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Bucólica

Lurdes Pereira

(texto e fotos)

 

“A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
Pelo Vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe faz a trança à filha”.

Miguel Torga

Logo à chegada somos acolhidos por um belíssimo poema do poeta Miguel Torga, “Bucólica”, anfitrião de uma provável fundação de influência germânica, Gondramaz, uma aldeia singular, exemplo para tantas aldeias de Portugal. Rural, graciosa, asseada, de gente simpática, um excesso que, em simultâneo prende e espanta o olhar perante a pluralidade de oferta a contemplar.

Mas qual é a relação de Miguel Torga com esta aldeia tão distante da terra natal? Além de poeta, todos sabemos que Miguel Torga era médico de profissão e exerceu na aldeia de Gondramaz, terra isolada, apresentando largas dificuldades, mas no coração de uma floresta frondosa de castanheiros, carvalhos e alguns azevinhos, que saltam à vista pela livre arte do crescimento.

A sua geografia ergue-se num declive que proporciona a construção de casas típicas entre a leve envolvência da arte do homem e da natureza. As ruas estreitas causam curiosidade e espanto, vontade de as pisar e de sentir aquele chão tão artesanal onde ecoaram tantas vidas passadas. Os tapetes de xisto revelam uma obra notável, tão bela quanto a destreza e o gosto da arte de esculpir artesanalmente a pedra. Não admira que este lugar curioso e mágico, um lugar onde mora a tranquilidade, seja oficina de artesãos que dão nome e unicidade a uma arte que trazemos no peito à despedida.

Aqui, onde se vive envolto pelo aparente isolamento, Gondramaz preserva o espírito da arquitetura tradicional. Cada recanto é geografia para uma nova obra onde a arte alicia vestígios de intensa religiosidade. As alminhas encrustadas nas paredes, as estatuetas de animais e homens, os avisos e os santos que escolhem o seu lugar numa parede de xisto que só os mais atentos lhe colocarão o olhar.

A Serra da Lousã, na extremidade da Cordilheira, possui uma dúzia de Aldeias de Xisto, todas elas com as suas singularidades que o mais comum dos mortais não consegue deixar a imagem. Visitar Gondramaz é mergulhar no rio do tempo e imaginar como era a vida desta aldeia pitoresca nos séculos passados. Contemplar Gondramaz é olhar um núcleo de casinhas e suas janelinhas alindadas por parapeitos de flores, entrepostas por ruas estreitas, por encruzilhadas onde cada ângulo e cada esquina arrancam ecos de palavras, de cantos e risos, de suor e dificuldades dispostas em verso para a declamação de um novo poema.

01jun19

 

 

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