo.
Perto da noite longa comecei a sentir remoinhos estomacais. Senti-me constrangido. Maldiz a Poesia dos que se encavalitam no amanhã. Entrou-me o vómito. Não vomitei. Espumei. Jorrei então todos os golpes dos excessos. Só que o novo dia era um dia de desentendimento. Tinha que fazer e não fiz. Deveria caminhar e nem, nem caminhei, nem fui. Prostrado no leito da recomposição deixei-me soerguer.
Passadas as noites e dias longos do soerguer caminhei para o Hospital. Eram horas de Alvorada e os sinos do meu Bárrio lançavam para a arruaça os Carros Elétricos, o Táxis e as pessoas as laboriosas. Quando era menino e moço desciam pelas calçadas daquele Bairro Galegos, Minhotos, Trasmontanos, Beirões e algum aristocrata ávido de almoçar uma ginjinha com elas na Ginjinha do Rossio onde os marialvas, a cavalo, era servido e cumprimentados.
“Duas com elas!!!! Uma é pró Duque e outra prá Maaadaamme….” Ó excelência e prás 11 da manhã já temos pataniscas e pastéis de bacalhau de bichos que entraram por Aveirrooo… A essa hora o marialva matava bem o bicho enquanto tratava um Chá com a manicure da Rua da Palma. A Leitaria Moderna tinha boa nata e o aconchego da discrição. Eram tempos que as pedras ou pilhas de livros faziam de balizas; as meias faziam a melhor das bolas da formação desportiva dos grandes clubes. As biqueiras das botas e dos sapatos do sapateiro da Travessa do Arco da Graça vinham sabiamente acondicionadas para não frustrar as maiúsculas aspirações da rapaziada ou dos seus progenitores porque o futebol não dava fortuna, mas, todos víamos os Violinos Travassos ou o Vasques a viver na melhor como a sua loja de refrigeração para as velhas casas de pasto.
Entretanto, chegou o Matateu e implantou a palavra e o gesto carinhoso aos catraios dos infantis que não o viam com olhos de homem; viam-no com olhos de deus. Eram ídolos e os admiradores que não invadiam Alcochete, nem usavam Rolex. Mas, jogavam como poucos jogaram nos relvados portugueses e as claques eram do tamanho do mundo sem que os sismos da barbárie fossem marca de lixeiras cibernéticas.
Tempos em que a sopa bem entulhada mantinha a colher hirta e a sopa era mais que a a sopinha que aquece o estomago. O Martins Moniz que mais uma vez será remodelado, como ou sem comissões, era lugar natural de futuros cracks; dos ingeniosos manjericos do Félix da Graça e onde a orelha e a cabeça da porco lanchava quem passava pela Rua da Palama onde nascera uma casa de pasto chamada Palma Bar. Entretanto, a Casa Travassos ia dando dinheiro aos maços. E as casas no Porto inflacionaram mais de 140% nos derradeiros sete anos.
Cést la vie cantava o mítico Chuck Berrry.” Não chores por mim” continuam a choramingar os cantores lusitanos até considerar “bem na vida…”
02dez18
…não há mau estar ou estado de emergência que vença esta sempre admirável ironia do José Luís Montero! Votos de melhoras… de saúde claro!