Maximina Girão Ribeiro
Desde tempos remotos que, fora das muralhas da cidade do Porto, foram nascendo vários núcleos populacionais que pontuavam a paisagem circundante do burgo. A zona da Lomba, tal como outros pequenos lugares, situados na actual Freguesia do Bonfim, nomeadamente Godim, Formiga, Reimão, Prado, China, as Póvoas de Cima e de Baixo, foram locais marcados por características muito rurais que, ao longo do tempo, foram sofrendo transformações, sobretudo com o dealbar da industrialização da cidade, na segunda metade do século XIX.
Nas “Memórias Paroquiais” de 1758, este espaço da Lomba era ainda denominado como “Lombo” e aí habitavam 27 vizinhos (moradores) pertencendo, na altura, à freguesia de Santa Maria de Campanhã. Com a criação da freguesia do Bonfim, em 11 de Dezembro de 1841, o referido lugar ficou integrado nesta nova freguesia.
O topónimo “Lomba” significa encosta ou cumeada situando-se, neste caso, no longo declive do Monte do Bonfim (lugar ou aldeia de Godim). A localização da primitiva aldeia da Lomba deve ter como origem a existência de uma ribeira, pois a abundância de água e de terrenos férteis foram sempre razões favoráveis à fixação de populações. Trata-se da Ribeira da Lomba, hoje, quase totalmente encanada, que desce no sentido paralelo à de Rua Pinto Bessa, seguindo depois pela Formiga e o monte do Pinheiro (Estação Ferroviária de Campanhã), sendo este o único local onde passa a céu aberto. Corre depois pela rua do Freixo e desagua junto da rotunda do Freixo.
O nome de Lomba foi-lhe atribuído através do Edital de 15 de Julho de 1878, embora, já no séc. XVIII, um documento mencionasse o referido lugar como “Lomba”: “[…] a Lomba junto do Padrão […]”, pois, o lugar tinha início junto ao Padrão de Campanhã, que se localizava na actual rua do Heroísmo, imagem que, actualmente se venera no interior da capela da Senhora da Saúde. Antes da abertura da rua de Pinto Bessa, a Lomba estendia-se até ao largo de Godim, num emaranhado de ruelas e becos, propriedades muradas, campos cultivados,…
Neste espaço do bairro existe a rua da Lomba (antiga rua de Baixo) e a travessa da Lomba, que foi a chamada rua de Cima. A rua Nova da Lomba é a rua de Vera Cruz que tem acesso à rua de Pinto Bessa, assim como a íngreme rua do Lourenço,
Como curiosidade, assinala-se que, segundo o jornal “O Primeiro de Janeiro” de 14 de Março de 1866, viveu na travessa da Lomba, nº 6, uma tendeira, chamada Maria de Jesus, mais conhecida por “bruxa da Lomba”, presa pela polícia, por acusação de práticas de feitiçaria.
Mas, o episódio histórico mais marcante para a Lomba, poderá ter sido o que ocorreu durante o cerco do Porto, quando decorria uma penosa guerra civil, que confrontava os dois irmãos, ambos filhos de D. João VI, defensores de facções políticas rivais: D. Pedro, aliado das ideias liberais e D. Miguel partidário das ideias absolutistas.
Em 1832, o Porto estava cercado pelos absolutistas e a cidade resistia à rendição, erguendo várias baterias para defender a urbe dos ataques miguelistas. Uma das baterias de artilharia foi montada no cume do monte do Bonfim, onde hoje se encontra a Igreja. Essa bateria servia para cobrir uma outra, localizada mais abaixo, na Lomba. Além destas duas baterias de defesa, as posições liberais, na zona oriental da cidade, localizavam-se desde o Seminário até à Quinta da China, existindo também as baterias das Oliveiras (na encosta da estação de Campanhã), a das Goelas de Pau (junto à rua Câmara Pestana), do Bom Retiro (junto à rua Barros de Lima, o chamado Mirante de Barros Lima, na parte que hoje é a rua de António Carneiro), do Cativo (antigo nome da Quinta de Sacais), Póvoa de Cima (na encosta da rua da Bataria), Monte dos Congregados (onde se encontram os reservatórios de águas do SMAS, junto da rua da Alegria), Aguardente (zona da Praça Marquês de Pombal),…
A construção destes redutos e entrincheiramentos, sobretudo em posições mais estratégicas, situadas em lugares elevados, eram dotados de baterias de artilharia e, para a construção destes pontos de defesa, envolveram-se nos trabalhos quer tropas, quer populares que utilizavam-se tudo o que poderia servir para se protegerem do inimigo, nomeadamente pedras, troncos de árvores, entulho, pipas e barricas cheias de terra, que deram origem às chamadas “barricadas”. Cavavam-se fossos para defesa e à medida que as fortificações iam sendo concluídas, as posições eram ocupadas por forças regulares.
No dia de S. Miguel (29 de Setembro, do ano de 1832), os “miguéis” (absolutistas) romperam as linhas de defesa oriental, entrando pela estrada de S. Cosme até à Rua do Prado, a actual Rua do Heroísmo, onde se travaram violentos confrontos.
Logo pela manhã, entre as seis e as sete horas, debaixo de um nevoeiro cerrado, os miguelistas penetraram nas linhas liberais, defendidas pelas baterias do Bonfim, Cativo e Fojo (junto da Póvoa de Cima existia a Quinta do Fojo, onde foi erguida a Capela do Senhor Jesus da Boavista – Capela de Montebelo) e, após renhido combate, cerca de nove horas depois, os absolutistas foram repelidos com graves perdas, de ambos os lados
Nesse dia, a bateria instalada no Bonfim aguentou o embate, no entanto, na Lomba o cenário era medonho: morreram quase todos os homens da guarnição, muitos deles voluntários Académicos, que formavam uma unidade militar constituída por estudantes.
Embora a imagem que aqui vos apresento não tenha a qualidade necessária para ser perceptiva, entendemos que esta “preciosidade” deve ser dada a conhecer, tanto mais que, tudo indica, que tenha sido desenhada, no próprio sítio em que o acontecimento teve lugar, sendo seu autor José Baptista Ribeiro, eminente pintor, político, pedagogo, museógrafo, homem notável que desenvolveu a sua actividade cultural, no Porto.
Sobre este episódio, ocorrido na Lomba, um cronista da época, o Marquês de Fronteira, sublinha nas suas “Memórias” que “O inimigo, apesar da carga de cavalaria conservava-se ainda na posse da bateria da Lomba, que tinha tomado no começo do combate e onde os bravos académicos que guarneciam as peças preferiram a morte a retirar-se. O bacharel Negrão era o digno comandante: vi-o morto no centro da bateria. Os dois bacharéis e irmãos Luiz e José Serrão também os vi mortos, abraçados um ao outro junto de uma peça, e o bacharel Guilherme António de Carvalho também morto ao lado d’outro.”
A Lomba é ainda um resquício de um bairro operário, como outros que ainda restam na cidade. Trata-se de um núcleo habitacional onde proliferaram as “ilhas”, como resultado de uma procura de habitação acessível para aqueles que chegavam à cidade à procura de trabalho, sobretudo nas unidades fabris. É um bairro que preserva a memória de um Porto industrial mas, é também um lugar marcado por uma história de coragem e valentia, ligada ao Cerco do Porto, de que todos se devem honrar.
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
Imagem: pesquisa Google
01nov19
A minha rua, Lomba, saudades, obrigado pela história.
que maravilha, eu nasci na rua da lomba e gostei de saber sua história, obrigada.