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Os pregões da minha infância

Fernanda Ferreira

Nasci no Porto nos anos 50 e lembro-me dos vendedores das ruas que, manhã cedo, acordavam as pessoas apregoando aquilo que traziam para vender.

Quando chegava o Verão andavam os aguadeiros apregoando refresco de limão que faziam em casa e transportavam em grandes vasilhas de barro cobertas por ramos, para as manter frescas, protegidas do calor do sol. Não me lembro do pregão, mas recordo bem a frescura e sabor desse refresco vendido a copo.

Nessa altura não havia o hábito de comprar refrigerantes que, além de ainda serem pouco abundantes, eram caros para o cidadão comum, embora, de longe a longe, lá bebessem um pirulito de bolinha.

Havia também os vendedores de gelados, com os seus carrinhos ou malas térmicas, apregoando:

-Olh’ó geladinho!  É de frutó chicolate! Olhó picolé fresquinho!

Na praia, aproveitando a hipótese de venda à clientela, maioritariamente infantil, andavam as vendedoras de bolachas:

-Olhá bolach’amaricana! É pró menino e prá menina!

Competindo com eles, vinham as vendedoras de doçaria variada, tendo como rainha a bola de Berlim:

-Olhá bolinha fresquinha! Olhá bola de Berlim! Num quer comprar, freguesa? Tenho bolos bariados. É tudo fresquinho! “

Com um molho de coloridos chupa-chupas e o castanho dourado dos doces de pinhão de aspeto apetitoso, o vendedor gritava ao vento seu pregão:

-Olhó chupa-chupa!  Olhá pinhoada!” “Ó freguesa não compra nada?

Nas ruas da cidade ouvia-se as peixeiras:

Foto: Mariana Malheiro

-Olhá sardinha fresquinha!  Olhó carapau! Ainda vêm a saltar! É comprar, freguesa é comprar! Mais fresco e barato não arranja!

(…)-Olhe lá, escusa de estar a indrominar-me que num posso tirar nem mais um tostão, senhora, senão num consigo comida pra casa. Que c**, quanto mais barato menos querem pagar! Olha mesta! Se calhar quer de graça! Não que não leva! Olha pra ela! Toda chique e diz que num tem dinheiro. Ai balha-me S. Pedro! Cala-te boca, antes eu diga o que num querem oubir.

Aos primeiros sinais de chuva vinham os guarda-soleiros tocando as suas harmónicas de boca com que se faziam anunciar e empurrando as suas bicicletas apetrechadas com o material para arranjar os guarda-chuvas estragados. Quando não estava tempo chuvoso, trabalhavam de funileiros, que amolavam facas, reparavam os furos das cafeteiras e punham fundos novos nos tachos e panelas

No fim do outono, os vendedores de castanhas traziam a tiracolo cestas com sacos de sarapilheira onde vinham, muito aconchegadas, castanhas cozidas a vapor e nos aqueciam as mãos e a alma “Que delícia!”

Os outros assadores de castanhas, traziam os seus carrinhos e inundavam as ruas com o pregão:

-Quentes e boas! Quentes e boas!

E ao fumo dos fogareiros juntava-se o maravilhoso aroma das castanhas assadas que trazíamos num cartucho feito de papel de jornal enrolado de forma cónica. “Quentes e boas!” E ficávamos com as mãos quentinhas, mas enfarruscadas pelas castanhas e pelas letras do jornal.

… nos anos 50

Nessa altura havia vendedores de frangos e ovos, de flores, leiteiras e outros vendedores de que me não recordo nem sei os pregões, mas há ainda quem se recorde dessa altura em que as ruas se animavam com os tradicionais pregões e atrevo-me a dizer que, quem é desse tempo, sente saudades deles.

Mas ainda há os sobreviventes e, como estamos na altura de S. Martinho, é altura de comprar castanhas assadas nos vendedores, e também de fazer belos magustos acompanhados de amigos, vinho novo e água-pé.

Fotos: pesquisa Google

01dez19

 

 

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