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Memórias de infância

Fernanda Ferreira

 

Salta, salta. Pula, pula,

Coelhinho saltitão.

Salta como fosses

O bater do coração.

E a Beatriz a quem carinhosamente todos chamavam Bia, cantava a lenga-lenga infantil que tinha inventado, enquanto saltava à corda.

– Ó Manel, eu consigo saltar mais tempo que tu e não tropeço nem piso a corda.

– Mas eu jogo melhor a bola que tu!

– Isso não conta, porque andas na escolinha do futebol e eu não tenho escolinha da corda, troçava ela a cantarolar.

– Podíamos jogar outra coisa menos difícil. Já tenho um joelho esmurrado. Não gosto deste jogo!

– Olha que esperto, como eu estou a ganhar queres mudar de jogo. Eu gosto de saltar à corda.

– Não queres ir apanhar lagartixas?

– És tolo? Que nojo!

– É bem giro! Tu é que só gostas de jogar coisas sem graça nenhuma. E ir apanhar grilos? Só temos de ter uma palhinha é uma caixa.

– Está bem, isso pode ser.

Foram a casa procurar uma latinha de rebuçados. Como havia três,  cada um comeu um e meio, levaram um frasco com água  e foram à procura de tocas de grilos.

– Está ali um, não o ouves cantar?

– Que fazemos agora?

– Ó Bia, tu só seguras na lata, porque eu é que sei tratar disto.

– Mas eu também quero! Não sejas parvo! Também tens de me deixar fazer.

– Com este barulho o grilo foge. Fala baixo! Vai apanhar ervas com pé de palhinha para tirarmos o grilo de dentro da toca.

– Já tenho tudo aqui. E agora?

– Ponho a palhinha dentro da lura e eu deito lá para dentro água, o grilo sai e nós apanhamo-lo e metemos na lata. Se apanharmos muitos podemos vender.

– A sério? Vamos lá então!…

E lá se envolveram na tarefa combinada. O grilo é que não colaborou na brincadeira e conseguiu fugir.

Procuraram noutro sítio e nova tentativa falhada.

– Ó Manel, afinal não percebes nada disto! Quantas vezes já foste apanhar grilos?

– Esta é a primeira vez, mas estive com muita atenção a ouvir o pai a dizer como fazia quando era pequeno. Não era com água, mas era porcaria e a água faz o mesmo efeito… Portanto tem de dar certo.

Após inúmeras tentativas, lá conseguiram apanhar um grilo. Ele não cantava.

– Mas antes estava a cantar!

– Teria ficado mudo por causa da água? Se calhar foi! Quem nos vai comprar um grilo mudo? Vamos mostrar ao pai para ver o que ele diz.

Quando chegaram a casa ficaram menos preocupados porque o pai disse para deixarem o grilo acalmar que depois voltaria a cantar.

– Temos de ir comprar uma gaiola para grilos e não pensem em vendê-lo porque ele vai alegrar a casa com o seu cantar.

E assim foi. O grilo cantava que nem um tenor e todos os dias tinha de recompensa é como refeição uma verde e fresca folha de alface.

Quem passasse perto de casa, podia ouvir o repetitivo Gri-gri, gri-gri, gri-gri-…gri… e muitos interrogavam-se como conseguiam não ficar com enxaqueca.

As crianças é que adoravam andar à volta do grilo e, a todos que encontravam e, para que ficasse em memória, contavam a sua façanha de caçadores de grilos, mesmo que, na realidade, fossem caçadores de um grilo só.

Foto: pesquisa Google

01fev19

 

 

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