Embora já tenha apresentado (em Abril de 2015), neste Jornal, uma pequena biografia de Agostinho da Silva, penso que nunca será excessivo falar ou escrever sobre esta figura fascinante que foi professor e investigador, pensador, filósofo, ensaísta e poeta.
George Agostinho Baptista da Silva, mais conhecido por Agostinho da Silva, era portuense, nascido no Bonfim, a 13 de Fevereiro de 1906, na Travessa do Barão de Nova Sintra, n.º 67 (actual 126). Viveu alguns anos da sua meninice em Barca de Alva, no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, junto ao rio Douro.
Num dos seus poemas refere-se Barca d’Alva:
Me fiz gente se é que sou
em Barca d’Alva do Douro
para cima tudo celta
para baixo tudo mouro
o pior é que Alentejo
e Algarve tendo nas veias
como vou eu libertar-me
de tão apertadas teias
de certo não escapava
se fosse intelectual
como esses que tem havido
mais simples que Portugal
quem não for um mais o outro
mesmo que em contradição
será vencido na vida
lhe desfeito o coração
menos nadar que boiar
é que é a sabedoria
deixe a vida demonstrar
que é a verdadeira guia
e que é só ela quem sabe
o bom rumo da nação
e o porto a que vai chegar
quer ela queira quer não.
Mas, foi no Porto que Agostinho da Silva frequentou a Escola Primária de S. Nicolau e, mais tarde, também o curso liceal, na instituição que hoje é o Liceu/Escola Rodrigues de Freitas, onde concluiu o curso liceal com a classificação de 20 valores.
Em 1924, matriculou-se na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (a primeira Faculdade de Letras do Porto que existiu nesta cidade, instituição fundada por Leonardo Coimbra, a qual funcionou entre 1919 a 1931, situada na Quinta Amarela, na Rua Oliveira Monteiro), concluindo aí, em 1928, o curso de Filologia Clássica, com a classificação final de 20 valores.
A sua passagem pela Faculdade de Letras foi marcada por uma grande actividade, quer como líder estudantil, quer intelectualmente por se destacar, já nessa altura, por algumas publicações sobre Filosofia e Literatura, bem como por uma série de conferências que proferiu.
Agostinho da Silva concluiu o seu doutoramento, em 1929, tornando-se o primeiro doutor da Faculdade de Letras, criada em 1919.
Numa altura em que se comemoram os 100 anos da fundação da primeira Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que começou a funcionar no ano lectivo de 1919-1920 e cuja extinção se efectuou em 1928, pelo Decreto nº 15.365, de 12 de Abril de 1928, só voltando a ser, de novo instituída, em 1961, não podemos esquecer um dos seus mais ilustres estudantes que foi, sem dúvida, Agostinho da Silva.
Por discordâncias políticas com o regime vigente, em 1943, Agostinho da Silva foi preso pela Polícia Política e, no ano de 1944, para além de editar a obra “Conversação com Diotima”, auto-exila-se na América do Sul, tendo vivido e trabalhado, nomeadamente no Brasil, Argentina, Uruguai,…
Ao longo da sua vida, o seu saber pluridimensional e a sua intervenção cultural, na sociedade da sua época, elevaram Agostinho da Silva a um estatuto de intelectual de grande nível. Esta figura singular deixou-nos uma vasta obra, muito diversificada, tendo publicado mais de duzentos títulos, em Portugal e no Brasil. A sua filosofia centra-se na ideia de liberdade como atributo supremo da condição humana.
Agostinho da Silva foi por muitos considerado um sábio feliz, mas inconformista e um dos mais paradoxais pensadores portugueses do século XX. Foi um exímio comunicador e, nas suas “conversas vadias” chegava a ser desconcertante nas respostas que dava nas muitas entrevistas que concedeu, ou nos textos que escreveu.
Transcrevemos uma passagem da sua obra “Cartas a um jovem filósofo”, onde diz:
“Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar a mim não teríamos talvez dois corpos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.”
Da mesma forma desconcertante e desafiador, Agostinho da Silva confessa, numa entrevista – “Vida Conversável”, de 1985:
“[…] não me importa nada que me critiquem. Exactamente como não me importa nada quando me elogiam. Tanto me faz que uma pessoa me elogie como me censure – eu considero aquilo como uma opinião pessoal e não comparo com coisa nenhuma porque eu próprio não tenho opinião pessoal a meu respeito. Não me sinto nem herói, nem criminoso, sinto que vivo, sinto que sou.”
Em 3 de Abril de 1994, com 88 anos de idade, este homem de pensamento vivo, sob a força do espanto e do paradoxo, atingiu «um silêncio tão de espanto / que era todo o universo à sua volta / um seduzido canto». Assim rezam os seus versos na lápide do cemitério do Alto de São João, em Lisboa.
Texto: Maximina Girão Ribeiro
Fotos: pesquisa Google
Obs: Por vontade da autora, e de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
01mar19