Embora a sua naturalidade não seja o Porto, mas a vida desta célebre cantora lírica, cruzou-se várias vezes com esta cidade, onde chegou a viver por alguns períodos.
Luísa Todi, de seu nome completo Luísa Rosa de Aguiar, nasceu em Setúbal, em 1753, sendo filha de um professor de música e instrumentista, o conhecido mestre Aguiar e de Ana Joaquina de Almeida. Era a irmã mais nova da actriz Cecília Rosa de Aguiar, célebre intérprete teatral, dos velhos teatros do Bairro Alto e de Isabel Efigénia de Aguiar.
Luísa estreou-se no teatro musicado aos catorze anos, no Teatro do Bairro Alto, com a obra “Tartufo”, de Molière. Aos 16 anos, casou com o violinista napolitano Francesco Saverio Todi (de quem adoptou o apelido) e com quem teve 6 filhos. O músico tocava nos teatros de Lisboa, onde Luísa se estreou aos 17 anos, representando pequenos papéis.
Foi a seu marido que Luísa ficou a dever o aperfeiçoamento da arte lírica, pois ele fez com que ela aprendesse canto com o compositor David Perez, conceituado mestre de capela da corte portuguesa de D. Maria I. Esta meio-soprano (mezzosoprano), além de cantar na corte portuguesa, onde se estreou, em 1771, cantou também no Porto entre 1772 a 1777, partindo depois para Londres para actuar no famoso King’s Theatre. Exibiu-se noutros países europeus distinguindo-se, especialmente em Paris, nos “concertos espirituais” que animavam a capital francesa, naquele tempo.
Era já considerada pela crítica como uma das melhores vozes de sempre, quando actuou na Áustria, Alemanha e também na Rússia, onde foi com o marido e os filhos, a convite da czarina Catarina II, que muito a elogiou e premiou com jóias de alto valor. Em São Petersburgo, onde estiveram de 1784 a 1788, o casal Todi escreveu para a imperatriz a opera «Pollinia», como reconhecimento pelas honrarias de que foram alvo. Também Frederico Guilherme II da Prússia a apreciou tanto que lhe deu aposentos no palácio real, para a sua estada, entre 1788 a 1789, assim como pôs à sua disposição carruagens e cavalos, colocando também ao seu serviço os próprios cozinheiros da corte.
Diversas cidades alemãs a aplaudiram, como Mainz, Hanôver e Bona,… Cantou ainda em Veneza, Génova, Pádua, Bérgamo e Turim, onde foi aclamada com “ovações frementes“.
No final do ano de 1790 deslocou-se a Veneza para cantar no Teatro di San Samuele, actuando na ópera “La Didone Abbandonata”, onde usou, como adereços, um diadema, um colar e brincos de diamantes que lhe tinham sido oferecidos por Catarina II, da Rússia.
Em 1793, a convite do Intendente-Geral da Polícia, Pina Manique, apresentou-se na Casa Pia de Lisboa, interpretando “La preghiera exaudita”, numa récita para assinalar o nascimento da primeira filha de Carlota Joaquina e do futuro rei D. João VI, a infanta D. Maria Teresa. Nessa altura, a cantora precisou de uma autorização especial para poder cantar em público, pois era, então, um acto proibido às mulheres, em Portugal.
Em vésperas da revolução francesa (1789), Luísa Todi estava em Paris e participou num concerto, com a presença da rainha Maria Antonieta que lhe ofereceu um anel com o seu retrato. Mas, os dramáticos acontecimentos que tiveram lugar em França levaram Luísa Todi a partir para Alemanha, onde conheceu Beethoven que a terá ouvido, apreciando-a de tal forma que, o grande músico, terá dado um concerto, especialmente dedicado à cantora portuguesa. Foi no Porto que, em 1801, cantou em público, pela última vez, no Teatro de São João.
Em 1803, Luísa encontrava-se novamente no Porto, altura em que seu marido faleceu, em a 28 de Abril de 1803, facto que a levou a vestir-se de luto, até à sua morte. Vivia, nessa altura, na rua Chã, a antiga rua Chã das Eiras., embora haja registo que, nas suas várias temporadas no Porto, tenha vivido também, na Rua Nova de Almada.
Com a 2.ª invasão francesa, comandada pelo general Soul, a cidade do Porto ficou a ferro e fogo. No dia 29 de Março de 1809, o exército francês entrou na cidade, roubando, matando, saqueando igrejas, palácios e casas humildes, espoliando pobres e ricos, incendiando casas e campos. Nessa manhã invernosa, toda a gente pensava em fugir da cidade, transformada em inferno. Milhares de pessoas corriam para junto do rio, na Ribeira, com esperança de passar para a outra margem.
No meio de uma enorme aflição, Luísa Todi agarrou os filhos e, apenas com duas trouxas de roupa, as suas preciosas jóias e o dinheiro que conseguiu agarrar apressadamente, em casa, pediu a um barqueiro que a transportasse e aos seus filhos, até ao lado de Gaia. Na confusão ainda caiu ao rio, quando tentava entrar para o pequeno barco. Entretanto, com toda balbúrdia que se tinha gerado, com milhares de pessoas a tentarem entrar nas barcas amarradas, umas às outras, a chamada Ponte das Barcas, tudo se precipitou e, para Luísa Todi, a aflição redobrou quando uma bala atingiu de raspão o joelho da sua filha mais velha.
A cavalaria francesa aproximava-se rápida e perigosamente do cais. Nesse momento, Luísa Todi foi reconhecida por um oficial francês que a identificou como sendo a grande cantora que vira nos palcos franceses e prometeu-lhe protecção, conduzindo-a pela rua dos Mercadores com a filha mais velha ferida, ao colo e os outros filhos, mais pequenos a subirem, penosamente, a rua. Foi nessa altura que a Ponte das Barcas ruiu, sob o peso de milhares de desesperados que tentavam salvar a sua vida e a dos seus.
Uma outra versão deste acontecimento diz-nos que a barcaça onde Luísa se deslocava se afundou e todas as suas fabulosas jóias ficaram perdidas, para sempre, no rio Douro. Conta-se que Luísa Todi foi presa pelos invasores, mas que o general Soult a reconheceu, porque a admirara nos palcos parisienses e mandou-a soltar e proteger. Também se aponta que foi uma velha empregada doméstica que conseguiu salvar-lhe a vida e levá-la de regresso a casa.
Luísa Todi, cujo sucesso alastrou por toda a Europa, deixou o Porto e foi viver em Lisboa, no Bairro Alto, na companhia de duas filhas, desde 1811 até ao final da vida, parece que com algumas dificuldades financeiras e cega. Já em 1823 se encontrava completamente cega.
Esta grande cantora, com uma carreira internacional de impressionante sucesso, que cantava em francês, inglês, italiano e alemão, com grande perfeição e belíssima expressão, faleceu com 80 anos, a 1 de Outubro de 1833.
Texto: Maximina Girão Ribeiro
Fotos: pesquisa Google
01nov19
Como sempre muito interessante e oportuna esta biografia de Luisa Todi. Maximina Girão insere a vida de Luisa Todi na sociedade e no mundo convulsivo do Sec. XVIII., traçando, na sua escrita objetiva, o percurso de vida desta célebre cantora lírica portuguesa.
Excelente artigo.