Fernanda Ferreira
A Felicidade faz justiça ao seu nome, porque apesar da avançada idade, toda ela exala alegria.
Ninguém percebe como uma mulher, que não tem família e é economicamente débil, tem sempre, para oferecer a quem precisa, uma palavra esperançosa e sábia, apesar de mal saber juntar as letras.
Vive com os seus gatos, um cão, galinhas dois porcos e um rebanho de cabras que acompanha quando vão pastar.
Todos os animais têm nome e, quando os chama, acorrem ligeiros à espera duma refeição e de mimos que retribuem com ronronar, turrinhas carinhosas, lambedelas e demonstrações de destreza e ginástica caprina. Até os galináceos acorrem ao seu chamamento cacarejando alegremente. Os porcos estão quase sempre na corte, mas também a conhecem bem.
Cultiva uma horta viçosa e muito cobiçada, onde há um bocadinho de tudo e um colorido delicioso de se ver.
As suas artroses, devidas à idade, dificultam a sua lide diária, mas nem isso lhe tira o gosto de viver e de cantar enquanto trabalha.
No seu cantinho de terreno tem ervas aromáticas e medicinais, que utiliza e dá a quem a procura. Não é propriamente uma curandeira, mas herdou da sua avó o conhecimento dos efeitos terapêuticos das ervas e gosta de ajudar quem lhe pede.
O local onde vive é muito bonito, num monte junto ao rio, mas longe de tudo a que se chama civilização.
Os vizinhos são todos idosos e os seus filhos vivem longe, uns na cidade outros emigrados. Crianças só se veem quando chega o verão e as famílias os vêm visitar. O que lhes vale é a alegria da Felicidade, “que Deus a conserve”!
De longe a longe, aparece no lugar um grupo de agentes da autoridade para ver como estão todos os idosos em relação à saúde e à segurança.
Um carteiro vem mensalmente com as cartas das suas parcas, mas tão ansiadas pensões de reforma e, muito raramente, com uma carta com notícias de alguém, porque no lugar não há telefone nem rede de telemóvel.
Também aparece um comerciante que corre os diversos lugares vendendo de porta a porta azeite e outros produtos alimentares.
As notícias do mundo recebem-nas através da televisão, que é a sua companhia.
A pesar disto tudo nos parecer muito precário, estes idosos não querem sair das suas casas, não trocando a vida rural pelo conforto das casas numa cidade barulhenta e poluída, onde todos andam apressados sem ter tempo de apreciar a natureza.
E a Felicidade diz a toda a gente, com ar de um sábio pensador:
“Antes morrer pobre e livre, que ser escravo da civilização!”
Foto: pesquisa Google (depositphotos)
01jul19