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DA IMPRENSA: “Os aspirantes a populistas”

O medo do populismo é tão grande que, hoje em dia, qualquer frase, ato ou omissão rapidamente são associados a este bicho-papão. E é, de facto, um bicho-papão, mas nem tudo ou todos aqueles a quem chamamos de populistas o são de facto. Pelo menos, na verdadeira aceção da palavra. Na semana em que celebramos 45 anos de democracia em Portugal, talvez seja importante separarmos o trigo do joio. E percebermos que há políticos com quem podemos concordar mais ou menos e outros que não passam de reles cópias dos principais populistas mundiais, que, num fenómeno de mimetismo – e de muito oportunismo -, procuram ocupar um espaço que acreditam estar vago entre o eleitorado português.

E está, de facto, vago. Sobretudo à direita. Não que o populismo seja um exclusivo da direita – que não é -, mas porque há uma parte substancial do eleitorado que nunca votou à esquerda que, claramente, não se sente representada pelos chamados partidos do sistema. Nem pelo CDS – apesar de todos os esforços de Assunção Cristas para guinar ainda mais à direita – e muito menos pelo PSD de Rui Rio. As portas ficaram, por isso, escancaradas para meia dúzia de vaidosos que dizem e fazem o que for preciso para ganhar um lugar ao sol.

As listas para as próximas eleições europeias são a prova disso mesmo. E não é apenas o Chega ou Basta de André Ventura. É também o eterno Marinho e Pinto e o nosso já bem conhecido Paulo Morais. Três aspirantes a populistas que, quais bogas no fundo do mar, andam permanentemente à babugem nas redes sociais, à procura de tudo o que fede para se alimentarem.

Comecemos por André Ventura, criatura a quem o criador Passos Coelho deu vida nas eleições autárquicas de 2015, mas a quem o eleitorado não deu a Câmara de Loures. De onde lhe vêm os 500 mil euros que vai gastar nesta campanha? Quem o está a financiar? E, sobretudo, com que interesses? Três perguntas, até agora, sem resposta. Resta-nos a agenda mediática que o candidato às próximas europeias – depois de vários chumbos do Tribunal Constitucional – tem colocado nos outdoors caríssimos que tem espalhado pela capital e pelas principais cidades do país.

A estratégia tem tanto de simples como de básico: primeiro, atacar o sistema em geral. Os partidos, os deputados, os sindicatos, os sindicalistas, os tribunais e os juízes. Atirar ao âmago do regime para tentar capitalizar todos os descontentes, ainda que o grande objetivo de André Ventura seja fazer parte desse regime. É como os eurocéticos que concorrem às eleições europeias defendendo o fim da União Europeia, mas cujo único objetivo é chegarem a eurodeputados.

A segunda parte da estratégia de André Ventura passa por capitalizar o medo. “Chega de impunidade, de chantagem, de censura, de ataques à liberdade de expressão e de pensamento, de injustiça, de criminalidade violenta, de insegurança, de corrupção, de intolerância e de discursos de ódio”, pode ler-se no manifesto do partido. Não deixa de ser irónico que uma das pessoas que mais promovem o discurso de ódio em Portugal tenha este objetivo inscrito no seu “programa eleitoral”. O medo. Esse gatilho capaz de levar o ser humano às decisões mais irracionais.

Depois temos Marinho e Pinto. O homem que, há cinco anos, foi a surpresa das europeias de 2014 quando levou o MPT a eleger três eurodeputados. Claro que já nenhum é do MPT, incluindo o próprio Marinho e Pinto, que foi o primeiro a incompatibilizar-se com toda a gente. Mas o homem que gritava alto e bom som contra os hipócritas da política e os oportunistas que só queriam ir para o Parlamento Europeu pelas regalias do cargo nunca abdicou de um cêntimo do ordenado, nem de nenhuma dessas regalias. E é com a mesma vergonha que se apresenta a estas europeias. “Arranjou” um partido novo e cá está ele perante nós, prontíssimo para apontar o dedo a tudo e todos, ainda que ninguém lhe conheça uma ideia para a Europa. Até porque Marinho e Pinto não é de esquerda nem de direita, é de quem o apanhar.

Daqui a um mês, nas próximas europeias, regressa também o eterno Paulo Morais. O homem que encontrou no tema da corrupção o filão de que precisava para chegar às televisões e aos jornais, ainda que a sua legião de fãs “viva”, sobretudo, no Facebook. Tudo gente impoluta e corajosa, mas que se esconde atrás de perfis falsos para atacar tudo e todos e exacerbar o seu candidato Paulo Morais. E ele é – há que dizê-lo com frontalidade – um candidato muito versátil. Dava para Presidente da República – lamentavelmente o país não achou o mesmo -, mas também acha que pode ser um bom eurodeputado. Quem sabe até se, nas próximas eleições legislativas, Paulo Morais não pode vir a ser um excelente candidato a primeiro-ministro.

Para além de gritar contra os corruptos, pouco ou nada se lhe conhece sobre as suas ideias para a economia, para a saúde, para a educação, muito menos para a Europa. O truque de Paulo Morais foi descoberto na campanha das presidenciais que perdeu para Marcelo Rebelo de Sousa: é responder a tudo culpando os corruptos. Pronto. É fácil.

Marcelo Rebelo de Sousa já foi considerado um populista. Assunção Cristas, Nuno Melo, Paulo Rangel, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa, António Costa, Rui Rio, todos eles já foram apelidados de populistas e, seguramente, todos eles já tiveram tentações populistas. Mas há uma diferença substancial entre estes nomes e os três que citei atrás: é que um populista não é de esquerda nem de direita. Não tem uma ideologia. Um populista é um anárquico de pensamento, cujo único propósito é atingir o coração do regime, para depois poder tomar conta dele. Vejam o que aconteceu nos Estados Unidos. No Brasil. Em Itália. Vejam o que aconteceu neste fim de semana na Ucrânia. É para estes exemplos que os nossos aspirantes a populistas estão a olhar. E é com eles que sonham. Não se melhora o regime matando-o primeiro. Melhora-se o regime fazendo escolhas informadas. E essas não estão no feed do Facebook.

Artigo de ANSELMO CRESPO, In “Diário de Notícias”, de 24abr19

 

01mai19

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